O contexto político em que
decorre a missão de Colombo entre 1484 e 1495 alterou-se subitamente. A subida
ao trono de D. Manuel, em fins de 1495, implicou um profundo processo de reescrita da
história recente de Portugal e ocultação do passado de muitos dos seus
protagonistas.
O melhor exemplo desta
mudança está na forma como passou a ser tratado em Portugal: D. João II, em
1488, chama-lhe "Colom", mas os cronistas do século XVI, como Rui de
Pina, dão-lhe o nome de "Colombo", para que o mesmo fosse associado
à Itália.
a ) D. Manuel
D. Manuel I, que
ascendeu ao trono 27 de Outubro de 1495, tinha ideias próprias em relação à Espanha.
Não procurava apenas afastá-la dos seus territórios, através de Tratados ou
alianças matrimoniais, como o fizera D. João II, mas também procurou
apoderar-se do reino vizinho.
Entre as
primeiras medidas que tomou, logo após ter sido coroado rei de Portugal, foi a
de chamar todos os nobres que havia estado envolvidos nas conspirações de 1483
e 1484, devolvendo-lhes os bens confiscados.
Em simultâneo,
preparou o ataque o trono de Espanha, que lhe garantia também a segurança da
expedição para a India.
Alvaro de
Bragança, radicado em Espanha é encarregado de negociar o seu casamento com a
infanta castelhana - Isabel -, viúva do principe D. Afonso, e segunda na
linha de sucessão do trono de Espanha.
Em 1496, uma
embaixada espanhola, chefiada por Afonso da Silva (de origem portuguesa),
oferece-lhe a Infanta D.Maria. O rei português insiste na infanta Isabel. Em Novembro
de 1496, na cidade de Burgos, Alvaro de Bragança (por D.Manuel) e o
Arcebispo de Toledo (pelos reis espanhóis) estabelecem um contrato nupcial, que
é uma verdadeira aliança política.
O contrato possui
todavia uma exigência terrível dos reis espanhóis: a expulsão
dos judeus de Portugal (2). Uma exigência a que D. Manuel I se
apresta formalmente a aceitar.
1. Fidelidade ou manha ?
A ascensão de D.Manuel I ao trono
deixa confiante os reis de Espanha, que finalmente passavam a controlar
Portugal. A aceitação da expulsão dos judeus parece ser um sinal claro desta
submissão.
A Espanha sente que poderá
finalmente se apossar dos territórios ultramarinos de Portugal. O Tratado de Tordesilhas, em 1497, uma
vez que não fora denunciado pelas partes durante três anos passava a definitivo.
É neste contexto que o submisso
rei de Portugal, toma duas decisões fundamentais para a expansão marítima:
- Vasco da Gama, a 8 de
Julho de 1497, parte para a India. D.Manuel I toma esta decisão
contrariando a posição
dos que afirmavam que
Portugal não tinha meios para fazer frente à concorrência de outros reinos
europeus, nomeadamente dos espanhóis.
- Duarte Pacheco Pereira, no
princípio de 1498, recebe ordens para explorar todas as terras a Ocidente, ao
longo da linha do Tratado de Tordesilhas. D. Manuel I pretende saber quais
as terras que pertenciam de facto a Portugal. Na sequência desta expedição (re)
descobre o Brasil dois anos antes de Pedro Alvares Cabral.
Os espanhóis ficaram inquietos e
iniciam uma fase de contestação destas iniciativas régias portuguesas, de que o
Memorial de la Mejorada, pedido a Colombo, em Julho de 1497, é disso o
primeiro exemplo.
A fim de
apaziguar os espanhóis. Em Outubro de 1497, D. Manuel I, casa-se com a Infanta
Isabel.
Acontece que neste mesmo mês
de 1497, morre o principe espanhol herdeiro do trono. A sua
saúde era desde há muito reconhecidamente débil, minado por várias doenças
que lhe atacavam a medula e o estomago. Em virtude deste facto, D. Manuel
I, ascende à posição de primeiro herdeiro. A 28 de Abril, no ano
seguinte, na catedral de Toledo é jurado herdeiro do trono de Espanha.
2. Posição de
Colombo
A situação de
Colombo em Espanha altera-se quando Vasco da Gama parte para a India, mas
agrava-se de forma brutal quando regressa a Portugal (1499). Os
reis espanhóis passam a ter a plena consciência que foram enganados.
A missão de Colombo tornou-se um problema para os interesses de
D. Manuel I, pois mostrava aos espanhóis que não podiam confiar nos portugueses.
A questão da confiança mútua tinha sido objecto de discussão no acordo de
casamento de Novembro de 1496.
Após o regresso
de Vasco da Gama, tornou-se evidente que os portugueses haviam enganado de forma habilidosa
e sistemática os reis espanhóis afastando-os do
verdadeiro caminho para a India. Esta questão era discutida desde a sua 2ª. Viagem, acumulando-se
provas que o engano fora premeditado.
Em 1500 Colombo é preso.
A D. Manuel I,
assim como a Casa de Bragança, só lhes restava empenharam-se em ocultar traições antigas,
fazendo desaparecer provas das conspirações de 1483 e 1484, assim como a
memória dos seus conspiradores.
A
estratégia de identificar Colombo como italiano, não era nova, colocou-se antes de 1492,
como um modo de afastar possíveis suspeitas sobre as suas reais intenções em
Castela. A ideia foi assumir
como suas, as raízes italianas da sua
esposa - Filipa Moniz Perestrelo, cujo avô - Filipe Perestrelo
-, por volta de 1380 se mudou de Piacenza para Lisboa. Mais.
As ligações de Colombo
ao judeus também não agradavam a D. Manuel I, que mal chegou ao trono adoptou uma
estratégia de expulsão, ocultação e integração forçada dos judeus (1497), num contexto
político-social marcado por crescentes manifestações de intolerância
contra os judeus. Recorde-se que em 1506 ocorreu na cidade
de Lisboa, uma verdadeira chacina de judeus: 4 mil são mortos. Colombo morre neste ano em
Valhadolide.
3. Intervenção de Isabel de Portugal
Depois da morte de Colombo, em 1506, reacenderam-se as antigas acusações de
traição. Dois anos depois foram abertos uma série de processos judiciais entre a Corte
Espanhola e a família de Colombo.
Durante quase 30 anos os seus descendentes,
por mais subornos que fizessem, não conseguiram provar que o mesmo não era
português, nem que não enganara deliberadamente os espanhóis conduzindo-os
para uma falsa India. Era de todo o interesse de Portugal afastar esta suspeita,
continuando a insistir que o mesmo era italiano. A questão nunca foi clarificada em tribunal, terminando o processo
através de uma acordo judicial, em 1536, quando a família de Colombo cedeu grande parte
dos seus privilégios. O acordo foi celebrado por uma portuguesa.
D. Manuel I,
deixou num anexo ao seu Testamento, em
1521, uma tarefa precisa para o seu filho sucessor D. João III: casar a Infante D.
Isabel com Carlos V, imperador da Alemanha e de Espanha.
O casamento deu-se em
1526. No ano seguinte já a Infanta portuguesa assumia o governo de Espanha na
ausência do marido, e continuou a fazê-lo durante vários anos até 1539,
quando faleceu em trabalhos de parto.
As questões que
atormentava a família de Colombo, assim como a corte portuguesa foram por ela
resolvidas. Não apenas garantiu importantes rendimentos aos descendentes de
Colombo, como criou o Ducado de Véragua e o Marquesado da Jamaica, fazendo
desaparecer neste período muito documentação incómoda. Mais
A filha de D. Manuel
I cumpria a parte que lhe competia no plano de ocultação da identidade de
Colombo.
Os cronistas
oficiais, ao serviço do rei, a partir do século XVI, começam a tratar Cristoval Colom por
"Colombo", adoptando o nome italiano, assim como a história
fantasiosa que entretanto fora produzida sobre este navegador (Rui de Pina),
pondo em marcha um novo logro.
b
) Regresso e Ocultação
Após
a morte de D. João II por envenenamento, em 1495, D. Manuel I irá procurar
criar as condições para o regresso a Portugal destes conspiradores (1497).
O
encontro de Colombo, a 11 de Março de 1493, com D. Leonor, D.Manuel e o Marques
de Vila Real são proibidos de
serem referidos. Não fosse o Diário de Bordo de Colombo jamais saberíamos da
sua ocorrência.
Começa então uma acção sistemática de ocultação dos acontecimentos e dos
conspiradores de 1492 a 1494. Os cronistas do reino, como veremos, serão
censurados.
Damião de Góis,
como veremos, pagou no século XVI com a própria vida, o
facto de ter procurado levantar o véu desta traição e dos vários implicados.
Os
títulos de Condes de Penamacor, Condes de Faro (o título será retomado pelos
Filipes), Marqueses de Montemor-o-Novo, ligados a nobres envolvido na conspiração
deixaram de ser atribuídos. O próprio título de Duque de Viseu, D. Manuel I
apenas o concedeu à sua filha Dona Maria (1521-1577), mas sem continuidade. O
mestrado da Ordem de Cristo ficou na Corte, dando D. Manuel I instruções
precisas a D. João III que nunca o concedesse.
A
principal preocupação foi em ocultar tudo o que dissesse respeito à Casa de
Bragança, e aos nobres que fugiram para Espanha em 1483 e 1484. Três
exemplos.
1
) Lopo de Albuquerque, Conde de Penamacor, é dado como morto a 8 de Maio
de 1493, na altura que Colombo era recebido pelos reis católicos em Barcelona,
no seu regresso das Indias. Acontece que dois anos depois, alguém com o seu
nome e intitulando-se Conde de Penamacor, exerce as funções de corregedor de
Baeza -Ubeda. Os cronistas de Portugal - Garcia de Resende e Ruy de Pina -
afirmam que mesmo morreu em 1493. O embuste é total, mas não é o único. Mais
2
) Pedro de Albuquerque, Almirante. Irmão do Conde de Penamacor. Participou também
na conspiração de 1484. Os cronista do tempo, como Rui de Pina, Garcia de
Resende e outros descrevem com enorme detalhe a forma como foi decapitado. Em
1492, um "Almirante português", não identificado consta da lista do
que eram abonados por Isabel, a Católica, a lado de outros nobres portugueses
exilados. Trata-se de Pedro de Albuquerque ou do próprio Colombo, uma vez mais
identificado como português ? Mais
3
) Jaime de Bragança (1479 -1532), filho do 3.º duque, D. Fernando II foi um
dos nobres que regressou a Portugal (1497). Por morte do seu irmão D.Filipe
herdou o título de Duque de Bragança ( 4º). D. Manuel nomeia-o fronteiro-mor
de todas as terras e restituí-lhe todos os títulos. É-lhe dada a vila de
Borba que D. João II tinha entregue a Vasco Menezes Coutinho, o
denunciante da conjura de 1484. Em
1498 é apontado como o herdeiro do trono de Portugal. Selando
o compromissos que haviam sido estabelecidos com os Duques de Medina Sidónia
com a Casa de Bragança, em 1502,
casou com Leonor de Mendonça, filha de D. João de Gusmão, 3.º duque de
Medina Sidónia e de D. Isabel de Velasco. Num acesso de ciúme matou Leonor,
a 2/11/1512, no Paço de Vila Viçosa.
A
traição de 1483/4 e a morte da Duquesa em 1512 mostravam os enormes as enormes
perturbações que ocorriam na Casa Real Portuguesa. Os cronistas oficiais foram
obrigados a ocultar estes factos de modo a não comprometerem a imagem da Casa
de Bragança.
c
) Mudanças em Angeja (Aveiro)
Os
Albuquerques de Angeja, enquanto senhores de Angeja, desaparecem no inicio do
reinado de D. Manuel I, sendo substituídos por os descendentes de Vasco
Martins Moniz ( ? - 1437), casado com Brites Pereira, pais de Isabel Moniz, que foi mãe de Filipa Moniz
Perestrelo, esposa de Colombo ( consultar ). Este ramo dos monizes do Algarve (Silves), migrou para a Madeira.
O
seu filho homónimo, casado com Aldonça Cabral, era comendador de Panóias (Ourique, Alentejo),
cavaleiro da Ordem de
Santiago e Mordomo-mor do Duque de Viseu - Diogo de Bragança - assassinado em
1484 (5). O filho deste último - Jorge Moniz -, era alcaide-mor de Mourão, guarda-mor de D.Manuel I,
tendo-se casado com a filha de
Fernão Roiz, amo do infante de D. Fernando.
No final do século XV, o filho de Jorge Moniz - Diogo
Moniz - torna-se senhor de Angeja, casando-se em 2ª. núpcias com a filha de Affaitati, um
dos banqueiros com ligações à família de Colombo... Uma das suas filhas casa-se, por sua vez, com Brás Henriques (dos
Alcaçovas), familia à qual se ligou outros dos albuquerques de Angeja -
Henrique de Albuquerque - desaparecido depois da conspiração de 1484.
Assistimos
a total controlo das famílias directamente envolvidas na conspiração, por
pessoas ligadas à Casa de Bragança. Nenhuma fuga da informação é permitida.
d ) Rui de Pina
- Cúmplice, Censor e Vitima de Censura
Rui de Pina
(1440-1523) foi a primeira vítima deste processo de reescrever a História de
Colombo, e dos acontecimentos que rodearam a sua partida para Espanha em 1484,
em particular a conspiração
contra D. João II.
Ele era de todos os cronistas cronistas na altura o mais bem informado sobre
Colombo.
- Participara nas
negociações que se seguiram à assinatura do Tratado de Alcaçovas-Toledo
(1479/1480).
- Participara em
1493-1494 nas negociações que conduziram à
assinatura do Tratado de Tordesilhas (Junho de 1494).
- Conhecia a estratégia que
conduziu os espanhóis ao logro de pensarem que haviam, em 1492, chegado à
India.
- Conhecia a redes de
conspiradores portugueses que haviam participado na operação, como o frade João
Peres de Marchena ou D. Alvaro de Bragança. Sabia das ligações do Rei com Colombo, as suas relações
familiares e pessoais, mas também a dificil situação da sua família em
Espanha.
- Conhecia a rede dos aliados
portugueses em Espanha, como os Duques de Medina Sidónia ou os
Duques de Medinaceli.
- Não desconhecia certamente
que desde 1498 Colombo era visto como um traidor, e que desde 1516 se sucediam
os processos em Tribunal contra os seus descendentes, nos quais a Corte
espanhola procurava provar que o mesmo era português e que enganara deliberadamente
os espanhóis. Rui de Pina sabia disto tudo e
muito mais. Revelar verdadeira identidade de Colombo era condenar a família de
Colombo que, na altura, reforçara as suas ligações a Portugal, através do
casamento de uma sua neta com um nobre português parente dos Duques de
Bragança. Dizer a verdade significava trair todos aqueles que se mantiveram
fiéis a Portugal e pôr em risco o próprio país, pois no caso fora envolvida
a Casa Real de Bragança. Rui de Pina sabia disso.
- Sabia certamente que as suas
palavras poderiam ser decisivas como provas em Tribunal e as consequências daí
resultantes.
Crónica de D. João II
Por o saber uma
pessoa muito bem informada, D. Manuel I, nomeou-o a 24 de Junho de 1497,
cronista-mor do reino. A sua crónica mais aguardada era a
"Crónica do Príncipe D. João" (D. João II). Ele era uma
testemunha directa do acontecimentos. Terá começado a redigir a Crónica em
1518, tendo falecido em 1522 ou 1523.
A crónica que escreveu a mando de D. Manuel I foi alvo de uma
enorme censura. O manuscrito original desapareceu, subsistem três cópias da
época do século XVI possivelmente adulteradas em relação ao original. Para reforçar estas cautelas, a primeira edição da crónica só foi publicada
em 1792.
Contra o
"Plano da India"
Durante o reinado de
D. João II, muitos foram os que se opuseram o "Plano da India",
defendendo que Portugal devia limitar-se a explorar combater os mouros em
África, explorando as riquezas deste continente, nomeadamente ouro da Mina. A
India devia ficar para outros reinos cristãos.
Esta ideia parece
ter sido partilhada por Rui de Pina. Na Crónica de D.João II, como nota
Luís Fílipe Thomas ( 7), atribui particular relevo quer à construção de S.
Jorge da Mina quer à cristianização do Congo, mas não refere sequer as
viagens de Bartolomeu Dias, Pero da Covilhã e Afonso Paiva, cujo alvo era o
Indico.
O mesmo faz Garcia
de Resende, que terminou a sua Crónica, em 1533, referindo em brevissimas
palavras o feito de Bartolomeu Dias, que afiram ter sido realizado antes de
1486, como as expedições terrestres de Afonso Paiva e Pero da Covilhã. O erro
é injustificável. Gaspar Correia, que começou as Lendas da India, por volta
de 1515 ignora também o nome de Bartolomeu Dias, e atribui o feito a Janinfante
(8).
Os portugueses
envolvidos no Plano da India são ignorados ou censurados por estes cronistas.
Os únicos
contemporâneos que o assinalam o feito de Bartolomeu Dias foram Duarte Pacheco
Pereira, Bartolomeu Colombo e o próprio Colombo!
Traição ou
Cumplicidade?
O caso mais intrigante deste
cronista-mor data de 1492. Neste ano, concluiu uma Crónica do Congo, a
mando de D. João II. A 16/2/1490 recebera a incumbência de redigir os feitos
famosos do monarca e do reino, nomeadamente a célebre embaixada de Rui de Sousa
ao reino do Congo (1491). Rui de Pina, copiou a relação do piloto da armada e
ouviu testemunhas. A sua crónica era da maior importância, pois revelava
a existência de um importante reino africano muito receptivo às ideias
expansionistas do cristãos, assim como da penetração pelo interior de Africa
de espiões portugueses..
Acontece que o manuscrito de Rui
de Pina foi enviado para Florença. O original desapareceu em Portugal,
subsistindo apenas uma tradução italiana do final do século XV, que se
encontra na Biblioteca Ricardina de Florença (códice 1910) (6).
Porque razão este cronista nunca
mencionou o roubo ? Será que era um traidor ? Ou os florentinos também estavam
envolvidos na estratégia de D. João II de afastar os espanhóis de África, e
nesse sentido eram informados das descobertas e de tudo o que as mesmas
envolviam ?
e ) Garcia de Resende - A
Crónica Oficial
A Crónica de D. João II original de Rui de
Pina não terá agradado a D. Manuel (1469 - 1521), sendo a sua redacção dada a outro
cronista - Garcia de Resende (1470?-1536). Foi moço de escrivaninha de D. João II
e era muito estimado por D. Manuel. O seu pai - Francisco Resende - fora
criado de D. Garcia de Meneses, o bispo de Évora morto no cárcere por
conspirar contra D. João II.
Garcia de Resende "copiou" a
crónica de Rui de Pina, mas fez-lhe as alterações que as conveniências do Estado
obrigavam. A sua crónica foi publicada em 1545,
a de Rui de Pina só viu a
luz do dia 238 anos depois de ser escrita.
A Crónica de Garcia de Resende
passou a ser versão oficial sobre D. João II, as conspiração de 1483/84 e Colombo.
Os desvios deixaram de ser permitidos.
O parágrafo que refere Colombo como genovês é rigorosamente o mesmo que irá constar na versão de
Rui de Pina que, em teoria, teria sido escrita 27 anos antes. A construção das
frases e as palavras são as mesmas. Este facto prova que a versão
oficial foi imposta, sendo cronistas obrigados a segui-la. Tratava-se de uma questão de
Estado, era do interesse do país que a mentira fosse mantida.
Cronistas
Diferentes - Parágrafos Iguais, a mesma censura do Estado*
Garcia
de Resende:
No anno seguinte de mil e quatrocentos
e nouenta e tres, estando el Rey no lugar de Val de paraiso, que he
acima do mosteiro das virtudes, por causa das grandes pestes que nos
lugares principaes daquella comarca auia, a seis dias de Março veyo ter
a Restello em Lisboa Christouão Colombo, Italiano, que vinha do
descubrimento das ilhas de Cipango, e Antilhas, que per mandado del Rey
e da Raynha de Castella tinha descuberto. Das quaes trazia consigo as
mostras das gentes, e ouro, e outras cousas que nellas auia, e foy dellas feyto Almirante.
|
Rui
de Pina:
No anno seguinte de mil quatrocentos, e
noventa e tres, estando ElRey no lugar do Val do Paraiso, que he acima
do Moesteiro de Sancta Maria das Vertudes, por causa das grandes
pestenenças, que nos lugares principaes daquella Comarca avia, a seis
dias de Março arribou arrestello em Lixboa Christovam Colombo Italiano,
que vynha do descobrimento das Ilhas de Cipango, e d’Antilia, que per
mandado dos Reys de Castella tynha fecto, da qual terra trazia comsigo
as primeiras mostras da gente, o ouro, e algüas outras cousas que
nellas avia; e foy dellas intitolado Almirante.
|
*
Descoberta de Manuel da Silva Rosa
A grande diferença
nas crónicas de Garcia de Resende e Rui de Pina está na
forma como descrevem o re-encontro de Colombo
com o Rei, em 1493.
Na versão Garcia Resende, Colombo censura
D. João II por não ter aceite a sua proposta, obrigando-o a ter que ir para
Espanha ("e acusaua el Rey por se escusar deste descubrimento",
Cap.CLXV). Temos aqui implicita uma crítica às perseguições de D.
João II, em 1483 e 1484, levando a que muitos portugueses tivessem que pedir
protecção aos monarcas espanhóis, ficando ao seu serviço. D. Manuel, a partir
de 1497, irá apoiar o regresso destes nobres
acusados de traição.
Há todavia dois importantes
pormenores:
Ambos cometem um erro, ao afirmarem que Colombo chegou a Lisboa a 6
de Março de 1493, quando ele chegou no dia 4. Nenhum conseguiu inventar um
motivo credível para justificar a longa permanência de Colombo em Lisboa, e por
isso resolveram encurtá-la, evitando deste modo falarem outras questões que pudessem
levantar suspeitas.
Ambos omitem o importante
encontro entre Colombo e a Rainha Dona Leonor, D. Manuel e o Marques de Vila
Real a 11 de Março, no Convento de Santo António da Castanheira. O longo
encontro que aí ocorreu poderia levantar suspeitas sobre o papel desempenhado
pelos Duques de Viseu e Beja na "descoberta" da América. Mais
f ) João de
Barros e Las Casas
Foi com decepção
que Bartolomeu de Las Casas leu as "Décadas da Ásia"(Ásia
de Ioam de Barros, dos feitos que os Portuguezes fizeram na conquista e
descobrimento dos mares e terras do Oriente) de João de
Barros.
Ao contrário que esperava,
o cronista português na esteira de Garcia de Resende limitou-se a escrever "segundo o que
todos afirmam, este Cristóbal era de nação
genovesa" (Primeira
Década, cap.XI do Livro III, publicada
em 1552).
Pouco mais podia dizer João de
Barros. Não era ele padrinho de Jorge de Ataíde, bispo de Viseu, capelão-mor,
inquisidor-mor de Portugal? Não era o bispo de Viseu neto de um principais
conspiradores de 1484 - Alvaro de
Ataíde ? (11)
Os outros historiadores portugueses posteriores a Garcia Resende
e João de
Barros, quando à origem de Colombo limitaram-se a escrever:
"Diz-se que ...", "Afirmam que ...", ninguém se compromete
com o assunto. A posição oficial estava definida, bastando seguir o exemplo. No final do século XVI havia já cronistas portugueses
com uma versão totalmente romanceado sobre o caso.
Em Espanha o processo judicial pelo embuste de Colombo arrastou-se
até finais do século XVI, quando já não interessava a portugueses e espanhóis
levantar a questão da sua identidade. A política da "União Ibérica" assim o
requeria.
g ) Damião de Góis - A Nova
Vítima
Em meados do século XVI, tudo
aquilo que envolvia D. João II, a conspiração contra o rei em 1483/1484, as
relações entre os Duques de Bragança e os Duques de Medina Sidónia continua
a ser um assunto perigoso.
Damião de Góis (9) , genro de João
de Barros, em 1552, é
nomeado Cronista-Mor da Torre do Tombo, ficando encarregue de escrever a Crónica
do Rei D. Manuel. Este cronista teve a ousadia de pretender esclarecer os
acontecimento que rodearam a conspiração contra D. João II, envolvendo os
Duques de Bragança, mas também o assassinato da Duquesa de D. Leonor de Gusmão (Parente
dos Duques de Medina Sidónia) pelo seu marido D. Jaime (1512).
O seu censor foi o 2º. conde
de Tentúgal, Francisco de Melo, neto de D. Alvaro de Bragança, um dos
implicados na conspiração de 1483 e também grande amigo de Colombo
(10).
A Crónica acabou por
o conduzir aos cárceres da Inquisição. Disse o que não devia e teve que
se conformar com a versão oficial dos factos.
A Crónica foi publicada entre 1566 e
1567, mas os originais desapareceram. Apenas no
século XIX foram descobertos alguns fragmentos dos originais que comprovam que
muitas as partes da Crónica publicada foram adulteradas ou suprimidas por
razões de Estado (1):
- As referências à morte de D.
João II foram suprimidas, nomeadamente a suspeita de ter sido envenenado (cap.I,
fl. 2).
- Os
nomes e referências aos desterrados das traições de 1483 e 1484, nas quais
Colombo aparece envolvido, foram suprimidos ou adulterados (Cap.VIII).
Desapareceram entre outras, as linhas sobre as informações dos filhos do Duque
de Bragança que haviam fugido para Espanha (D. Jaime e D. Dinis) na mesma
altura que Colombo. Terão sido também acolhidos pelo Duque de Medina Sidónia
?
- O assassinato da Duquesa de
Bragança pelo marido (D. Jaime) foi suprimido.
A extensão completa destes
cortes e adulterações nunca as saberemos. O que eles revelam é que o assunto
não era pacífico. Damião de Góis estando à longos meses preso pela
Inquisição, apareceu morto a 30 de Janeiro de 1574. Terá sido afogado ou
queimado na sua casa em Alenquer.
h ) Rui de Pina -
Expurgado
A Crónica de Rui de Pina que foi publicada em 1792, foi possivelmente
feita sobre um texto adulterado no século XVI, num trabalho feito em
colaboração com Garcia de Resende, apesar disso
é fácil de detectar muitas mutilações. Dois exemplos:
- O escriba do Codex
632, manuscrito da
crónica existente na Biblioteca Nacional de Lisboa, revela alguma hesitação
quando tem que escrever "Colonbo" em vez de "Colon".
- A data da
conspiração, segundo Rui de Pina, foi a 28 de Agosto de 1484, o que não é
coincidente com a data registada por Nicolaus Von Popplau, que a testemunhou e que
regista ter ocorrido a 13 de Setembro (4).
Na altura em que
escreveu a Crónica, por volta de 1518/19, era acusado de heresia, tinha pois razões que sobra para não levantar mais problemas. Como cronista-mor a sua missão era colocar os "interesses
do Estado Português acima da "verdade" e foi isso que fez.
Não é de estranhar se tivesse "esquecido" do nome que D. João II tratava o seu espião em
Espanha (Cristoval Colon). Esqueceu-se também de registar muitas outras coisas importantes, como
a descoberta de Bartolomeu Dias (1488).
Como antes fizera, continuou a proteger a verdadeira identidade
de Colombo e a prolongar a mentira. Era do interesse do país que
o fizesse, o contrário seria uma traição àqueles que se envolveram na
missão.
O segredo estava
bem guardado de modo a proteger a família de Colombo e todos os aliados de
Portugal em Espanha.
i) A
Política do Sigílio
Estes factos nada
têm de extraordinário faziam parte do processo de actuação da corte
portuguesa em relação ás questões dos descobrimentos, onde imperava um
rígida política do sigílio estudada por Jaime Cortesão. Muitas
crónicas que sabemos da sua existência foram destruídas, a totalidade das
mesmas emendas ou mutiladas. As de Rui de Pina não foram uma excepção: A
Crónica de D. Duarte não se refere aos descobrimentos; A Crónica de D. Afonso
V, a questão é apenas referida num capítulo. A própria Crónica de D. João
II apenas aborda a questão em dois pequenos capítulos.
"Sobre as
explorações atlânticas, a ocidente do arquipélago dos açores, madeira e
cabo verde, realizadas desde o reinado de D. Afonso V e continuadas em tempo de
D.João II, nem uma palavra existe nas respectivas crónicas" , escreve
Jaime Cortesão (1).
Damião de Góis,
não apenas censurou Rui de Pina pelo que fez às crónicas do reino, mas
também se insurgiu contra a sua destruição, atribuindo este facto ao seu
"roubo".
A constatação
desta censura data do século XVI, e Rui de Pina é justamente apontado como um
dos principais censores.
João de Barros , acusa-o de ter emendado e
acrescentado coisas às crónicas de D. Duarte e D. Afonso V de Zurara (Década,
I, Liv. VII, cap.II).
Jaime
Cortesão, demonstrou que a própria Crónica da Guiné de Zurara foi mutilada,
sendo da mesma retirados os capítulos que diziam respeito à exploração das
Indias.
Carlos Fontes |