Carlos Fontes

 

 

     

Cristovão Colombo, Português ?

 

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Os Marqueses de Montemor-o-Novo e Cristovão Colombo

 

A Guiné no Caminho Marítimo para a India, Conspirações contra D. João II,

 Exilio em Sevilha e a Comunidade de "los caballeros Portugales"

 

 

I

 

 

Improvável Traidor

 

Nas duas conspirações contra D. João II (1483 e 1484), os cronistas do tempo destacam como um dos principais conspiradores a figura de D. João de Bragança, marquês de Montemor-o-Novo. Desde que D.João II foi entronizado (1481), o marquês manifestou desde logo uma atitude de aberta hostilidade ao novo rei.

 

Esta atitude era tanto mais estranha, quando sabemos que  João de Bragança (c.1430-30/4/1484), segundo filho varão de Fernando I, 2º duque de Bragança e de Joana de Castro, em 1481, tinha um longo historial de defesa dos interesses de Portugal, em diferentes cenários de guerra. 

 

Participou na conquista conquista de Alcácer-Ceguer (1452) e de Arzila (1471). Pouco antes desta conquista, foi incumbido pelo rei de perseguir o corsário inglês Phoccumbrix que assaltara 12 navios portugueses que vinham da Flandres.

 

D. Afonso V nomeou-o temporariamente governador da cidade de Tanger (28/8/1471), concedeu-lhe o título de Marquês de Montemor-o-Novo (1472),  fronteiro entre o Tejo e o Guadiana (1473), 6.º condestável de Portugal (25/4/1473),  Participou na batalha de Toro e acompanhou D. Afonso V na sua viagem a França. Mais

 

O que terá levado este e outros esforçados militares a pretenderem matar D. João II ?

 

Cristovão Colombo, como iremos ver, aponta uma razão pouco explorada para explicar as razões destas conspirações.

 

 

 

Razões das Conspirações contra D. João II

 

As duas teses:

 

a) Centralização do Estado

 

A esmagadora maioria dos historiadores afirma que a principal razão para as conspirações da Alta Nobreza contra D. João II, foi o processo de centralização do poder real, que implicou o fim de muitos privilégios e poderes que a nobreza possuía. D. João II pretendeu pôr combro a esta situação, "reorganizando a nobreza", o que traduziu na destruição das duas principais casas: a Casa de Bragança e a Casa de Beja-Viseu.

 

É neste contexto de centralização régia que se inscreve a própria extinção do marquesado de montemor-o-novo (10).

 

b ) Oposição à política da exclusividade dos mares

 

Cristovão Colombo, em 1498, coloca em evidência uma situação que temos que levar em conta: os elevados custos em vidas humanas que implicaram a política de expansão maritima e do mar fechado. O que o leva a falar d` "O Grande Coração dos Principes de Portugal“, que contra tudo e todos, sustentavam esta política.

"Nem falar do presente dos reis de Portugal, que tiveram coração para suster a Guiné e descobrir  dela, e que gastaram tanto ouro e tanta gente que, quem, contasse toda a do reino, acharia que outra como a metade morreram na Guiné, e porém a continuarem até que lhes saiu dele o que aparece; o qual tudo começaram há muito tempo, e só há pouco tempo lhes dá recompensa“ , C. Colombo, (1498).  (12)

"(...) grande coração tem os principes de Portugal, que há tanto tempo prosseguem a empresa da Guiné e continuam aquela de África, aonde gastaram metade da gente do reino, e agora está o rei mais determinado a isso que nunca“, C.Colombo (1498).

 

 

A Guiné no Caminho Marítimo para a India

 

Devido à politica do "Mar Fechado"( a exclusividade portuguesa), reafirmada por D. João II em 1481, Castela e Aragão, estavam impossibilitadas de acederem aos mares da Guiné, o mesmo é dizer, às suas ricas Pescarias, ao Ouro, Escravos e Especiarias que na região de poderiam encontrar.

Depois da morte de Alvaro de Luna (1453), Juan II de Castela  reclamou para si esta exclusividade. D. Afonso V, rei de Portugal, naturalmente não aceitou.  Enrique IV (1454-1474, casado co Joana de Portugal,  aceitou  as pretensões portuguesas.

Durante a Guerra com Portugal (1476-1479), Isabel de Castela e Fernando de Aragão, recusaram abertamente esta proibição. O Tratado de Alcáçovas- Toledo (1479-1480), permitiu alguma pacificação, mas não resolveu o problema.

Para Portugal, a Guiné, era mais do que uma fonte de riquezas, era o ponto de escala obrigatório no caminho que estava a ser percorrido para chegar à India. Permitir o acesso dos espanhóis e marinheiros de outros reinos, era dar a outros a possibilidade de atingirem aquilo que penosamente se havia conseguido.

 

D. João II, em 1481, dá um sinal claro de pretender manter esta politica ao mandar construir o Castelo de S. Jorge da Mina. Para assinalar o seu domínio exclusivo sobre a Guiné, em 1485, faz um acréscimo na sua titulatura - "senhor da Guiné" (13).

 

 

Posição da Alta Nobreza

 

Para a alta nobreza, sobretudo a Casa de Bragança, os custos da defesa da continuidade da exclusividade do "mar da Guiné", eram demasiado elevados. Defendendo abertamente a preferência pela guerra contra o Reino de Granada e o Reino de Fez, e a cruzada contra os turcos. Mais

 

A guerra com Castela (1475-1479), as conquistas no Norte de África haviam custado um elevado número de vítimas. As principais conspiradores contavam entre os seus familiares mais próximos muitas vítimas destas guerras. Ora, a continuação da política defendida por D. João II, implicava novas guerras para assegurar a exclusividade dos mares, nomeadamente em relação a Castela.

 

Cristovão Colombo demonstra conhecer e ter estado várias vezes na Guiné, mas também estar a par do conflito que opunha Portugal e Castela pelo domínio da Guiné, tendo apontado inclusive aos espanhóis alternativas nas "Indias" (caraibas). Mais

 

O discurso de Garcia de Meneses ao papa (1481), a carta de D. Alvaro de Bragança a D. João II (1494), ou o Memorial Português de 1494, apontavam todos no sentido da oposição à exclusividade dos mares, nomeadamente face a Castela.

 

 

Conspiração de 1483: Duque de Bragança / Marquês de Montemor

 

Garcia de Resende, dá-nos conta que na primeira conspiração liderada para Casa de Bragança, os conspiradores haviam acordado com Castela DUAS exigências que fariam a D. João II:

 

- A entrega da Excelente Senhora aos Braganças

- O acesso de Castela e Aragão à Guiné (ouro, escravos e pescarias).

 

Condições que estas que sabiam antecipadamente que D. João II não podia aceitar: Razão pela qual se dispõem a apoiarem a eventual invasão de Portugal por Castela.

 

Mortes:

 

D. Fernando,  Duque de Bragança

 

Comutação da Pena

 

Afonso Vaz, secretário particular do marquês de montemor foi condenando à morte (sentença de 14/7/1485), mas acabou por ficar pela prisão perpétua. A Carta de . D. Alvaro para D. João II explica a razão desta comutação da pena...

 

 

Fugas para Castela:

 

João de Bragança, marques de Montemor, condestável de Portugal. Foi dos primeiros a fugir. Isabel de Noronha, Marquesa de Montemor preferiu ficar em Portugal. O marquês morreu em Castela, em 1484, quando se dirigia para a Guerra de Granada, onde se encontravam os reis católicos.

 

Alvaro de Bragança seguido depois pela sua esposa, Filipa de Melo. Trata-se da figura mais importante e proeminente entre os exilados portugueses, e que veio a adquirir um enorme poder na Corte Castelhana.

 

Afonso de Bragança (Conde de Faro e de Odemira), acompanhado da esposa e filhos.

 

Isaac Abravanel, o grande banqueiro dos membros da Casa de Bragança.

 

Três filhos do Duque de Bragança, condenado à morte (Filipe, Dinis e Jaime). A Duquesa permaneceu em Portugal, com a sua filha Filipa.

 

Fugiu uma enorme corte de criados e outras pessoas ligadas à Casa de Bragança. D. João II pretendeu extinguir esta casa.

 

 

Conspiração de 1484: Duque de Viseu-Beja

 

A segunda conspiração foi liderada pelo irmão da rainha Dona Leonor - Diogo de Lencastre, mestre a Ordem de Cristo. O compromisso com os reis católicos assentava na entrega da Joana, a Excelente Senhora. O rei seria morto, o principe herdeiro ficaria preso em Sesimbra, e D. Diogo assumir-se-ia como o novo rei de Portugal. O acesso dos espanhóis à Guiné deixaria de ter qualquer obstáculo.

 

Mortes:

 

Diogo de Lencastre, Duque de Viseu-Beja, assassinado pelo próprio rei - D. João II.

Pedro de Albuquerque, Almirante-mor, foi preso em Lisboa, degolado em Montemor-o-Novo.

Garcia de Meneses, Bispo de Évora, foi encerrado na cisterna do Castelo de Palmela, onde morreu.

Fernando de Meneses, irmão do bispo, preso no castelo de Avis, onde morreu.

Guterre Coutinho, comendador de Sesimbra da Ordem de Santiago, foi atraído a uma cilada e acabou por ser morto no Castelo de Avis. Era filho do marechal D. Fernando Coutinho.

Pedro de Ataíde, filho de D. Alvaro de Ataíde, irmão do Conde de Atouguia e do prior do Crato. Fugiu para Santarém, foi preso e degolado.

 

Fugas para Castela:

 

Francisco de Almeida, cavaleiro da Ordem de Santiago, futuro Vice-rei da India portuguesa. Só regressou a Portugal, em 1492, quando Colombo estava a partir para as Indias.

 

Lopo de Albuquerque (Conde de Penamacor), acompanhado da esposa Leonor Enriques de Noronha, irmã da marquesa de Montemor-o-Novo. Entre o seus que levou consigo, contava-se Diogo Mendes de Segura, que veio a ser secretário particular de Cristovão Colombo. Mais

 

Fernão da Silveira, escrivão da puridade, era filho do barão do Alvito. Foi assassinando em Dezembro de 1489, em Avinhão (França).

 

Alvaro de Ataíde (senhor da Castanheira, etc). Os Ataides adquiriram um enorme poder na corte castelhana, estando envolvidos nas viagens de Colombo. Mais

 

Violante Moniz Perestrelo (cunhada de Colombo), estabeleceu-se em San Juan del Puerto (Huelva), com o seu marido Mouriart. Mais

 

Catarina da Costa, esposa de Pedro de Albuquerque. Irmã do poderoso cardeal Jorge da Costa, não aceitou as generosas condições que D. João II lhe ofereceu. Fugiu para Castela, mas antes mandou matar Fernão de Lias, levou consigo sequestrado Alvaro Osório, abade seu criado, e a marquesa de Montemor - Isabel de Noronha. Mais

 

Cristovão Colombo. "Fugiu", provavelmente em 1485, tendo-se dirigido para a Casa de Violante Moniz Perestrelo, em San Juan del Puerto (Huelva). As condenações dos conspiradores foram proferidas ao longo de três anos (1483-1485), gerando alguma expectativa sobre quem seria acusado durante este período.

 

Lopo Ruiz de Atouguia, fidalgo dos Atouguias de Beja, criados dos Duques de Beja-Viseu.

 

Ao todo segundo confessou D. João II, terão sido justiçadas 80 pessoas. A maioria está por identificar.

 

D. João II, apesar de fragilizado (17), conseguiu vencer os conspiradores e prosseguir com a sua política.

 

 

 

II

 

 

 

Comunidade dos Exilados Portugueses em Sevilha

 

 

Os nobres portugueses que se exilaram em Castela, na sequências das conspirações de 1483 e 1484, receberam um enorme apoio dos reis católicos, outra coisa não seria de esperar. Quase todos eles eram parentes entre si, incluindo Cristovão Colombo.

 

O Marquês de Montemor, como vimos, faleceu em 1484, quando se dirigia ao encontro nos reis católicos.

 

A marquesa foi levada para Sevilha por Catarina da Costa, esposa de outro conspirador morto - Pedro de Albuquerque, Almirante-Mor de Portugal. A sua casa em Sevilha será o ponto de reunião de muitos exilados, como a família de Cristovão Colombo. Criou também um local referência da comunidade portuguesa na cidade: a Igreja do Convento de Santa Paula, cuja fachada ostentava as armas de Portugal.

 

Entre os nobres portugueses que se fixaram em Sevilha concentremos a nossa atenção sobre quatro das suas casas:

 

1. Casa de Alvaro de Bragança.  A sua família  acabou dividida entre Portugal e Espanha: o seu filho que regressou a Portugal - Rodrigo de Melo-, estará na origem dos Condes de Tentugal, e dos Duques do Cadaval.  O seu filho que ficou em Espanha - Jorge Alberto de Portugal y Melo - estará na origem dos Condes de Gelves, cujos descendentes se vieram a unir aos Duques de Veragua e de Vega. Mais

 

2. Casa dos Condes de Faro-Odemira. Ocorreu uma divisão semelhante, os que ficaram em Espanha fundiram-se com os Duques de Medinacelli, num processo que em que temos que salientar a poderosa influência de Fradique de Portugal. Mais

 

3. Casa de Violante Moniz Perestrelo- Cristovão Colombo. O "Almirante das Indias", quando foi para Castela dirigiu-se para a casa da sua cunhada, em casa da qual sempre viveu. O seu filho português - Diogo Colon - esteve na origem dos Duques de Verágua e de Vega, que se vieram a unir aos seus parentes da casa dos Condes de Gelves. Mais

 

4. Casa da Marquesa de Montemor. A marquesa enquanto viveu foi um verdadeiro elo de ligação de todos os exilados portugueses em Sevilha, mantendo negócios directa ou indirectamente com todos. Violante Moniz Perestrelo, assim como todos os familiares de Cristovão Colombo, tinham uma relação muito intima com a marquesa.  A sua casa serviu também de local de iniciação à Ordem de Santiago e de Avis de Portugal... Mais

 

 

Conventos e Panteões Familiares dos Nobres Portugueses

 

Os nobres portugueses em Sevilha formavam uma verdadeira comunidade, tendo criado os seus próprios locais de culto e panteões familiares .

 

A marquesa de Montemor - Isabel de Noronha- , financiou a construção da Igreja do Convento de Santa Paula, onde criou um panteão para os marqueses de Montemor-o-Novo, onde também fez sepultar o seu irmão Leão de Noronha.

 

Não deixa de ser significativo, que a marquesa deixado de lado deste panteão, a sua irmã - Leonor de Noronha, esposa do Conde de Penamacor. É igualmente enigmático que não tenha mantido qualquer relação especial com outra das suas familiares que vivia exilada em Sevilha - Maria Enriques de Noronha ( 1440 - Sevilha, 1523 ), filha do 1º. Conde de Odemira - Sancho de Noronha, e casada Afonso de Bragança ( Vila Viçosa?, 1432 - Sevilha, 30/4/1484), 1º. Conde de Faro e 2º. Conde de Odemira um dos principais conspiradores de 1483.

 

 

Fachada da Igreja do Convento de Santa Paula em Sevilha, mandada construir pela marquesa de Montemor-o-novo.

 

Na portada que dá acesso a um pequeno atrio, existiu até Setembro de 1868, um painel de azulejos de Francisco Nicoloso Pisano, com a figura de Santa Paula, segurando um livro, ao fundo viam-se quatro ciprestes, tendo aos seus pés as armas de Portugal, as de Espanha e as dos marqueses de Montemor-o-Novo (os fundadores). Os espanhóis trataram de os destruírem os símbolos de Portugal e da marquesa, apagando-os desta forma da fachada da Igreja (14).

 

 

Alvaro de Bragança, financiou a construção dois conventos: Em Portugal, o Convento dos Lóios, em Évora, onde se encontra sepultado com a sua esposa; em Espanha, criou o Convento de Santa Maria de Jesus, em Sevilha.

 

Fachada atual da Igreja de Santa Maria de Jesus, Sevilha

 

 

Os Condes de Gelves, criaram um panteão familiar na Igreja paroquial de Gelves, onde orgulhosamente ostentam as "quinas de

Portugal", que estavam igualmente presentes na fachada do Convento de Santa Paula, em Sevilha.

 

 

 

Cristovão Colombo, ao fixar-se em Sevilha, escolheu a Cartuxa de Santa Maria de las Cuevas, cujo altar mor foi oferecido por D. Afonso V, rei de Portugal. Foi na capela de Santa Ana que foram sepultados Cristovão Colombo, o seu filho Diogo Colon (natural de Lisboa), o seu irmão Diego Colon, e o seu neto Luis de Colon. Em La Hispaniola (atual Republica Dominica), Diego Colon, criou no Convento de São Francisco, um panteão familiar para onde foram levados os restos mortais de Colombo, do próprio Diego Colon, e do seu filho Luis de Colon. Foi também aí sepultado Bartolomeu Colon. Era intenção de Diogo Colon sepultar também a sua mãe - Filipa Moniz Perestrelo- , cujos restos mortais se encontravam na capela da Piedade, no Convento do Carmo, em Lisboa.

 

 

O ponto de encontro de todos os nobres portugueses em Sevilha, acabou por ser a capela maior da Igreja do Convento de Santa Paula, onde estava o Panteão dos Marqueses de Montemor-o-Novo.

 

Escreve a este respeito o historiador Diego Ortiz de Zúniga (1636-1680), nos Annales Eclesiásticos y Seculares de la muy Noble y muy Leal Ciudad de Sevilla, Metrópoli de Andalucía, Tomo V, Lib. XVII, Madrid, 1677:

 

"Los Duques de Veraguas y los Caballeros Portugales de esta ciudad, como descendientes de Don Alvaro de Portugal, hermano del Condestable (João de Bragança, marquês de Montemor-o-novo), se tiene por patronos de esta capilla, aunque no allo que los señalese la marquesa"

 

 

 

A presença de uma importante comunidade de nobres portugueses em Sevilha, ocupando nos século XVI e XVII, postos de relevo na cidade e na corte, não passou despercebida, muito pelo contrário. 

 

 

III

 

 

 

 

Acusações de "Sangue Impuro" e "Infidelidade"

 

O enorme poder que tinha esta comunidade de portugueses em Espanha, e em particular em Sevilha, estimulou receios, invejas e desencadeou perseguições.

 

Os ilustres antepassados dos marqueses de montemor-o-novo passaram a ser alvo de graves acusações.

 

A maior das acusações que então se podiam fazer em Espanha era acusar alguém de judaísmo e de infidelidade em relação ao rei. Cristovão Colombo sofreu ambas acusações ( Consultar ) . Os seus parentes portugueses também foram acusados de estarem manchados de sangue impuro e de serem infiéis.

 

1. "Livro Verde de Aragón" (anónimo)

O "Libro Verde de Aragón" compõem-se de genealogias que começam no século XIV, identificando antepassados judeus de familias da nobres, de forma demonstrar que as mesmas estavam "manchadas" de sangue impuro (judeu). A obra começou a ser difundida a partir de 1560, lançando o pânico em muitas familias, que passaram a temer perseguições da Inquisição ou chantagens da Corte.

Duas familias portuguesas são apontadas como manchadas pela impureza:

- Os Condes de Gelves, descendentes do Alvaro de Bragança

- Os Condes de Vimioso. O 1º. Conde foi casado com uma filha de Alvaro de Bragança. O 3º. Conde, recorde-se opôs-se ao domínio filipino, defendendo a causa de D. António, Prior Crato, tendo morrido na batalha naval de Vila Franca, em 1582, contra os espanhóis.

Os Condes de Gelves, estavam sob suspeita devido às suas origens judaicas e à infidelidade a Espanha do 3º. Conde de Vimioso. 

2. "El tizón de la nobleza de España"

Obra escrita pelo cardeal Francisco Mendoza y Bobadilla (1508-1566), arcebispo de Burgos e de Valencia, que o entregou pessoalmente, em 1560, a Filipe II de Espanha. A obra é arrasadora quanto às origens das familias de origem portuguesa:

a) "Los Duques de Verganza. Los Duques de Verganza (Braganza), dicen que descienden de Ynés Hernández Estévez, que fue hija de un zapatero convertido de judío en Portugal, llamado Hernando Estévez, natural de Villaviciosa, es cosa muy sabida en aquel reino que Ynés Estévez fue madre de don Alonso, primer Duque de Verganza, y que su padre fue don Juan, Maestre de Avis y quien después fue Rey y que ésta fue abuela de don Fernando de Portugal y Pereyra, segundo Duque de Verganza, y siendo como es así de éste fueron nietos don Dionis (Diniz) de Portugal y don Álvaro de Portugal. De don Dionis vienen: El Marqués de Sarriá que también dicen desciende de una tendera que se llamó Venalcazar y el Conde de Andrada y sus hermanos".

b) Don Álvaro de Portugal. De don Álvaro de Portugal vienen: El Conde de Guelves, la Condesa de Venalcázar, abuela del Marqués de Gibraleón y del Marqués de Ayamonte y de sus hermanos. La Condesa de Niebla, madre del Duque de Medina Sidonia."

c) Os Portocarrero e os Pacheco, que encabeçaram os chamado "partido português" estão entre os mais manchados de sangue judaico.

Bobadilla foi professor em Portugal, nas Universidades de Évora e de Coimbra. Mandou copiar na Torre do Tombo, em Lisboa, o conhecido Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, filho do rei D. Dinis de Portugal, que usou para identificar judeus nas principais familias portuguesas.

IV

Reabilitação da Memória

Durante o período de domínio filipino de Portugal (1580-1640), muitos assuntos relacionados com os conspiradores de 1483/4 que até aí tinham sido proibidos ou ocultados foram estudados, sendo mesmo objecto de uma vasta produção literária, nomeadamente nas comédias de Tirso de Molina...

Apesar de todas as calunias, acusações e perseguições a comunidade formada pelos antigos exilados portugueses persistia unida. Em Sevilha, a Igreja de Santa Paula era o ponto referência obrigatório. Em Madrid, com idênticas funções, irão construir a Igreja de Santo, António dos Portugueses, que depois de 1668 se tornou dos... alemães!

Os descendentes de Cristovão Colombo, os Duques de Verágua, uniram-se aos descendentes de Alvaro de Bragança, os Condes de Gelves. 

Brasão dos Duques de Verágua.

" Tratado de los Caballeros Portugales "

A existência desta comunidade portuguesa e a continuidade do seu poder em Sevilha, não passou despercebida ao historiador Francisco Medina y Nuncibay (1557-1637), que procurou estudar a sua origem, dentro da qual inseriu Cristovão Colombo.

 Os "caballeros portugales" de Sevilha, como vimos, eram nobres portugueses ou de origem portuguesa que viviam em Sevilha, formando uma comunidade, tendo como uma das suas referências simbólicas a capela maior do Convento de Santa Paula, panteão dos marqueses de Montemor-o-Novo.

Um dos objectivos deste "Tratado" parece ter sido o de legitimar as vigarices de Baltasar Colombo. A história de Colombo, narrada desde o fólio 91 v. ao fólio 97 r., como veremos, procura demonstrar que o mesmo pertencia à família de Baltasar Colombo, senhor de Cuccaro, em Monferrato, província de Alessandria, região de Piemonte, então residente em Génova. Este nobre italiano, recorde-se, pretendia então apossar-se dos seus títulos e da fortuna da familia de Cristovão Colombo. Mais

Nuncibai, nasceu em Sevilha (1557), descendia de Antonio de Cueva e de Francisca de Rojas. Tem a seu crédito o facto de ter consultado a documentação sobre Colombo quando ainda estava guardada na Cartuxa de las Cuevas, em Sevilha.

 

Os Condes de Gelves-Duques de Verágua, em 1609, viram-se obrigados a retirar a documentação da Cartuxa, devido aos frequentes roubos e interpolações de documentos falsos, uma acção em que terá participado o próprio Nuncibay.

 

Atribuem-se-lhe duas obras, mas só do " Tratado de los Caballeros Portugales " (Sevilha, 1616) existem cópias (1):

 

O manuscrito estava, no seculo XVIII, na posse de D. Francisco Tello de Portugal y Medina, 2º. marques de Sauceda, cavaleiro da Ordem de Alcantara, e mestre de campo das milicias de Sevilha.

 

O manuscrito nunca foi publicado e são conhecidas duas cópias:

- Uma cópia que foi posta à venda em 1925 (3), sendo re-descoberto em 1991, na Biblioteca de Huntington, em San Marino (Los Angeles, Califórnia) (4)

 

- Uma cópia do século XVIII (incompleta e repleta de erros muito evidentes),  frequentemente referida pelo título -"Genealogía de la Casa de Portugal", que se encontra na Real Academia de la Historia de Madrid,  na Colección Vargas Ponce.

O manuscrito mais completo é o da Biblioteca de Huntington, que podemos estudar graças a uma cópia facultada por Willian Frank.

 

A obra começa por definir os grandes principios da nobreza, assim  como as causas da sua possível degradação, centrando-se depois linhagem dos reis de Portugal, de forma a estabelecer a ascendência dos cavaleiros portugueses de Sevilha. Refere algumas familias nobres em Espanha de origem portuguesa, ou que se haviam ligado a casas portuguesas como os Pacheco, Portocarrero, Silvas, Melos, Tellos, Medina, etc.

 

A história de Cristovão Colombo e da sua família é assim integrada nesta rede da nobreza portuguesa, marcada pelo cultivo das suas ligações a uma origem comum.  O Tratado começa com a origem mítica da nobreza portuguesa, sendo de destacar dois temas relevantes:

 

a) Conspirações contra D. João II. A Carta de Alvaro de Bragança

 

A conspiração do Duque de Bragança, em 1483, é um dos temas centrais da narrativa de Nuncibai, dado que é foi na sequência da conspiração que se formou Espanha, e em particular em Sevilha, a poderosa comunidade de cavaleiros portugueses. No capítulo 41º ("de la causa de la venida a castilla la casa de uergança") , onde aborda esta questão, remonta as causas ao conflito entre  Infante D. Pedro e D. Afonso V, instigado pela Casa de Bragança. O poder que esta casa adquiriu, assim como as Castela, fez D. João II desconfiar da sua lealdade.

 

- Descreve as intrigas entre Portugal e Espanha

 

- Anota a popularidade de D. João II face aos braganças, partidários dos reis católicos.

 

- Relata a guerra de Granada e o episódio em que um mouro confunde Fernando de Aragão com Alvaro de Bragança e o tenta matar (1487).

 

 

- Transcreve a carta que Alvaro de Bragança enviou a D. João II (c.1484). Esta importante carta (5) foi publicada, em 1746, por António Caetano de Sousa, na "História Genealógica da Casa Real Portuguesa", que afirma a ter descoberta no cartório da Casa de Bragança (7). Apesar de conhecer o título da obra de Francisco Medina Nuncibay, não a consultou (6). Qual a razão porque Colombo guardava esta carta nos seus arquivos pessoais ? Quem lha deu ? Alvaro de Bragança?

 

A carta de D. Alvaro na posse de Colombo tem a chave para a descoberta de um facto intrigante: a comutação da pena de Afonso Vaz, secretário particular do Marquês de Montemor, que passou de um pena de morte para prisão perpétua. Foi ele o denunciante da Alvaro de Bragança e possivelmente outros conspiradores, como Colombo.

 

Alvaro de Bragança no texto da carta, afirma-se inocente, dizendo que foi o testemunho de Afonso Vaz que o implicou na conspiração. A sentença de ambos foi significativamente proferida no mesmo dia.

 

Comparando três cópias desta carta entre si, apenas na carta de Colombo (Nuncibai) aparece o nome de Alonso Vaez, como o denunciante de Alvaro de Bragança.

 

O manuscrito 1610 (século XVII) da Biblioteca Nacional de España, troca-lhe o nome para Alonso Baez. A Historia Genealógica... de António Caetano de Sousa (1746), copiada do Cartório da Casa de Bragança, censura o nome do denunciante, indicando um enigmático "Da... Vaez". Mais

 

Nuncibai, no inicio do fólio 111 v., numa nota dá claramente a entender que Cristovão Colombo, devida ser incluído no rol dos conspiradores contra D. João II: "Se Porn? luego el memorial y el codiçilio del almirantge don Xpoual colon y tras ello La Causa de auer venido a castilla esta Rama de la casa de vergança y La Carta que el S.or Don aluaro escriuio al Rey don Juan el .2.o de portugal. y La que al dho Don Aluaro scriuio El Rey don manuel."

 

 

 

b) História de Colombo

 

A "história de Colombo" é uma construção muito fantasiosa, repleta de erros. O  seu objectivo não era apresentar uma versão documentada da biografia de Colombo, mas sustentar a sua origem nobre e defender a posição de Baltasar Colombo.

 

- Origem: Afirma que Colombo era originário dos confins da república de Génova e da Lombardia, no estado de Milão, dos castelos de "cucureo" e "conzano", da cidade de Bergamo (fólio 92 r) e Placencia (fólio 95v). Recusa a ideia que o mesmo seja genovês, dizendo que em Espanha se chamavam genoveses a venezianos, mas também a todos os italianos das diferentes provincias (fólio 92 v.) . Acrescentando, que para se lisonjear certos grandes que não viam com bons olhos os favores que Colombo recebia na Corte, se escreveram algumas obras que apressadamente passaram a chamar-lhe "genovés " (fólio 95r) (2).

 

Carlos V, perante o que se escrevia sobre a origem de Colombo, depois de ter ido a Itália, mandou que D. Luis Colon destruísse estes tratados, permitindo apenas que circulasse a biografia de Hernando Colon. A obra de Nuncibay procura sustentar as posições de Baltasar Colombo, como claramente o afirma no fólio  96 v.

 

Afirma que Colombo ocultou as suas origens, para que a sua linhagem começa-se por ele, e não por um seu antepassado, à semelhança do que teria feito D. Nuno Alvares Pereira (fólio 70 v.).

 

- Nobre. Colombo, segundo Nuncibay, era originário dos "colones" de Bergamo, da linhagem dos colones de Cucaro e cucureo.   Menciona inclusive, entre os seus supostos antepassados, como nobres da Catalunha por volta de 1345 (Guilhermo e Bernardo Coloma).

 

- Corsário. Colombo chegou a Portugal, em 1476, quando Colon, "general del rey de Françia", veio ajudar  D. Afonso V na guerra contra os Reis Católicos (1475-1479). Colombo era sobrinho do general Colon, tendo participado no saque das costas da Biscaia e Galiza, a sua armada acabou desbaratada por uma tempestade em Ribadeo (Galiza). Colombo refugiou-se na cidade do Porto, onde o bispo da cidade, de apelido "Perestrelo", ficou sensibilizado pela sua ação, e deu-lhe em casamento a sua irmã Filipa Moniz Perestrelo.

 

Destaca a importância de Filipa Moniz Perestrelo, da ordem de Santiago (fólio 96 r),  para a inserção de Colombo no contexto das relações da nobreza portuguesa. Filipa pertencia a uma familia de cavaleiros, que eram alcaides perpétuos da "ilha do Espírito Santo" (Porto Santo), na Madeira...

- Descoberta das Indias: Colombo, depois de 1476, passou a viver em Portugal, para onde vieram os seus dois irmãos, Bartolomeu e Diego. Apresentou a ideia a D. João II, que se apressou a enviar três caravelas, mas nada descobriram. Colombo foi então para Espanha, e os seus irmãos, um foi para França e outro para Inglaterra apresentar a mesma ideia. Uma vez que Colombo conseguiu convencer os reis católicos, os seus irmãos regressaram a tempo de embarcarem na primeira viagem (1492-1493), cada um foi no seu navio...

"Que fué el primero que descubrió las Indias ó por aviso que le dieron ó por su gran saber en cosas de la mar, ó por todo junto, que es lo cierto».  Colombo para marcar o facto de ter sido ele a dar as espanhóis as Indias, adotou o lema: "A Castilla y a Leon Nuevo Mundo dio Colon" .

- Testamento de 1498. Transcreve o conhecido Codicillo de 1498 (apócrifo), apresentado em Espanha, na altura, por Baltasar Colombo ! Trata-se do único local onde Colombo afirma que nasceu em Génova. Refere também empréstimos que lhe fizeram "françisco Riberol", "françisco  de oria" e "françisco cataño" e "gaspar espindola" (fólio 94 r) para a sua primeira viagem às Indias...

- Diego Colon. Transcreve uma Carta/Memorial de Colombo ao seu filho Diogo Colon antes de empreender a quarta viagem (1501/2). Trata-se de uma espécie de testamento, onde não existe a mais pequena referência a Génova, nem à sua suposta familia italiana.

As referências a Colombo, como se pode verificar são fantasiosas e repletas de erros, que só podem ter sido intencionais, com o objectivo de sustentar a disputa jurídica de Baltasar Colombo. Nuncibai para dar credibilidade à sua narrativa viu-se obrigado a enquadrar a história de Colombo na história genealógica dos nobres de origem portuguesa que viviam em Espanha. As referências a Itália são por isso circunstanciais e fantasiosas.

 

Revisões Patrióticas

Alguns historiadores que viviam e publicavam em Espanha no século XVII, procuram reabilitar a personagens centrais desta comunidade de exilados, como D.Nuno Alvares Pereira, mas também revisitarem o que se havia escrito sobre as relações entre Cristovão Colombo e Portugal.

1. Vida y Hechos Heroicos del gran Condestable de Portugal D. Nuño Alvarez Pereyra

Numa altura que as famílias nobres portugueses em Espanha eram acusadas de estarem manchadas de sangue impuro, e de serem infiéis a Espanha, em 1640, o genealogista português - Rodrigo Mendes da Silva (15) -, publica em Madrid, durante o reinado de Filipe IV -  "vida y hechos heroicos del gran Condestable de Portugal D. Nuño Aluarez Pereyra Conde de Barcelos. de Orem. de Arroyolos. Mayordomo. Mayor del Rey Don Iuan el primeiro : con los Arboles y decendencias de los Emperadores. Reyes, Príncipes, Potentados, Duq[ue]s Marqueses. y Condes que del se deriuan".

A biografia do santo condestável, que começa no rei asturiano Palaio, numa sexta-feira do dia 19 de Setembro de 737, é acompanhada das sínteses genealógicas das principais famílias de Portugal, Espanha, Itália, Suécia, Polónia, etc, cujos detentores dos respectivos títulos tinham sangue do Condestável...

Este cronista oficial de Filipe IV, que chegou a fazer parte do Conselho de Castela, acabou a partir de  1659 a ser vítima de vários processos inquisitoriais. Foi sentenciado no Auto de Fé, em Cuenca, a 25 de Junho de 1662. Conseguiu depois fugir para Veneza, onde morreu.

2. Manuel de Faria e Sousa (1590-1649)

Natural de Pombeiro (Felgueiras) é uma das personagens mais fascinantes do período filipino. Para os leitores atentos da sua obra é um patriota, para os outros um traidor. Viveu em Pombeiro, Porto, Lisboa, Madrid, Génova (onde perdeu um filho) e Roma. Na sua vasta obra, chegou às seguintes conclusões sobre Colombo:

Aprendeu a arte de navegação em Portugal (Asia Portuguesa, Tomo I, Parte I, cap. III).

Foi um português lhe deu a notícia das indias Ocidentais. Afirma-o desde 1628, na sua obra "Epitomo de las Historias Portuguesas (3ª. parte, cap. 14) (24). Repete a mesma afirmação na sua obra póstuma - História del Reyno de Portugal, dividida en cinco parte (1730). Quando apresentou a ideia a D. João II de chegar as indias ocidentais, à ilha de Cipango (Japão), foi desprezado. (8)

Enquanto Colombo entretinha os espanhóis no Ocidente, os portugueses atingiam (sozinhos) o Oriente, a verdadeira India e o Japão (Epitomo, 3ª. parte, cap.14). A proposta de Colombo aos reis espanhóis procurava desta forma afastá-los do caminho seguido pelos portugueses para atingir o Oriente.

Deixou também uma obra inédita sobre a história da "América Portuguesa" , o que nela terá revelado, incomodou de tal modo os espanhóis que Diogo Soares, secretário de Estado de Filipe IV fez questão de destruir o manuscrito.

3. Manuel Telles da Silva (1641-1709)

Marquês do Alegrete, em 1689, publica em latim, a "Vida e Feitos de D. João II" (13), no qual aborda as relações do navegador com este rei. Colombo teria apresentado a sua proposta a D. João II numa grande assembleia convocada para o efeito, destacando-se as intervenções de duas personagens:

- Diogo Ortiz de Vilhegas (c.1457-1519) (16), natural de Castela, leccionou Astrologia na Universidade de Salamanca. Veio para Portugal no séquito de Joana, a Excelente Senhora (1476). Foi protegido por vários reis portugueses, sendo nomeado prior do Mosteiro de S. Vicente de Fora (1491), bispo de Tanger (1491-1500), Ceuta (1500-1504) e Viseu (1505-1519). Opôs-se à proposta de Colombo, defendendo que Portugal devia centrar-se nas explorações africanas.

Pedro de Meneses Noronha (1425-1499), 1º. Marquês de Vila Real, 3º. conde de Vila Real, 7.º Conde de Ourém, defendeu a realização de expedições para outros destinos que não apenas o africano. D. João II, assim como a maioria dos presentes da assembleia concordou com esta posição.

Depois de escrever isto, Manuel Telles da Silva, sem mais explicações afirma que Colombo foi para Castela por lhe terem rejeitado a proposta ...

O autor deixa no ar, a ideia que a não aceitação proposta de Colombo se deveu à ação do bispo castelhano, pois todos estavam de acordo com a mesma, incluindo o rei !

Neste alegado conselho ninguém duvidou que a viagem até às "indias" fosse impossível. A corte portuguesa conhecia a existência de terras a Ocidente da Europa. Colombo escreveu inclusive que D. João II lhe falou da existência de um continente no Hemisfério Sul. A discórdia incidia apenas sobre a vantagem para Portugal de fazer semelhante viagem para Ocidente.

 

V

 

Desagregação da Comunidade de Exilados

Após a restauração da Independência de Portugal, em 1640, aumentou de forma brutal as perseguições, roubos e saques dos portugueses que viviam em Espanha e nas suas colónias. Assistiu-se à rápida desagregação das multiplas comunidades de portugueses que entretanto se haviam criado. Mais

Os Duques de Verágua e Condes de Gelves, ligados profundamente a Portugal, naturalmente viram aumentar as suspeições sobre a sua fidelidade a Espanha. Contudo, na segunda metade do século XVII, parecem estar apenas concentrados numa única preocupação: a crescente perda de rendimentos. Tudo o mais era-lhes indiferente, nomeadamente a questão da identidade de Colombo ou as mentiras que sobre o mesmo se publicavam.  

Pedro Nuño Colón de Portugal y Castro (1615-1673), 6. duque de Veragua, 6. conde de Gelves, marques da Jamaica e de Villamizar, é muito claro a este respeito quando escreve - " El Memorial Colombino De Don Pedro Colon De Portugal Y Castro, Duque De Veragua Y De La Vega, Marques De Jamaica, a Su Alteza Real Dona Mariana De Austria, Reina Regente Por D. Carlos II De Espana Sobre La Isla De Jamaica", impresso em 1672. Solicita a Mariana de Áustria, Rainha Regente de Carlos II da Espanha , que lhe dê uma compensação pela perda de renda do ducado da Jamaica que os britânicos haviam tomado em 1655.

A Jamaica era um feudo exclusivo dos descendentes de Colombo desde 1536 , quando foi dada como uma recompensa à sua família. As referências a Colombo servem apenas para reforçar a tese que do que o mesmo deu a Espanha, aquilo que os seus herdeiros receberam foi muito pouco...

No século XVIII, terminam os laços de sangue que união os Condes Gelves e os Duques de Verágua a Portugal. Apenas no brasão da vila de Gelves até 1837, persistiram as "quinas de Portugal", símbolos de uma poderosa comunidade de exilados, entre os quais se contavam os marqueses de Montemor e Cristovão Colombo.

Carlos Fontes

   

Notas:

(1) As duas obras são: 

- Tratado de Los Caballeros de Portugales

- Linajes de Sevilla
Citado num catálogo de livros raros da biblioteca da catedral de Sevilha, referidos por Ortiz de Zúniga (annales) e Juan Lucas Cortés (Biblioteca genealogia heraldica). Esta obra está desaparecida, possivelmente trata-se de outro título atribuído ao Tratado de los Caballeros Portugales.

(2) Duro, Cesáreo Fernandez - Nebulosa de Colón. Madrid. 1890

(3) Surge no Catálogo dos livreiros - Maggs Bros (Londres), de 1925. Das suas 362 páginas do manuscrito, cerca de 20 são dedicadas a Cristovão Colombo.

(4) O manuscrito foi redescoberto por Willian Frank, curador de história da "the huntington library", em San Marino, Los Angeles, quando preparava a exposição - "Spain in the Americas, 1492-1600: What is the Legacy?" (1992). Cota: HM1546. Consultar sobre a redescoberta: ABC - Jornal, 16/7/1991

(5) Machado, Manuela - Primeiros Anos de Governo de D. João II. A corte e as suas lutas, in, Carlos Alberto Ferreira de Almeida - Memorian.... Faz uma análise descritiva da carta.

Alvaro de Bragança defende a tese que D. João II procurou destruir a sua famiília, e a ele em particular: Destituiu-o do cargo de chanceler-mor, procurou impedir o seu casamento com a filha do Conde de Olivença, nunca cumpriu as promessas que lhe foram feitas, etc.

Nuncibai afirma que D. João II procurou atacar os privilégios da nobreza, mas sobretudo, os dos nobres que estavam ligados aos reis católicos, como era o caso dos braganças. Este ataque do rei, transformava-o aos olhos do povo num "santo", tal o ódio que tinham à alta nobreza e aos espanhóis...(fólio 177).

(6) Sousa, António Caetano de - ob. cit, Tomo I - CCXV e CCXVI: escreve que conheceu a obra - "Tratado de los Cavalleros Portugales", a partir das referências de Gerhardi Ernesti de Franckeneau, Juan Lucas Cortés - Biblioteca Hispanica Historico- genealogico, datada de 1724. A referência surge na entrada CCLVIII.

(7) A carta está também publicada nas Tomo V, Provas Livro IX da História Genealogica.... António Caetano de Sousa afirma que a carta não chegou a ser acabada.

Do Fundo Geral (secção de reservados), da Biblioteca Nacional de Portugal, existe uma cópia com o nº.1598.

(8) A tese que foi um português que informou Colombo da existência de terras a ocidente aparece até final do século XVIII em muitas publicações: Damião António de Lemos Faria e Castro - História Geral de Portugal e suas Conquistas, tomo VIII. Lisboa. 1787.

(9) Os Portocarreiro e os Pacheco, que se uniram várias vezes entre si, segundo o "El tizón" procedem de Ruy Capón, judeu, e de Maria Portocarrero, descendente de uma judia de Guadalcanal, chamada Polónia, Paloma ou Palda.  

(10) Salgado, Anastácia Mestrinho; Salgado, Abílio José - A Extinção do Marquesado de Montemor-o-Novo e o foral concedido por D. Manuel - sua Relevância na Génese do Estado Absoluto em Portugal, in, Revista da Faculdade de letras, UP

(12) Colombo face aos desaires que desde 1492 ocorriam nas Indias, incentiva os reis católicos a seguirem o exemplo português, isto é, a não desistirem por mais sacrificios humanos e recursos financeiros que fossem necessários. Um dia a "recompensa" de tantos sacrifcios acabaria por aparecer, como começou a surgir depois de D. João II, e em particular no tempo de D. Manuel I.

(13) Lopes de Chaves - Livro de Apontamentos (1438-1489) ... Decisão tomada em Beja a 25/3/1485.

(14) Jose Gestoso y Pérez - Historia de los barros vidriados sevillanos desde sus origenes hasta nuestros dias. Sevilla. 1903. pág. 198

(15) Rodrigo Mendes da Silva (1606-1670), era natural de Celorico, em Portugal, onde possuía propriedades e se casou com Clara Feijó. Cronista geral de Filipe IV de Espanha (1635) , fez parte do Consejo de Castilla (1640). A partir de 1659 começa a ser vítima de vários processos inquisitoriais. Foi sentenciado no Auto de Fé, em Cuenca, a 25 de Junho de 1662. Conseguiu depois fugir para Veneza, onde morreu.

 Berrendero, José Antonio Guillén - VALORES NOBILIARIOS, LIBROS Y LINAJES: RODRIGO MÉNDEZ DE SILVA, UN NOBILISTA PORTUGUÉS EN LA CORTE DE FELIPE IV, in, Mediterranea - ricerche storiche - Anno XI - Aprile 2014; Este autor destaca os seguintes estudos:

A tesis de B. Loupias, Recherches sur la vie, le culture et les ouvres de Rodrigo Méndez da Silva, (tesis doctoral policopiada), París, 1969; I.S. Reváh, Le procès inquisitoral contre Rodrigo Méndez Silva, Historiographie du Roi Philippe IV, «Bulletin Hispanique», vol. 67, n. 3-4 (1965), pp. 225- 252; J. Caro Baroja, Los judíos en la España Moderna y Contemporánea, Istmo, Madrid, 1978. Alusiones a su dimensión como cristiano nuevo la podemos encontrar en B. López Belinchón, Honra, libertad y hacienda (Hombres de negocios y judíos sefardíes), Alcalá de Henares, 2001. J.I., Pulido Serrano, Injurias a Cristo. Religión, política y antijudaísmo en el siglo XVII, Alcalá de Henares, 2002. J. Amelang, Historias paralelas. Judeoconversos y moriscos en la España moderna, Madrid, 2011. O el clásico de C. Roth, “Les marranes à Venise”, en Revue des Études jueves, LXXXIX, 1930, pp. 210-223. Si hay referencias a su vida y otros datos en algunos textos de época como el clásico de J. Amador de los Ríos, Estudios históricos, políticos y literarios sobre los judíos de España, Madrid, 1848.

(16) Em Madrid, como em outros locais, a comunidade portuguesa, também se veio a reunir em volta de um lugar sagrado, a Ermida de Santo António dos Portugueses (1624-1633), construída dentro do Real Sitio del Buen Retiro. Inicialmente eram um hospital de e para portugueses. A Hermandad de San Antonio de los Portugueses chegou a desfrutar de um enorme poder. Realizava cerimónias dos Cavaleiros da Ordem de Cristo, celebrava a Semana Santa, festas de Santa Engrácia e Santa Isabel, apoiava os orfãos, etc. Neste espaço barroco, podem encontrar-se muitas referências a Portugal, para além das excelentes esculturas do português Manuel Pereira.

A Igreja de Santo António mudou de nome em 1668, e passou a chamar-se não de "los portugueses", mas de "los alemanes"!.

Escultura de Santo António da autoria de Manuel Pereira, em Madrid

(17) D. João II criou uma Guarda Pessoal, da qual fez parte entre outros - Afonso de Albuquerque. Este facto poderá explicar os conflitos que manteve com outro cavaleiro da Ordem de Santiago - Francisco de Almeida.

 

 

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  Carlos Fontes
 
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