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15.
Missão Espanhola
Porque
razão teria D. João II (rei de Portugal ), ao longo de 14 anos de
insistências (1470-1484), recusado a ideia de Colombo? Não sabemos.
A única coisa
concreta que se pode assegurar é que não o impediu de ter feito a mesma
proposta aos reis de Castela e Aragão, e até criou todas as condições para que a sua
missão tivesse êxito.
Durante
anos Colombo, a partir de Lisboa pode livremente e sem qualquer
impedimento, procurar convencer outros monarcas europeus, e em
especial os de Espanha, para atingirem a India navegando sempre para Ocidente. Porquê
?
Tem
surgido várias hipóteses explicativas, sendo as mais importantes as seguintes:
1)
Ignorante
Um
grande número de historiadores apresenta-o como um ignorante. A sua ideia de atingir a
Ásia navegando de Lisboa para Ocidente só podia ter lugar na cabeça de
um ignorante, que concebia a Terra como um globo minúsculo. Apesar de
todas as evidências em contrário, até morrer, estava convencido que chegara a
umas ilhas muito próximas do continente asiático.
Alguns
historiadores apresentam-no
como um fanfarrão, autodidacta e aventureiro. Apesar de ter acertado, quase
sempre nas rotas que tomou, nas quatro viagens que realizou tem sido
identificados enormes erros de navegação e de comando que são aparentemente
inconcebíveis num experiente comandante.
É nesse sentido, que alguns afirmam que D. João II
conhecendo já a existência de um novo continente, a actual América, e sabendo portanto, que a India
(Ásia) não seria atingível pelo Ocidente, foi-lhe fornecendo informações falsas, que ele usou para convencer os
reis de Espanha.
D.
João II não se opôs
que Colombo apresentasse a ideia a Castela, nem que o seu irmão o fizesse junto
do rei de Inglaterra e França. O projecto de Colombo servia os interesses de Portugal,
ao afastar os castelhanos e outros possíveis interessados da Guiné e da rota da India. Nesse sentido incentivou-o a
prosseguir a sua missão.
Esta
hipótese, historicamente fundamentada no "Memorial portugues de
1494" (Arquivo General de Simancas) (6), apresenta algumas fragilidades.
Não consegue, por exemplo, explicar a intencionalidade de
muitos dos seus erros. Colombo mentia e falsificava documentos de forma
sistemática de modo a enganar os reis de Espanha.
Aquilo que para uns é
fruto de ignorância, para outros é uma sucessão de mentiras estudadas.
2
) Descontente
Colombo
desde 1469 até 1485, andou documentalmente ao serviço dos reis de Portugal, e
eventualmente dos Duque de Viseu-Beja. É muito provável que, como muitos outros navegadores, cosmógrafos e cartógrafos portugueses
entre o século XV e o XVII, se sentisse pouco recompensado pela Corte que controlava e
detinha o monopólio das expedições marítimas.
Esta insatisfação levou-o a
aproveitar-se dos conhecimentos que possuía e vendê-los a outros reis, nesse
sentido foi para Castela.
A
sua iniciativa foi logo apoiada por importantes famílias de nobres
portugueses que se haviam exilado em Castela e Aragão, vendo na mesma a
possibilidade de continuarem a ter acesso aos domínios de Portugal e aos
segredos das suas descobertas marítimas.
Os erros nauticos colossais de
Colombo como marinheiro tem sido explicados de várias formas maneira:
- Luis Miguel Coin Cuenca afirma
que, embora Colombo não fosse um grande navegador, os seus erros nauticos eram
intencionais e destinavam-se a enganar os portugueses, dando-lhes falsas pistas
sobre a rota que seguira, nomeadamente para não ser acusado de entrar nos seus
domínios maritimos (John Dyson y Peter Christopher -Por la ruta de Colón. El
viaje que cambió el mundo; Colon.Un Hombre que Cambió el Mundo, 1991).
- Hernández Sánchez-Barba, afirma
que "Toda la vida y la acción histórica de Colón bascula, gira y se promueve en
torno a su secreto, que implica una doble posición, un desdoblamiento en las
vivencias emocionales [...] Tal secreto consiste en la información recibida por
Colón, bien directamente, bien en los papeles de su suegro Perestrello, de un
piloto anónimo o protonauta sobre el mundo al que navegó Colón como “descubridor”.
El secreto – que sólo reveló bajo sigilo sacramental a fray Antonio de Marchena
– obligó a Colón a mantener un desdoblamiento constante en sus reacciones y
expresiones, una especie de disimulo permanente que, sin embargo, se manifiesta
de un modo inevitable en sus escritos". ( Historia y literatura en
Hispano-América (1492-1820): La versión intelectual de una experiencia. Madrid:
Fundación Juan March, 1978)”.
D.
João II, depois de uma forte reacção inicial à traição de Colombo, acabou por ver na
sua ideia, uma excelente oportunidade para desviar as atenções da rota das Indias através da costa africana,
e acabou por o apoiar. Caso contrário o
teria facilmente eliminado, como fez em relação a tantos outros traidores.
Esta
hipótese não tem em conta inúmeros aspectos da sua biografia, nomeadamente a
enorme fidelidade que sempre revelou em relação a Portugal.
3)
Conspirador
Colombo,
segundo o seu filho Hernando Colon, terá fugido de Portugal, numa altura que muitos dos
conspiradores contra D. João II estavam a ser mortos (cerca de 80) ou seguiam
seguiam idêntico recurso.
Estaria envolvido na conspiração do Duque de
Viseu-Beja e mestre da Ordem de Cristo ? Tudo parece apontar para esta possibilidade.
Esta
Casa Ducal, que dominava as ilhas atlânticas e as costas da Guiné, via com
agrado o afastamento dos espanhóis destas regiões, dando-lhes ilhas a
Ocidente.
Nas
três primeiras viagens à América nunca deixou de visitar os domínios do
Ducado de Viseu-Beja. No regresso da 1ª. viagem à América, teve inclusive um
longo encontro com o Duque de Beja (D. Manuel) no Convento de Santo António da
Castanheira. Em Espanha contou sempre com participação de nobre ligados a esta
casa ducal.
Não é
de descurar a hipótese, de muitos dos nobres portugueses exilados, para se vingarem de D. João II ou caírem
nas boas graças dos reis católicos que os acolheram, quisessem oferecer um
segredo da Corte Portuguesa: a existência de terras a Ocidente.
Embora
tenha fugido secretamente para Castela,
o certo é que esteve sempre em
contacto o que aqui se passava em Portugal, registando-se inclusive pelo menos 6 visitas
posteriores a 1484.
É
possível que o ataque que realizou a duas galeras venezianas tenha ocorrido
pouco antes de fugir para Castela, e não em 1485. A sua alegada presença em
Lisboa, em 1485, poderá também fazer uma mistificação, no qual era hábil.
É
todavia um facto que Colombo se correspondeu com D. João II. O rei escreveu-lhe, em 1488,
em resposta a
uma sua carta. Trata-o por "Colon" e o que é mais importante por "especial amigo", um tratamento inimaginável
entre um rei e um plebeu, alegadamente estrangeiro.
Esta carta mostra
que Colombo continuava em diálogo com o rei, mesmo depois de sair do país. O
facto é tanto mais intrigante, quando sabemos que nesta altura estava a ser pago pelos reis
espanhóis.
Este
facto leva-nos a concluir que D. João II rapidamente se tenha apercebeu que a
traição de Colombo interessava a Portugal e por isso passou a apoiar a sua
missão.De traidor,Colombo passou a colaborador. Quem estava também interessado nesta
viagem de Colombo, eram mercadores como o florentino Bartolomeu Marchione,
pois a mesma iria afastar a concorrência da costa africana.
Deste
modo se explica toda a encenação em torno de vida de Colombo, as múltiplas
cumplicidades com a Casa de Bragança e outras famílias portuguesas, mas também
o seu constante patriotismo.
Para se
compreender toda a trama que estava a ser urdida é necessário ter em conta
as disputas e guerras entre castelhanos e portugueses.
3)
Espião
A
alegada "fuga para precipitada" para Castela, referida por Hernando
Colón, poderá não ter passado de uma encenação a que Colombo recorreu, para se infiltrar
no circulo de exilados portugueses, envolvidos nas conspirações contra D.
João II. A Pero da Covilhã foi confiada, na altura, uma missão idêntica (9).
É
provável que fosse cavaleiro da Ordem de Santiago, como a sua esposa
(Filipa Moniz Perestrelo), ambos estavam sob a alçada do mestre da Ordem, o
próprio Rei e depois o seu filho D. Jorge de Lencastre. Quando se aperceberam
que a sua missão em Castela não tinha retorno possível, Filipa regressará, em 1490, ao convento
de Santos, como comendadeira, enquanto esposa de um cavaleiro da Ordem.
Nesta
hipótese, a partida de Colombo para Castela, só terá ocorrido em meados de 1485. Neste
ano estava ainda em Portugal, e em grande actividade:
-
Como corsário "Cristoforo Colombo", assim denominado na
documentação da Senhoria de Veneza, atacou e prendeu duas galeras de Veneza.
Esta republica italiana, recorde-se, mandou a D. João II um embaixador para
reclamar a sua devolução junto do rei. Este facto releva a intima ligação
entre "Cristoforo Colombo corsaro" e o rei de Portugal.
-
Como navegador, escreve que, neste ano, assistiu em Lisboa, na presença do rei,
à apresentação dos resultados das medições do mestre José Vizinho na
Guiné.
As
relações entre Colombo e D. João II, prosseguiram sempre muito próximas, ao
ponto do rei, em 1488, o tratar por "especial amigo", e elogiar o bons
serviços que lhe havia prestado.
A
missão de Colombo, a partir de 1486, passou a ser a de propor à Rainha de
Castela uma viagem para a Ásia navegando para Ocidente, de modo a afastar os
castelhanos das lucrativas expedições
portuguesas ao longo da costa africana e da própria India.
A
fidelidade de Colombo a D. João II manteve ao longo dos anos. A 12 de Outubro
de 1492, quando aportou na "Àsia", ergue uma bandeira com a Cruz
Verde da Dinastia de Aviz. Nas Indias procurou evitar a fixação dos
espanhóis, perseguindo-os. Apenas foi a Terra Firme, em 1498, um ano depois de
Vasco da Gama ter partido para a India e meses depois de D. Manuel I ter sido
jurado herdeiro do trono de Espanha. Em 1502 apela ao papa para que expulse os
espanhóis das Indias (América).
Esta
hipótese permite explicar muito do seu comportamento.
b)
A Questão da Concorrência
A conquista de Ceuta (1415) marcou o inicio da expansão
marítima de Portugal. Tratou-se de um projecto sistemático conduzido de forma monopolista pela casa real, que através de concessões lhe permitia
obter os rendimentos com que sustentava à própria expansão.
O Infante D.
Henrique, mestre da Ordem de Cristo (desde 1420), teve entre 1415 e
1460, um papel fundamental neste processo expansionista, que nunca é de mais
salientar. Depois da morte do Infante, em 1460, a Coroa passou a assumir e
a dirigir a expansão marítima, aproveitando todas as ocasiões que surgiram para acentuar este
processo de centralização (15).
Ao longo do
século XV, e conforme a expansão se efectuava foi sendo criada uma complexa
estrutura administrativa para gerir a expansão marítima, os novos domínios e
arrecadar os respectivos rendimentos, tais como: a Casa de Ceuta (Lisboa,
1434); Casa dos Tratos de Arguim (Lagos, 1445) e a Casa da Guiné (Lagos, 1445), transferidas para Lisboa em 1463; Casa da Mina (Lisboa,
1482), que agregou a Casa da Guiné; Casa dos Escravos (1486), e por fim a Casa da India (Lisboa, 1501), que integrou a Casa da Guiné e da Mina.
No inicio da
expansão Portugal
não manifestou grandes intenções exclusivistas. Os governadores de Ceuta por
exemplo, recebem com
entusiasmo muitos estrangeiros que vem participar na guerra e nos lucrativos
saques que eram praticados aos mouros. Algo semelhante aconteceu no povoamento
do arquipélago da Madeira (iniciado em 1419-26), e depois do arquipélago dos Açores (iniciado depois de 1439), a fixação de
estrangeiros foi particularmente acarinhada. Na rentável exploração da produção
e comércio de açúcar, na Ilha da Madeira, foi criada uma rede
internacional com a larga participação de estrangeiros.
A situação foi-se tornando muito diferente
à medida que avançava a
exploração da costa ocidental de África. A Corte, mas também o Infante D.
Henrique passaram a falar, cada vez mais, dos enormes custos da própria
expansão, em termos de recursos financeiros e de vidas humanas. Um discurso que
Colombo foi particularmente sensível, ao ponto de o repetir. Mais
Nesse sentido passaram a defender
uma política exclusivista. O controlo por parte do Estado
português foi aqui se tornando mais apertado, implicando a criação de um
forte dispositivo militar que desencadeava frequentes acções punitivas para
expulsar os estrangeiros das regiões que haviam sido descobertas pelos
portugueses.
Desde que foi
dobrado o Cabo do Bojador ( 1434 ), a coroa portuguesa e o Infante
D. Henrique passaram a assumir como um dos seus
objectivos estratégicos afastar outros reinos cristãos da costa ocidental de África.
A 9/1/1443, o papa, concede ao infante D. Henrique o direito de povoar as
ilhas do Atlântico, mas também a orientação espiritualidade das populações das
ilhas que não tivessem bispo. O regente Infante D. Pedro doa-lhe os territórios
a Sul do Bojador a título vitalício. A 3/2/1446, o Infante D. Pedro, regente de Portugal, ordena que ninguém
navegue a sul do Bojador sem uma licença do rei (ou do Infante D. Henrique), sob
o pena de ficarem sem os navios. O papa Nicolau V, a 8/1/1455, confere
esta exclusividade ao Infante D. Henrique. O que foi também confirmado pela bula
do papa Calisto III, a 13/3/1456.
Com a morte do Infante, em 1460,
a Coroa portuguesa, liberta dos condicionalismos que os privilégios que possuía
o Infante D. Henrique a Sul do Bojador chama a si este o monopólio dos produtos,
comércio, navegações e dos mares (15). Esta
política que foi consagrada em 1474, com a proibição das navegações estrangeiras a sul das Ilhas Canárias
("Mare
Clausum"), prosseguida em 1479/8 no Tratado de Alcáçovas-Toledo, reforçada com a construção do Forte de S. Jorge
da Mina (1482)
e outras fortalezas,
processo que culminou no Tratado de Tordesilhas (1494).
Era nesta costa africana que foram descobertas as principais fontes de rendimento
do país nos séculos XV, e encontrado o caminho para as que marcaram o século XVI:
1. Pescarias. O avanço das descobertas marítimas para sul, ao
longo da costa africana, revelaram a existência importantes ricas zonas de
peixe desde o Cabo do Bojador até ao Rio do Ouro. Uma região especialmente
sensível pra os interesses de Portugal. Não tardaram a sucederem-se contínuos e violentos conflitos entre portugueses e os
andaluzes que prendiam ter acesso a estas pescarias. D. João II fez questão de
consagrar o seu exclusivo para os portugueses no Tratado de Alcaçovas-Toledo
(1479/1480)(16).
Colombo, como vimos, procurou encontrar
uma alternativa nas Antilhas para estas disputadas zonas de pesca na costa
africana.Mais
2. Escravos. Percorrendo a costa ocidental de África, a sul
do Cabo do Bojador, Lançarote de Lagos, em 1444, encontra uma enorme
fonte de riqueza: escravos !. Não tardaram a serem criadas ao longo da costa várias feitorias, cuja principal actividade
estava neste lucrativo tráfico: Arguim (1445), Mina (1482), Cacheu e São Tomé.
3.
Especiarias Africanas. O comércio destas especiarias, sofre um forte
impulso depois da viagem de Diogo Gomes, em 1456, ao Rio Grande (Geba,
Guiné), quando
obteve directamente a pimenta-malagueta. Com a pimenta-do-reino abundava nas costas da Guiné, em Benin e Gana. Perdeu grande parte da sua
importância económica com a vinda para a Europa das especiarias asiáticas, no
início do século XVI.
4. Ouro. Quando o Infante D. Henrique faleceu, em 1460,
os descobrimentos haviam já atingido à Serra Leoa, sendo ainda pouco rentável os
produtos obtidos na costa africana. O ouro anualmente obtido em Arguiam,
oscilava entre os 20 e os 25 kg. Tudo muda quando os portugueses atingiram a Mina (Elmina,
Gana), em 1471, as explorações marítimas começaram a ser efectivamente muito lucrativas.
O ouro oriundo da Mina atingia, no inicio do reinado de D. João II, as centenas
de quilos, o que lhe permitiu conceber um arrojado plano de expansão marítima
(15).
D. João II
fez questão de iniciar o seu reinado (1481-1495) com a
construção do Forte de S. Jorge da Mina (1482), cuja fortaleza foi elevada, em
1486, à categoria de cidade. A Mina, como ficou conhecida, era o símbolo maior da coroa portuguesa sobre toda a costa
ocidental de África.
Durante o reinado de D. João II, o ouro da Mina duplicou
as receitas publicas: cerca de 120.000 cruzados, enquanto as restantes não
ultrapassavam os 126.688. No começo do século XVI, escreve Vitorino Magalhães
Godinho, que as especiarias asiáticas não ultrapassavam em muito este valor. O
ouro da mina representava uma percentagem importante dos recursos do Estado: 24%
em 1506; 15% em 1519; O declínio do ouro da mina (1521-1523) produziu uma
profunda crise económica. Portugal viu-se então obrigado a atrair o ouro das
Antilhas, do México e Perú (11).
5. Especiarias Asiáticas. O avanço para sul abriu a possibilidade
do acesso a uma nova e fabulosa fonte de riquezas, as especiarias da India. O
plano aparece já referido na Bula de 1456, foi a partir de 1474, que
começou a ser concretizado de forma
sistemática.
O ano em que Colombo, "fugiu" (8) para Castela (1484) , foi de particular importância para a expansão portuguesa em África, em especial
para o projecto da India. Diogo Cão comunicou a D. João II a convicção que havia chegado ao extremo
de Africa, atingindo o Promontório Prasso. Os portugueses estariam a uma curta distância da
India (Ásia).
Os geógrafos
antigos, como Ptolomeu, designavam o extremo sul da África por Promontório Prasso. A partir
daí abria-se o Golfo da Pérsia já na Ásia.
Diogo Cão que havia partido em Agosto de
1482, trouxe a notícia que tinha chegado a este Promontório pouco antes do dia 8 de Abril de
1484. A notícia entusiasmou D. João II de tal forma que este lhe deu uma
importante tença e o armou cavaleiro com o respectivo brasão. Era sua
convicção que havia chegado às portas da Ásia. Na Oração de Obediência ao
papa (Inocêncio VIII), pronunciada na corte pontifícia, a 11/12/1485, o
embaixador de Portugal Vasco Fernandes de Lucena anunciou que os navios
portugueses estavam prestes a atingir a India, tendo ficado a dias do Golfo
Arábico.
O promontório,
segundo afirmou, estaria a 4.500 milhas italianas, o que corresponde aproximadamente à
distância entre Lisboa ao Cabo do Lobo (2). D. João II, segundo Peres Damião (1 )
teria sido enganado, julgando que já atingira o extremo sul da África.
Os dois padrões
que foram encontrados de Diogo Cão parecem indicar que não terá ultrapassado o
Cabo do Lobo, depois chamado de Cabo de Stª Maria a sul de Benguela - Angola,
à Lat. 13º 25' sul".
Em 1485 Diogo
Cão iniciou uma nova expedição, mas o seu barco desapareceu. O que significa
durante 1485 e 1487, D. João II não possui informações concretas que
pudessem confirmar se o Promontório de Crasso havia de facto sido atingido.
Colombo afirma
que esteve em 1485, com o cosmógrafo José Vizinho e D. João II, a analisar
o
novo método de navegação astronómica, baseados na altura do sol. Certamente
teria sido obter novas informações sobre o Promontório de Crasso.
A vasta rede de espiões de D.
João II, actuavam também no interior de África, a partir do Senegal. As informações
que enviarem ao rei, entre 1484 e 1487, pareciam reforçar a convicção que Diogo Cão
havia de facto atingido o extremo sul África (3). Informaram-no inclusive que a largura de
África seria mais pequena do que na realidade é.
A Longa
Espera de 1489 a 1497
As informações
entretanto recebidas de África, ao longo de 1487, mostraram de tinha havido um erro de cálculo.
O objectivo estava próximo, mas ainda não fora alcançado. Bartolomeu Dias inicia, em 1487 uma expedição que o levará finalmente ao Cabo
da Boa Esperança, de onde só regressa em Dezembro 1488 (4). A partir daqui D.
João II tinha a certeza que podia atingir a India.
Os historiadores têm dificuldade
em explicar porque é que depois de 1488 e até 1497, D. João II e depois D.
Manuel I, terão suspendido as expedições para a India. Portugal possuía informações,
recursos técnicos e humanos para atingir a India contornando África, mas
resolveu esperar pacientemente para o fazer. Uma coisa é certa: não ficou
parado !.
A explicação
oficial para esta pausa, assenta na ideia que D João II, terá percebido que
para a expedição à India ter êxito, era necessário melhorar o conhecimento
dos ventos e correntes, assim como a tecnologia dos navios.
- A rota seguida por Bartolomeu
Dias revelou-se muito penosa, pois o mesmo fê-la ao longo da costa africana,
enfrentando ventos e correntes maritimas contrárias à sua progressão para
sul. Os portugueses tiveram que estudar entre 1488 e 1497, os ventos do
hemisferio sul, até que descobriram que a navegação para o extremo sul do
continente africano, era muito mais rápida se os navios fizessem uma longa
bordada a oeste no Atlântico Sul, depois de passadas as ilhas de Cabo Verde,
aproximando-se do Brasil (10). Esta foi a rota que Vasco da Gama tomou em 1497,
e com grande precisão foi ter ao extremo sul de África. É pois seguro que
neste longo período muitas expedições portugueses tiveram que ser enviadas
para o hemisfério sul, afim de descobrirem os ventos e correntes maritimas.
- Bartolomeu Dias comandava uma
pequena frota de duas caravelas latinas e uma naveta. A caravela era
particularmente apta para a navegação à bolina, em manobras de zigue-zague
contra o sentido dominante dos ventos, o que tornava a navegação muito penosa. Os portugueses tiveram também que desenvolver novas embarcações para
grandes viagens e adaptadas aos ventos do hemisfério sul. As naus de pano
redondo mostraram-se muito adequadas à navegação com vento pela popa. Vasco
da Gama, em 1497, comandou uma armada com 4 naus.
A
rota seguida por Vasco da Gama, em 1497, revela já um amplo
conhecimento dos ventos e correntes maritimas do Atlântico Sul, assim como um
pleno domínio da sua geografia. Ao dirigir-se para o extremo sul de África, dirige-se
primeiro para os ilheus de S. Pedro e S. Paulo no meio do Oceano Atlântico,
entre o Brasil e África (29°22' long. O; 0°56'
lat. N, a cerca de 1300 km da costa brasileira e 1500 km da costa da Guiné),
e só depois dos avistar rumou então para Oriente para atingir o cabo da Boa
Esperança.
Foram três meses em pleno mar alto, sem ver terra, nos quais Vasco da Gama
conduziu sem engano a sua armada até à ponta de África. Esta precisão na
navegação implicava um prévio conhecimento não apenas dos ventos e correntes
de todos o Atlântico Sul, mas também da posição exacta do Cabo da Boa
Esperança. Mais
-
As informações enviadas pelos espiões que D. João II mandou por terra para a India
só chegaram a Portugal em 1492. Só então o rei passou a ter um mais amplo
conhecimento da parte oriental de África e das terras e povos que os
navegadores iriam encontrar.
Terão sido estas as razões
porque, segundo muitos historiadores, Portugal foi adiando a
partida de uma expedição marítima para a India.
C)
Controlo de Castela
Sem ignorar a
importância das razões anteriores, para explicar a longa "pausa" de 8 anos,
pensamos que razão principal foi de natureza estratégica.
Uma das
preocupações de D. João II foi sempre o de afastar a possível concorrência do caminho marítimo para as
especiarias das India, em especial a Espanha, o principal inimigo do reino.
Na
longa guerra ente 1475 e 1479 o acesso dos espanhóis à Guiné e ao Ouro da Mina esteve
sempre no centro do conflito. Portugal reclamava o exclusivo da explorações e
do comércio marítimo a sul das Canárias.
Não era apenas o
rei que estava interessado neste afastamento dos espanhóis de
África, mas também muitos mercadores envolvidos nos negócios africanos, como
Marchione. Entre 1486 e 1495, recebeu o
monopólio do tráfico de escravos, e possuía o exclusivo da sua exportação
para Espanha e Itália. Esteve directamente ligado à rede de portugueses e
florentinos que apoiaram o projecto de Colombo. Mais
Colombo em Castela.
O que andou a
fazer durante 6 anos (princípios de 1485 a Julho de 1491)? A maioria dos historiadores afirma que até
1488 foi pouco convincente na maneira que expôs os seu projecto. Na
verdade, as informações que recebia de Portugal, eram frequentemente contraditórias.
Tudo mudou em 1488,
depois de ter vindo a Portugal para assistir à chegada de Bartolomeu Dias e à
sua conferência, em Beja, com D. João II . Las Casas afirma que Bartolomeu
Colón terá participado nesta viagem até ao extremo sul de África.
O certo é que depois desta
conferência, o seu irmão Bartolomeu Colon,
o mesmo foi para Londres e a seguir para França, tendo como objectivo promover o projecto de
Colombo de chegar à Ásia navegando para Ocidente.
Colombo
regressa a Castela. Em 1489, Frei Peres de Marchena, assim como uma vasta rede de
apoiantes de origem portuguesa, têm uma
participação cada vez mais activa no projecto de Colombo. Mais.
Marchione que dominava o tráfico negreiro em Castela e Aragão, a partir de
Lisboa, irá colocar os seus agentes comerciais, como Juanoto Berardi, ao
serviço de Colombo.
Consequências
da Morte do Principe D. Afonso
Isabel, rainha de
Castela, apesar de todas as pressões dos exilados portugueses, seguindo as recomendações de Hernando de Talavera, continuou a hesitar na decisão de
autorizar a viagem de Colombo.
A razão
porque o fez, em dado momento, está ligada a um facto da maior importância:
Portugal e
Castela após uma longa
guerra (1475-79), fizeram as pazes, estabelecendo o Tratado de Alcaçovas-Toledo
(1479-1480), onde pela primeira vez fizeram uma partilha do mundo descoberto e a
descobrir. Esta era uma das condições que os nobres portugueses exilados em Castela não
aceitaram (13), mas que em nome da paz entre os dois reinos era defendida por
Hernando de Talavera.
O Tratado foi
selado com um casamento:
- O principe D. Afonso de Portugal (herdeiro do trono)
casaria com a infanta D.Isabel, a filha mais velha dos reis de Espanha. O
matrimónio ficara acordado a 4 de Setembro de 1479, mas só aconteceu em 1490,
devido à menoridade dos noivos.
Acontece que o
principe D. Afonso, em Julho de 1491, morre num acidente equestre. A infanta
espanhola regressa à casa dos seus pais.
D. João II
envolve-se a partir deste momento numa tremenda luta para legitimar o único
filho que lhe restava - D. Jorge de Lencastre -,
fruto dos amores com Ana de Mendonça, que pertencera ao séquito de Joana, a
Beltraneja...
As reacções não se fizeram
esperar. Dona Brites, antiga Duquesa de
Beja-Viseu, mãe da rainha Dona Leonor, D. Diogo (assassinado em 1484) e D.
Manuel (Duque de Beja e mestre da Ordem de Cristo) opõe-se de forma veemente às
intenções do rei em legitimar o seu filho bastardo, defendendo a legitimidade de
D. Manuel , como futuro rei de Portugal.
Dona Brites, recebe de imediato o apoio da
sua sobrinha - Isabel, a
católica- com a qual havia concebido o Tratado de Alcaçovas. D.
Jorge da Costa, o conhecido cardeal Alpedrinha, opõem-se também à legitimação de
D. Jorge de Lencastre.
Os reis de Espanha
viam em D. Manuel um aliado, com o qual haviam convivido em Castela durante as Terciarias. Mais
Não é pois de
estranhar que dias depois da
morte do principe D. Afonso, a rainha de Castela mude a sua posição em relação ao
Tratado de Alcáçovas-Toledo, mas também em relação ao projecto de Colombo. A
partir daqui irá assumir uma clara atitude de afrontamento para com D. João II.
Os reis de Espanha deixam de
aceitar o estabelecido no Tratado de Alcaçovas-Toledo. As conversões com Colombo
são retomadas, terminando meses depois na celebração das Capitulações de Santa Fé (17 de Abril de 1492). Nestas Capitulações afirmam-se
igualmente "senhores do Mar Oceano", ignorando os domínios de Portugal e
o acordado no referido Tratado.
Temendo uma
possível reacção de D. João II, nomeadamente em relação à viagem de Colombo, mandam preparar uma armada- a "Armada de Vizcaya", em Agosto-Setembro de
1492 (7). A posição é de aberto confronto.
A maior parte
dos portugueses
exilados em Castela embora tenha apoiado o projecto de Colombo, fizeram saber
à rainha Isabel que haviam
terras a Ocidente, mas estas não eram a India (Ásia) que este apregoava (cfr. Memorial
Português de 1494).
Os dois reinos
peninsulares pareciam caminhar para uma nova guerra. |
Posição
de D. João II
Tudo o que se
passava com Colombo em Espanha era do conhecimento de D. João II, o próprio
certamente o manteve informado, não fossem ambos "amigos muito especiais". As
Capitulações de Santa Fé, assim como os preparativos em Palos para 1ª. viagem à
"India" (América), eram, como é óbvio, do conhecimento rei de Portugal.
Os "reis católicos" não faziam segredo da expedição que estava a ser
preparada para a
India. Antes da partida da expedição, fizeram mesmo questão de anunciar nos
portos da Andaluzia que a mesma não iria à Guiné, nem à Mina, domínios de
Portugal.
D. João II, quando à viagem de
Colombo, não manifestou qualquer discordância. Nada fez para a impedir, nem
sequer tomou medidas especiais sobe o assunto, por saber estar confiante que o
projecto de Colombo correspondia aos interesses de Portugal. Não andavam os
portugueses numa guerra permanente para afastarem os estrangeiros da costa
ocidental de África? Esta viagem servia na perfeição este objectivo.
Á cautela mandou na primeira viagem de Colombo pelo menos 6 portugueses,
mas não foi tudo. Quando Colombo
partiu da Ilha de Gomeira (Gomera, Canárias) na direcção da India (América),
a 6 de Setembro de 1492, foi informado que três
caravelas portugueses estavam a navegar junto à Ilha de Ferro (Hierro) à sua
espera. O objectivo de D. João II era claro: mostrar que ninguém se podia
aproximar do ...Brasil !
A única preocupação de D.
João II, parece ter sido mesmo a de assegurar-se que Colombo não atingiria o novo
continente que sabia existir no hemisfério sul.
Outra das grandes preocupações de
D. João II, entre 1491 e 1494, era a questão da legitimação do seu filho
bastardo D. Jorge de Lencastre, para a qual necessitava não apenas do apoio
do papa, mas também dos reis de Espanha. Para obter este apoio, procurou
casá-lo, sem êxito, com uma das infantas castelhanas. O cronista Çurita deixa
entender que D. João II terá condicionado as próprias negociações do
Tratado de Tordesilhas por esta questão (14).
Não deixa de ser curioso constatar que a "única" coisa que D. João II consegue para D, Jorge de Lencastre é nomeá-lo mestre das ordens militares de Santiago e de Avis, o que ocorreu no dia 12 de Abril de 1492, no convento de S. Domingos, em Benfica. Três dias depois deste facto, a rainha de Castela autoriza finalmente a viagem de Colombo. Durante o seu longo mestrado destas ordens durante o reinado de D. manuel e D. João III, nunca se afastou da Corte.
e )
As Prioridades de Colombo
Colombo
realizou a sua primeira viagem à América acompanhado de pelo menos de 6
portugueses, dois dos quais eram pilotos. Ao chegarem a Lisboa, como o próprio afirma, ficaram em Portugal. Com que objectivo ? Informarem o rei e
seguirem numa expedição portuguesa que logo a seguir partiu para as Indias. Nada
foi deixado ao acaso.
A
melhor prova do envolvimento de Colombo nesta missão está nas suas prioridades quando regressou à
Europa.
No regresso
dirigiu-se em primeiro lugar para os Açores e depois para Lisboa. O seu primeiro objectivo
foi informar o rei português e obter novas instruções.
Ficou em Portugal continental
de 4 a 14 de Março de 1493, durante dez dias, nas quais se
encontrou não apenas com D. João II, mas também com a Rainha Dona Leonor de
Lencastre e muitos outros nobres, inclusive o futuro rei - D. Manuel I. As
duas facções em que estava dividida a sociedade portuguesa. Mais
Decisões tomadas:
Divulgar a
"descoberta". A partir de Lisboa
escreveu para tudo quanto era sítio na Europa para informar outros países que
havia atingido a India navegando para Ocidente. Tratava-se agora não apenas de
enganar os espanhóis, mas também os italianos, ingleses, franceses, flamengos,
etc.
Colombo só
regressou a Espanha quando ficou seguro que esta informação fora enviada para
toda a Europa. Porquê ? A explicação é simples: - Ao dar conhecimento da sua viagem à
India e da curta distância que a
mesma podia ser atingida, estimulando desta forma a cobiça das
potências europeias. A Espanha tradicional inimiga de Portugal ficou desde logo
envolvida numa guerra permanente para defender as suas "Indias" dos
ingleses, franceses e holandeses.
- Propor um novo Tratado. Acordou com D. João II os termos de uma nova divisão do
mundo entre os dois países, ficando Portugal com parte do Novo Continente, o
que lhe permitiria futuras expansões nestas regiões (América), mas sobretudo
bloqueando as incursões dos espanhóis no caminho maritimo que estava a ser
preparado para atingir a India (Ásia).
A posição de confronto dos reis
espanhóis aumentou de intensidade, após a chegada de Pinzon e Colombo. Mandaram acelerar a
criação da Armada de Vizcaya, tendo o seu capitão general apresado, em 1493, navios de um comboio português
que se dirigia para a Ilha de S. Tomé. Ordenaram que nas regiões fronteiras com
Portugal pudessem sair cavalos e armas, dando desta forma o sinal que uma acção
militar estava a ser preparada.
Sabotagem
Depois das conversões em Portugal,
Colombo dirigiu-se para Espanha,
onde no Porto de
Palos, durante 15 dias, se reuniu com um espião português - Frei Peres de Marchena -,
a fim de combinar os passos a seguir neste país.
Decisões tomadas:
- Sabotar a informação. Conforme o combinado, propôs ao reis espanhóis um novo tratado com Portugal de
divisão do mundo, com base de linha meridiana de demarcação dos respectivos domínios. A
ideia foi aceite e iniciaram-se as primeiras negociações com vista ao
estabelecimento de um novo Tratado.
Uma vez
iniciadas as negociações, Colombo tratou logo de sabotar o trabalho dos negociadores espanhóis não lhes
dando informações precisas. Os reis espanhóis (Isabel e Fernando) solicitaram-lhe vezes sem conta
as posições, latitudes, mapas das "Indias" descobertas. Ainda em 1495
andavam à nora sem saberem nada de concreto. Portugal, aproveitou a
situação e através de várias manobras diplomáticas, apressou a conclusão
do trabalhos.
- Novas Viagens de Diversão.
Em 1493 Colombo regressou, conforme o previsto, às Indias (Ásia). Recorde-se que nas
mesmas havia deixado na 1ª. viagem, 38 espanhóis e 1 italiano no forte da Navidad.
Tratava-se agora de entreter os espanhóis de forma a envolvê-los nas Indias,
assim como empurrar outras potências europeias para as Indias criando aí uma
zona de disputas territoriais e tensões diplomáticas.
A nova expedição conduzida
por Colombo, preparada ao mínimo pormenor, revelou-se um desastre completo. Ao fim de alguns meses, 10 dos 17
navios que haviam partido tiveram que regressar. O número de mortos e doentes
que provocou foi impressionante. O que andava a fazer ? A saltitar de ilha em ilha,
evitando que os espanhóis pudesse ter uma visão de conjunto das ditas "Indias".
A assinatura
do Tratado de Tordesilhas, a 7 de Junho de 1494, marca um momento alto na
estratégia de D. João II. Os espanhóis estavam agora atascados nas Indias,
sofrendo os seus navios contínuos assaltos de piratas e corsários portugueses,
franceses, ingleses e italianos.
Portugal está
agora em condições de avançar, sem concorrência para a India. As atenções
internacionais estão desfocadas das costas africanas. Negreiros como Marchione,
respiraram de alívio.
F) Plano
Incompleto
D.Manuel I,
conforme o próprio Colombo afirma, tornou-se imprevisivel. O rei terá feito
algo muito diferente do combinado com ele em Março de 1493, quando se
encontraram no Convento de Santo António da Castanheira.
D.Manuel I, entre 1495 e o
verão de 1497, segundo Colombo, continuou a explorar a rota do cabo, e os navios
portugueses terão entrado pelo Indico. Após anos de estudo e ensaios, como
dissemos, os portugueses em 1497 estavam em condições de efectuar com êxito uma
viagem de dois anos até à India.
Antes de tomar uma decisão, o rei
fez questão de obter do papa Alexandre VI a bula "Ineffabilis", a 1 de
Junho de 1497, onde lhe reconhecia a ele e aos sucessores o direito de
"receber e reter cidades, fortalezas, terras, lugares e domínios dos infiéis que
adregassem submeterem-se ao seu jugo, pagarem-lhes tributo ou reconhecerem-no
como seu senhor", desde que não fosse em prejuízo de para os direitos
constituídos de qualquer principe cristão (17).
Obtida a bula, no dia 8 de Julho
de 1497, Vasco da Gama, partiu finalmente para a India, sem concorrência !
A corte espanhola, ao
aperceber-se do logro em que estava metida, exige que Colombo elabore uma
resposta à altura da gravidade da situação. No Memorial de la Mejorada, datado de Julho
de 1497, acusa D.Manuel I de andar a explorar várias rotas de navegação que
supostamente pertenciam a Espanha:
a)
A rota da India que contornava África, tendo ultrapassando na altura o Cabo da Boa
Esperança;
b)
A rota do poente na direcção das Indias espanholas e sudoeste (Brasil);
c)
A rota do norte na direcção do Polo Artico, isto é, da Terra Nova.
De todas as expedições D. Manuel
I enviara a que mais preocupava Colombo era, naturalmente a de Vasco da Gama
pela rota do Cabo da Boa Esperança, porque iria confirmar que aquilo que se
tornara claro: ele não chegara à Ásia, mas a umas ilhas perdidas no Atlântico.
É neste contexto que no
Memorial de la Mejorada se lamenta que o "Plano de D. João II" não estava a ser cumprido,
deixando no ar a ideia que este rei lhe prometera que nunca mandaria navios para
a India. Alvaro de
Bragança, percebendo a sua posição melindrosa, negoceia em 1497 com a Corte
Espanhola, o morgadio de Colombo.
D. Manuel I, em 1498,
manda também Duarte Pacheco Pereira explorar
as costas da América do Sul, atingindo o Brasil, e possivelmente percorrendo a América central até à Florida. Sabemos
igualmente na mesma altura, portugueses ao serviço de Inglaterra, andavam a
explorar as costas dos actuais EUA e do Canadá.
Era previsível um novo conflito
entre Portugal e Espanha, caso não tivesse ocorrido uma situação
inesperada: D. Manuel I ao casar-se com uma princesa espanhola, acaba em Abril de 1498,
na cidade de Toledo, a ser jurado herdeiro do trono de Castela...Alvaro de Bragança, resolver o
problema, reunindo meios para uma nova viagem de Colombo, com uma importante
novidade: - a 3ª viagem (1498-1500) careceu de autorização de D. Manuel I, que
lhe possibilitou andar em domínios e mares portugueses, tendo visitado a Madeira
e Cabo Verde, onde recebeu todo o apoio. Qual era o grande objectivo desta
viagem? - Ver o continente que D. João II lhe falara que existia no hemisfério
sul.
Quando chegou
às Indias espanholas o que fez Colombo e os seus irmãos ? Continuou a perseguir e a matar espanhóis,
impedindo-os de se fixarem. É preso, em 1500, enquanto se preparava
para assassinar mais uns quantos.
Missão ou Traição ?
A missão
de Colombo implicava ter que assumir o papel de traidor, revelando a Castela
segredos da corte portuguesa. Esta foi justamente a principal acusação
que D. João II, em 1485, fazia aos nobres que se haviam refugiado em
Castela.
Colombo
nunca atuou sozinho, contou desde que chegou a Castela, em 1485, com o apoio de um
vasto grupo dos nobres exilados portugueses, em especial de Alvaro de Bragança, irmão do Duque de Bragança
decapitado em 1483.
Na perspectiva
da maioria dos exilados portugueses, Portugal devia
partilhar com os outros reinos cristãos as suas descobertas. Opunham-se à
política do "Mar Fechado".
O apoio que
estes nobres exilados receberam dos "reis católicos", tornaram-nos
receptivos à ideia de aceitarem uma "união" dos reinos da Península Ibérica.
Os reis
católicos cedo se aperceberam da importância dos portugueses (nobres,
navegadores, militares, dinheiro ) para a expansão e manutenção dos seus
domínios ultramarinos, dando-lhes amplas recompensas e elevando-os aos mais
altos cargos. Uma política que foi seguida por Carlos V, e que não se
cansou de a recomendar ao seu filho Filipe II de Espanha (18).
Durante o período de domínio filipino (1580-1640), os descendentes dos exilados de
1483-1484, foram largamente recompensados em títulos, cargos, privilégios
e manifestações de reconhecimento ( 5 ). Dramaturgos espanhóis escreveram
inclusive peças de teatro em que os conspiradores contra D. João II foram
recordados e elevados à categoria de heróis. |
Carlos Fontes |
|
( 1 ) Damião, Peres -
Descobrimentos Portugueses, p.192
(2 ) O que é que Colombo
disse em Castela? Em vez de se servir destes cálculos de Diogo Cão que erravam
por defeito, defendia distancias muito maiores. Escreveu que Bartolomeu Dias a
partir de Lisboa ao cabo da Boa Esperança, em 1488, havia navegado 2.850
léguas ou 11.400 milhas, o que daria 135 milhas por grau. Uma enormidade que
não estava de acordo com os cálculos do seu contemporâneo Duarte Pacheco
Pereira.
O seu objectivo parece ter sido
mostrar que o percurso seguido pelo portugueses era enorme, quando comparado com
a curta distância da Europa à India navegando para Ocidente. Neste sentido
falseou os dados, aumentando e não diminuindo.
(3) Mota, A. Teixeira da - A
Viagem de Bartolomeu Dias e a Concepção Geopolítica de D. João II. Boletim
da Sociedade de Geografia. Out./Dez. Lisboa. 1958
(4) Recorde-se que o conhecimento deste feito
nautico foi omitido pelos cronistas de Portugal. Se não fosse o seu testemunho
de Colombo, esta viagem teria ficado no
esquecimento, como muitas outras realizadas pelos navegadores portugueses. A
política do segredo imposta pelo Estado português assim o obrigava.
(5) De forma muito
selectiva, depois de 1580, a corte espanhola procurou recompensar as principais
famílias dos conspiradores contra D. João II. Alguns exemplos:
a) Casa de Bragança ( os mais
beneficiados):
- Filipe II, em 1588, apressou-se a conceder
Duarte, irmão do Duque de Bragança, o título de marquês, e as vilas de Frechilla
e Villumbrales.
- Um neto de Alvaro de Bragança - Francisco de
Melo Bragança (Estremoz, 1597 - Madrid, 1651) recebeu o título de Conde de Assumar (1636), 1º. marques de Vellisca
(1646),
Visconde de Sacede, etc, capitão geral da Flandres, vice-rei da Sicilia
(1639-1641), governador dos países baixos (1641-1644), vice-rei da catalunha
(1645), embaixador em Saboya, Luca, Toscana, etc.
- O morgadio de Vimieiro, criado por Fradique de
Portugal, filho do Conde de Faro, foi transformado num condado...
- Um
bisneto de Alvaro de Bragança - Nuno Alvares de Portugal, filho do 2º.
Conde de Vimioso (Afonso de Portugal) foi nomeado corregedor da
cidade de Lisboa (presidente do município) por Filipe II de Espanha, e
depois fez parte da 1ª. Junta Governativa do reinado de Filipe III de Espanha, entre 1/9/1621
e 30/8/1623. A uma traição juntou-se
outra, por um descendente directo de D. Nuno Alvares Pereira, o
celebrado condestável de Portugal !
b) Ataídes.
Filipe II quando visitou
Portugal fez questão de subir até ao Convento de Santo António da Castanheira
para homenagear o panteão dos ataídes (1581).
Os seus membros tiveram elevados cargos e
privilégios: Jorge de Ataíde, um dos principais defensores do domínio
espanhol em 1580 foi nomeado Inquisidor-mor; António de Ataíde, 5º. conde
da Castanheira, participou na conquista espanhola dos Açores (1581-1583),
governador de Portugal (1631), recebeu o título de Conde de Castro Daire (1625),
presidente do conselho de Aragão, etc.; Jerónimo de Ataíde, filho do
anterior, foi nomeado pelos espanhóis Marquês de Colares (título não reconhecido
em Portugal);
c) Távoras.
Cristovão Moura e Távora (Lisboa, 1538 -
Madrid, 1613), o principal agente de Filipe II de Espanha na "união ibérica" de
1580, não só acumulou em poucos anos uma enorme fortuna, como recebeu títulos
(Conde e depois Marquês de Castelo Rodrigo) e importantes cargos (vice-rei e
capitão-geral de Portugal). Era descendente de uma figura enigmática que fugiu
para Castela no tempo de D. João II: Condessa de Caminha- Teresa de
Távora - filha de Alvaro Pires de Tavora, 2º. Senhor de
Mogadouro.
Cristovão Moura procurou também ligar a sua
linhagem às casas que em 1483-1484 tinham conspirado ou se haviam afastado de D.
João II: Tentúgal (Alvaro de Bragança) e Vila Real (Marques de Vila Real) e aos
Corte Reais, que entretanto se haviam ligado aos Moniz.
(6) El Memorial Portugues de
1494. Una Alternativa al Tratado de Tordesillas. Prefácio. transcrição, e
notas de István Szászdi Léon-Borja. Madrid. Testimonio Compañia Editorial.
1994
Szászdi Léon-Borja que
descobriu e editou o documento de um portugues exilado em Espanha, no seu estudo
introdutório, conclui que o seu autor, estava justamente a denunciar aos reis
católicos o logro a que Colombo os estava a conduzir. A India que afirmava ter
descoberto, não passavam de ilhas que os portugueses já conheciam muito
bem.
D. João II não se opôs a
esta "descoberta", muito contrário, incentivou-a. O seu objectivo era
afastar os espanhóis da Guiné e da rota da India.
(7) León-Borja, István
Szászdi - El Origen de la armada de Vizcaya e el Tratado de las Alcáçovas, in,....
(8) Hernando Colón afirma que se
tratou de uma "fuga", em finais de 1484. Neste ano ocorre uma nova conspiração contra D. João II, dirigida pelo Duque de
Viseu-Beja, a cuja casa pertencia a família da esposa de Colombo. Não é de
excluir a hipótese, como dissemos, que o próprio estivesse ligado a este grupo de conspiradores
que tentarem matar o rei.
Não
é de excluir também a hipótese que os conspiradores que conseguiram fugir,
tenham procurado vender
a Espanha um segredo de Portugal - a existência de terras a Ocidente -, pagando
dessa forma o acolhimento que receberam dos reis católicos.
Contudo,
D. João II
com o tempo apercebeu-se que este projecto interessava também a Portugal, porque
afastava os estrangeiros do caminho que estava a seguir para atingir a India.
Por esta razão o perdoou (1488) e apoiou financeiramente a 1ª. viagem. Colombo
de traidor passou a colaborador. Esta hipótese explicativa permite perceber
a razão porque os nobres portugueses o apoiaram desde o inicio, assim
como a razão porque D. João II o trata por "especial amigo", e a
duplicidade que passou a assumir na sua vida, etc.
(9) Não
é de excluir a hipótese de D. João II, perante a perspectiva de estar perto
do Oceano Indico, em 1484, tenha começado a pôr em prática um plano de desviar os espanhóis
da rota da India, oferecendo-lhes através de Colombo as Indias a Ocidente. Neste sentido
este teria sido enviado para Castela princípios de
1485,
onde contou com uma eficaz rede de espiões (2), como João Peres de Marchena (Português).
Bartolomeu
Marchione, negreiro estabelecido em Lisboa, a mando do rei enviou para Castela
os seus agentes e deu a indispensável cobertura financeira.
(10) Dominguez, Francisco Contente, ob.cit., pp. 6-8
(11) Godinho, Vitorino Magalhães - Os
Descobrimentos e a Economia Mundial. Vol. I, Lisboa. 1963. p.46- 47 e 50.
(12) Godinho, Vitorino Magalhães - A Expansão
Quatrocentista ...2ª. edição. p.187
(13) Os nobres portugueses exilados em Castela
que apoiavam Colombo, nunca aceitaram a partilha do mundo acordado no Tratado de
Alcáçovas, porque o mesmo os afastava de importantes fontes de rendimentos
ultramarinos a que as suas casas em Portugal estiveram envolvidas na descoberta
e defesa. Uma situação que provocou constantes desconfianças entre os dois
reinos.
(14) Çurita, Geronymo - Historia del Rey don
Hernando el Catholico. De las empresas... Libro II, cap. XIII
(15) Oliveira e Costa, João Paulo - D. Afonso V e
o Atlântico: a Base do Projecto Expansionista de D. João II, p.52, in, III
Simpósio de História Marítima. D. João II, o Mar e o Universalismo Lusíada. 11 a
13 de Outubro de 1995. Academia de Marinha. Lisboa. 2000
(16) No Tratado de Tordesilhas (7/6/1494), as
pescarias a sul do Bojador são de novo consagradas como exclusivamente de
Portugal, sendo no entanto estabelecida uma clausula de 3 anos. Todas as
violações espanholas foram prontamente denunciadas por D. João III. A verdade é
que passaram os três anos, e os reis católicos decidiram continuar a aceitar o
exclusivo de Portugal, porque precisavam do seu apoio para combaterem a
pirataria nas Indias.
(17) Levy Maria Jordão - Bullarium Patronatus
Portugalliae Regum in Ecclesiis Africae, Asiae atque Oceaniae, Tomo I
(1171-1600), Lisboa. IN/CM.1868, pp.56-57
(18) Sanchez, Angel Rodriguez - Carlos V y
Portugal, in, Primeiras Jornadas de História Moderna ... |