28. Defensor de Portugueses
Nos 21 anos que Colombo viveu em
Espanha, são muitos os exemplos em que deliberadamente defende portugueses. O
contraste é brutal com a forma como se comporta perante os espanhóis e os
italianos, mas a história desta posição começa muito antes.
Arzila (Marrocos). Torre da
fortaleza portuguesa (século XV).
a ) Libertação de Ceuta
D. Afonso V, no final do mês de
Maio de 1475, resolve invadir Castela para reclamar o trono para Dona Joana,
a Excelente Senhora ou a Beltraneja para os castelhanos. Declara-se então uma
guerra entre o rei português e os reis católicos, que só terminará com o Tratado
de Alcaçovas-Toledo (1479/80). A guerra faz-se tanto em terra, como no mar.
Os castelhanos aproveitam-se da sua
posição estratégica e fornecem armas e auxilio militar aos mouros do Norte de
África para atacarem as fortalezas portuguesas. Ceuta, em Maio de 1476, sofre
então um terrível cerco, mas são repelidos.
O Duque de Medina Sidónia, a 7 de
Agosto de 1476, obriga uma força militar de Gibraltar composta por cerca de
5.000 atacantes a cercarem Ceuta. Cristovão Colombo nesta altura navegava com
os célebres corsários - Colombo, o Velho
(Pedro João Colão) e Pedro de Ataíde -, deu
preciosa ajuda na expulsão dos agressores e libertação da cidade Após esta
vitoriosa acção, dirigem-se para Lagos, ao encontro de D. Afonso V (fins de
Agosto), para lhe darem noticias do sucedido ( 4 ).
Enquanto D. Afonso V se dirigiu para
França - Colombo, o velho, Pedro de Ataíde e Cristovão Colombo -,
resolvem atacar quatro navios genoveses e um flamengo que haviam saído do porto
de Cádiz e que se dirigiam para a Flandres.
Colombo, o velho ataca o navio de
Nicoló Spínola. Pedro de Ataíde, ao comando da nau Lopiana, ataca o
Scuarcifica de Terrano Scherciafico. O navio que Colombo atacou é
desconhecido. Sabemos apenas que foram sete os navios que se incendiaram: quatro
dos agressores e três dos agredidos.
Tratou-se de um ato de guerra contra
os castelhanos e genoveses (aliados do franceses), destinado particularmente a
estrangular o comércio marítimo deste porto da Andaluzia.
Como é sabido, foi nesta acção
patriótica de ataque a navios que saíam de porto castelhano que Cristovão
Colombo naufragou.
Não era a primeira vez que Cristovão Colombo
atacava os castelhanos e aragoneses.
É com grande orgulho, como veremos,
que refere que no Outono de 1472, ao serviço de Renato de Anjou, foi a
Tunes para a apresar a galera aragonesa - Fernandina.
Coerente com esta posição, escolhe para o
acompanhar na sua primeira viagem era um corsário andaluz -
Vicente Yáñes Pinzón- que, em
1477, andou a atacar e roubar
as costas da Catalunha (5).
Esta atividade de corsários dos
Pinzon contra o reino de Aragão, coincide com o período em que Portugal estava
em guerra com Castela e Aragão (1475-1479). Apenas cessaram os ataques quando
ocorreram as pazes entre este reinos (Tratado de Alcaçovas-Toledo, 1479/80).
b) Contra o Ataque a Navios Portugueses
Após ter chegado a Espanha vindo das
Indias, em Março de 1493, teve conhecimento
que D. João II preparava uma esquadra para enviar às ilhas que havia
"descoberto". Pouco depois é informado que da Ilha da Madeira partira uma
caravela com idêntico destino. O rei português informa os reis espanhóis, em
Agosto de 1493, a caravela não é sua, mas que enviara três outras na sua
perseguição.
Os reis espanhóis andavam inquietos
com as movimentações dos portugueses. O capitão da esquadra espanhola (armada de
Vizcaya, sediada em Cádiz - Iñigo de Arieta -, resolve passar ao ataque e
aprisiona navios portugueses que transportavam "Judeus de Portugal á allende",
isto é, crianças judias foram enviadas para povoar a Ilha de São Tomé.
A sua atitude foi a oposta ao que se
podia esperar. O ataque contra navios portugueses deixou-o furioso, repreende o
capitão espanhol, e de imediato escreve aos reis espanhóis exigindo-lhes medidas
contra o mesmo. Estes escrevem-lhe a 18/8/1493, manifestando-lhe também a sua
desaprovação. No próprio dia escrevem a Juan da Fonseca, desvinculando-se da
acção, e afirmando que só nas Indias espanholas os navios portugueses podiam ser
aprisionados (3).
Este e muitos outros episódios,
nunca estudados, revelam a enorme cumplicidade que tinham com os portugueses e a
defesa dos seus interesses.
c ) Apoio às Conquistas de Portugal
em Marrocos
Colombo, em 1502, estava há muito
descontente com o rumo que as coisas haviam tomado nas Indias. Os espanhóis
transformaram as explorações marítimas numa barbárie cometendo um verdadeiro
genocídio dos indios. Esqueceram-se de Cristo.
Antes de partir para a sua
derradeira viagem, neste ano, confiou ao padre Gaspar Garricio o manuscrito do
Libro de las Profecias,
onde expõe a dimensão divina da acção dos cristãos no mundo. A sua origem e
formação ideológica em Portugal que falava mais alto.
Aquando da sua partida para a última
viagem às Indias, D.Manuel I, rei de Portugal, tinha em curso uma poderosa acção
de conquista da costa sul de Marrocos, iniciada pouco depois da partida de Pedro
Alvares Cabral para oficializar a descoberta do Brasil (Março de 1500). D.
Manuel chegou a planear duas grandes acções militares (1501 e 1503) sob o seu
comando, mas que tiveram a desde logo a oposição dos reis católicos (espanhóis)
(5). A verdade é que entre 1501 e 1515 foram sistemáticas acções militares dos
portugueses em Marrocos, mobilizando muitos milhares homens.
Tenhamos presente as seguintes
acções militares: Jorge de Melo (6), em 1502, desembarca no porto de Al-Brija,
onde será construída a monumental fortaleza de Mazagão (Mazighan, Mazagan);
Em 1505, o entreposto de Massa (tomado em 1497) dá origem a Santa Cruz do
Cabo de Guir (Agadir); Em 1506, a fortaleza de Mogador é
totalmente reconstruída; Em 1508, é tomada Safim (Safi, Çafim) e cinco
anos depois Azamor é conquistada por D. Jaime, Duque Bragança. Em Outubro
de 1514, as tropas portuguesas chegam às portas de Marráquexe, feito que
repetirão no ano seguinte.
É neste contexto de conquistas
portuguesas em Marrocos, a que se opõem os reis de Espanha, que se irá inserir o
apoio dado por Colombo aos reis de Portugal.
Arzila: Portugueses em Perigo
"Cómo
el Almirante salió de Granada para ir a Sevilla y hacer la armada necesaria para
su descubrimiento.
Y bien despachado el Almirante por los Reyes Católicos, salió de la ciudad de
Granada para la de Sevilla el año de 1501, y luego que llegó dispuso con tanta
diligencia la armada que en breve tiempo se aprestaron, con armas y vituallas,
cuatro navíos de gavia de 70 toneladas de porte el mayor y el menor de 50, con
140 hombres entre grandes y pequeños, de los que yo era uno. El 9 de Mayo de
1502 nos hicimos a la vela en el puerto de Cádiz y fuimos a Santa Catalina,
desde donde partimos el miércoles, 11, y al segundo día, fuimos a Arcila, para
socorrer a los portugueses que se decía estar muy apretados; pero, cuando
llegamos, ya los moros habían levantado el sitio; por lo que el Almirante envió
al Adelantado D. Bartolomé Colón, su hermano, y a mí, con los capitanes de los
navíos, a tierra, para visitar al capitán de Arcila, que habían herido los
moros en un asalto. El cual dio muchas gracias al Almirante por esta visita
y por las ofertas que le hacía; a cuyo efecto, le envió ciertos caballeros
que tenía consigo, algunos de los cuales eran parientes de doña Felipa Moñiz,
mujer que fue, como ya dijimos, del Almirante en Portugal.", Hernando Colón,
ob.cit. , cap.LXXXVIII.
9 de Maio de 1502. Relata o
seu filho Hernando Colón - testemunha directa dos factos acima descritos - que
o seu pai quando saiu do porto de Cadiz com 4 navios e 140 homens, dirigiu-se na
direcção de Santa Catalina. No dia 11 em vez de se dirigir para as América
(Antilhas) tomou o rumo da fortaleza portuguesa de Arzila, nas costas de
África.
Qual o seu objectivo ? - Socorrer os
portugueses que estavam a ser atacados pelos mouros, colocando desta forma em
perigo a segurança da armada espanhola. Sabemos através de correspondência com o
padre Garricio que adiara a partida para se armar melhor.
12 de Maio de 1502. A armada
de Colombo chega a Arzila. O seu auxílio não foi necessário, os mouros já haviam
levantado o cerco. Colombo envia à cidade o seu irmão (Bartolomeu Colón ) e o
seu filho (Hernando Colón) e os capitães dos navios para visitarem o capitão
português - João de Meneses
( 1 ) que durante o assalto havia sido ferido pelos mouros . Sabemos que
foi ferido por uma lança de arremesso que lhe passou um coxete - a armadura que
cobria cada uma das coxas (7).
Hernando Colón faz questão de
afirmar que Colombo era conhecido dos portugueses que estavam na fortaleza,
tendo o capitão de Arzila mandado ao seu encontro alguns cavaleiros que eram
parentes de " doña Felipa Moñiz, mujer que fue, como ya dijimos, del
Almirante en Portugal".
Quem seriam estes parentes de Filipa
Moniz Perestrelo que, em 1502, estavam em Arzila?
Não é fácil identificá-los. A nossa
principal fonte é a Crónica de D. Manuel I, de Damião de Góis, que
destaca vários portugueses que se distinguiram entre 1502 e 1505 na guerra em
Arzila, sob o comando do capitão João de Meneses. No cerco do rei de Fez
em 1502, referido por Hernando Colon, sabemos que morreram e ficaram feridos
vários portugueses.
Entre os que morreram menciona "Pero
Leitam", filho bastardo do adail Pero Leitam (Pero Leitão), para além
de Marques Hungaro.
Damião de Góis destaca neste
combate, os seguintes nomes: D. Bernardim de Almeida e D. Pedro
de Almeida, filhos do 2º. Conde de Abrantes; Pero Moniz da Silva; Rui de
Sousa; Gonçalo Mendez Sacoto ou Caçoto; João Vasco Gonçalves; Sancho Vasco
Gonçalves; João de Figueiredo e George Vaz de Novaes. Também nos
informa que o fronteiro de Arzila era Tristão Vogado de Alenquer,
e Estevão Coelho, o alcaide-mor.
Tudo indica que também participaram
neste combate de 1502, entre outros: D. João Coutinho, que depois foi
Conde do Redondo (filho de Vasco Meneses Coutinho); D. Duarte de Meneses,
filho do Conde Tarouca; D. João Ladrão, filho do Conde de Castanhede;
António Alvarez Vaquinha; Rui Cotrim de Castanhede; Francisco do
Soveral, D. Jorge de Castro (filho de D. Alvaro de Castro, 1º. Conde
de Monsanto), Diogo Pereira, D. Afonso de Ataíde; Francisco
Pereira Pestana e Alvaro Barreto.
Entre os combatentes destaca-se o
primo de Filipa Moniz Perestrelo - Pero Moniz da Silva (10), cujo pai foi
o tutor da esposa de Colombo. Mais
Dois factos devem também ser
assinalados sobre os capitães de Arzila:
a)
Vasco Meneses Coutinho
( 1450 ? -1522), Conde de Borba (1486-1500) e depois 1500 Conde do Redondo. A
capitania da praça de Arzila foi-lhe atribuída, em 1490, a título hereditário
por D. João II, tendo exercido o cargo até 1514, mas não de forma ininterrupta.
Em 1495 foi substituído pelo seu sobrinho Rodrigo Coutinho, que morreu
pouco depois na guerra contra os mouros. O irmão da sua esposa - João de
Meneses, substituiu-o entre 1496 e 1498. A segunda vez será entre 1502 e
1505.
Entre 1501 e 1502 foi substituído
pelos seu filho - João Coutinho -, mas a 9/1/1502, por ordem de D. Manuel
I a capitania foi entregue ao seu cunhado - João de Meneses que ocupou o
cargo até fins de 1505 (9) . Esta substituição ficou a dever-se ao aumento da
conflitualidade com os mouros, entre 1502 e 1503, e à pouca idade do seu filho
para assegurar este importante posto de guerra.
A condessa de Borba - Catarina da
Silva, filha de João de Meneses, senhor de Cantanhede, até 1514 nunca
abandonou Arzila.
Vasco Coutinho, como vimos, em
1484 colocou-se ao lado D. João II, denunciando os conspiradores que queriam
matar o rei (8). Uma conspiração que aparentemente terá levado Colombo a fugir
de Portugal. Estamos perante um sinal claro da posição de Colombo
durante a conjura ? Mais
b) João de Meneses.
Capitão de Arzila, como dissemos,
entre 9 de janeiro de 1502 e 1505, tinha uma larga experiência nas guerras de
África.
A sua missão era relançar a guerra
contra os mouros e da mesma logo se ocupou assim que chegou a Marrocos com
notável êxito. Em resposta o Rei de Fez começou por atacar Tanger, não o
tendo conseguido tomar a praça virou-se para Arzila. Foi numa aventurosa
investida que João de Meneses acabou ferido, como já foi referido.
Importa salientar que João de
Meneses foi o
guarda-mor do
príncipe Afonso, filho de D. João II, sendo também a única testemunha do
acidente que o vitimou o príncipe em Alfange de Santarém, no dia 13 de Julho de
1491. Foi a morte deste príncipe que permitiu a ascensão de D. Manuel, Duque de
Beja e Mestre da Ordem de Cristo, ao trono de Portugal.
Mais
Colombo não se limita a prestar
auxílio, deixou na fortaleza mantimentos para os portugueses. Tantas
foram as "ofertas" que a armada teve que se reabastecida nas Canárias.
Para evitar ser acusado de estar a
usar dinheiro do Estado Espanhol para financiar os portugueses, o
reabastecimento da armada foi custeado por Beatriz de Bobadilho, parente
e protectora de Colombo em Espanha.
Esta acção foi realizada à revelia
dos reis de Espanha, e mantida em segredo, o que ilustra claramente os laços que
uniam o navegador a Portugal. Na hora de decidir Colombo nunca hesita nas suas
escolhas.
O facto mais significativo é todavia
o silêncio dos cronistas e historiadores portugueses sobre esta visita de
Colombo a Arzila. Não encontramos até ao momento a mais pequena alusão.
Safim
Na sua terceira viagem às Indias,
Colombo revelou-se uma personalidade particularmente sanguinária para com os
espanhóis, realizando execuções sumárias. Nos inquéritos que foram realizados
algumas perguntas revelam as suas preocupações profundas.
No Inquérito que Colombo ordenou que
fosse feito a Hojeda (Março de 1500), uma das perguntas obrigatórias era
a de saber se o mesmo teria vendido pólvora aos mouros de Safim (2). Algo
que justificava a sua condenação à pena capital.
Porquê esta questão ? Safim era
uma cidade do norte de África, mas onde os portugueses tinham uma feitoria. Há
muito que tinham com objectivo conquistar a cidade.
A Espanha opunha-se a esta intenção,
pois Portugal dessa forma aproximava da costa africana fronteira das Ilhas
Canárias. Nesse sentido fazia jogo duplo e apoiava os mouros. Colombo, servindo
os interesses portugueses, perseguia os espanhóis que o faziam.
Durante o reinado de D. João II, em
1488, os portugueses tinham aberto uma feitoria em Safim. Diogo de
Azambuja, o grande construtor do castelo de São Jorge da Mina (1482)
recebeu instruções para fortificar a feitoria de modo a controlar a cidade
(1507).
De acordo com o planeado, os
portugueses comandados por Nuno Fernandes de Ataide, em 1508, tomam
Safim. O primeiro capitão foi Diogo de Azambuja (1508-1510), tendo-lhe seguido
Nuno Fernandes de Ataide, de 1510 a Maio de 1516, quando foi morto com outros
heróicos cavaleiros numa investida dos mouros.
Não deixa de ser curiosa verificar
que Colombo esteve com Diogo de Azambuja na Mina (1481/82), estava em Lisboa em
1488, e no regresso da sua primeira viagem às Indias (1493) foi à Azambuja.
Meras coincidências ?
d
) Contraste
É surpreendente o contraste da
atitude Colombo em relação à fortaleza portuguesa de Arzila (1502), onde faz
questão de ser o primeiro a socorrê-la e a que tomara anos antes quando a ilha
espanhola de Gomera foi atacada por piratas.
Na sua terceira viagem ao Novo
Mundo, vindo da Ilha da Madeira Colombo chegou a 19 de Junho de 1498 ao porto de
San Sebastían de Gomera com uma esquadra de seis navios. Um navio de piratas
franceses havia tomado no porto dois navios espanhóis. Assustados com a presença
de seis navios os piratas fugiram deixando para trás um dos navios espanhóis
ainda com 4 piratas franceses.
A resposta de Colombo foi demasiado
lenta. O seu filho Fernando Colon, na sua biografia, dá conta da forma
despreocupada como a questão foi vista. Na verdade só depois de ser devidamente
informado sobre as intenções dos franceses é que resolveu tomar a decisão de
enviar três navios contra os piratas. Estes tiveram tempo mais do que suficiente
para fugir.
Os piratas que ficaram só foram
aprisionados porque os espanhóis (em maioria) se revoltaram no navio
aprisionado. Em vez de os castigar aceitou de imediato e de "boa vontade" a
proposta para os entregar afim de mais tarde serem trocados. Nas descrições
deste episódio não que a mais pequena alusão a uma acção de defesa dos
espanhóis.
Apesar de constatar que os mares se
encontravam cheios de piratas, não se coibiu de dividir a armada: três navios
foram enviados para La Hispaniola, e outros três sob o seu comando dirigiram-se
para as ilhas portuguesas de Cabo Verde.
Carlos
Fontes. .
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