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Cristovão Colombo,
português ?
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A Carta de Álvaro de Bragança a D.
João II
"Carta, que o Senhor de D. Alvaro escreveu a El Rey D. João II no tempo, que estava em Castela, para
onde passou por causa da morte do Duque D. Fernando II na qual trata dos
agravos, que del Rey tinha recebido"
Uma análise da carta revela-nos
alguns aspectos surpreendentes da intenções e relações do seu autor.
Alvaro de Bragança começa por
manifestar a sua inocência em relação à acusação que lhe é feita, afirmando que
D. João II sabe disso melhor que ninguém. Interroga-se se valerá a pena
defender-se rebatendo as acusações que lhe são feitas. Se ficar calado estará a
dar um sinal de aceitação das acusações, mas rebater as mentiras do rei
parece-lhe ser uma perda de tempo. Nesse sentido, nunca alude às acusações
que o rei lhe faz (6),
nem às feitas aos seus irmãos.
O seu objectivo é mostrar que D.
João II é um mau carácter e mentiroso que lhe fez falsas acusações com o único
objectivo de se apossar dos seus bens.
O rei começou por comunicar os seus
alegados crimes ao Conde de Olivença - Rodrigo Afonso de Melo
(c.1430-1487) em Abrantes, que por sua vez os comunicou a Alvaro de Bragança, em
Çafra (Castela), através de uma carta escrita pelo Dr. João Teixeira ( 8 ) , o
novo Chanceler Mor de D. João II, cargo que antes lhe pertencia. Nunca
menciona as acusações que o rei lhe faz, porque são "grandes mentiras".
Prova de Inocência
A prova da sua inocência
é dada por dois estrangeiros - o bispo de Leão e Gaspar Fabra. A referência a
estes nomes é muito significativo. A sua vinda como embaixadores a Portugal é
controversa. Uns afirmam que vieram antes do assassinato ( 2 ), em 1484, de D.
Diogo, Duque de Viseu e mestre da Ordem de Cristo. Outros que foi depois deste
trágico acontecimento.
Os dois embaixadores apenas
conseguiram consolar a Infanta Dona Beatriz, pela morte do seu filho, e obter de
D. João II a prova da inocência de Alvaro de Bragança na conspiração dos seus
irmãos.
Quem eram estes embaixadores ?
O primeiro é Iñigo Manrique de
Lara, bispo de Leon (1484-1485) e de Córdoba (1485-1496), ouvidor da
Audiência Real de Valladolid.
Era sobrinho de Iñigo Manrique de
Lara, bispo de Oviedo (1444-1457), Coria (1457-1475), Jaén (1475-1485) e
Arcebispo de Sevilha (1483-1485), e entre 1479-1484 presidente do Conselho de
Castela, orgão que Alvaro de Bragança irá pertencer e que será igualmente
presidente.
O segundo, Gaspar Fabra
(c.1450-1512), senhor de Barigadu, na Sardenha (1481), era
um cavaleiro aragonês, que na sequência da guerra entre Portugal e Castela
(1475-1479), ficou com Almansa e Villena que pertenciam ao
marquês Juan
Pacheco, nobre de origem portuguesa que chefiara o partido de D. Afonso V em
Castela.
Uma das suas filhas - Angela Fabra y
Centelles, casou-se com Sancho de
Noronha, 3º. Conde de Odemira, familiar de Alvaro de Bragança, também
exilado em Sevilha...
Alvaro de Bragança garante
que D. João II disse aos embaixadores que não havia nenhuma acusação que
lhe pudesse fazer por envolvimento na conspiração dos seus irmãos. O
Conde de Olivença foi informado disto mesmo, e também lho
transmitiu.
A presença do bispo de Cordoba em
Portugal poderá ser uma explicação para a demora de Colombo nesta cidade
quando "fugiu" de Portugal, na sequência das perseguições de D. João II.
Mais
Provas do Rei
As
provas da sua culpa
foram baseadas
no testemunho Afonso Vaz, secretário particular do Marquês de
Montemor-o-Novo. Este nome está censurado nas edições da carta em
português, e apenas referido na carta que existia no arquivo
pessoal de Cristovão Colombo, na Cartuxa de Sevilha, antes de 1609.
Mais
Condenado à pena de morte,
Afonso Vaz, acabou por ver a pena comutada para prisão perpétua, sendo a
sentença proferida no mesmo dia da de Alvaro de Bragança... (3)
As acusações que lhe
chegaram a Çafra, onde se encontrava, através da carta escrita pelo Dr.
João Teixeira, eram falsas porque baseadas nos testemunhos de Diogo Tinoco, Vasco
Coutinho ou Guterre Coutinho.
Diogo Tinoco foi um
dos que avisou o rei, através de Antão Faria. A sua irmã - Margarida Tinico - era amante do bispo de Évora, Garcia de Meneses, que lhe disse
o que andavam a conspirar. D. João II encontrou-se que Diogo Tinoco no
Mosteiro de S. Francisco de Setubal, e deu-lhe uma avultada quantia pela
informação. O bispo de Évora acabou morto no castelo de Palmela. Pouco
depois, Diogo Tinoco foi assassinado... Alvaro de Bragança, afirma que o
que este diz sobre ele, nada é.
Vasco Coutinho foi
outro dos que denunciou a conspiração do Duque de Beja e Viseu. O seu
irmão Guterre Coutinho, numa altura em que ele tinha manifestado a
vontade de sair de Portugal, pediu-lhe para esperar, pois estavam a
preparar a morte de D. João II. Alvaro de Bragança afirma que o
testemunho sobre ele é baseado em Guterre, e este terá dito aquilo que
ouviu a outros dizer. Acrescenta que nunca os viu, nem falou com deles. Guterre,
como é sabido, acabou
morto no Castelo de Avis. Vasco Coutinho acabou nomeado Conde de Borba
1486), e dois anos depois é desterrado para Arzila, onde ascendeu a
capitão. D. Manuel I, em 1500, retirou-lhe o título de Conde de
Borba para dar ao Duque de Bragança, nomeando-o Conde do Redondo.
As acusações de D. João II,
segundo Alvaro de Bragança, sejam elas quais forem só podem ser falsas, pois
são baseadas em supostos testemunhos de pessoas que foram mortas ou
foram pagas para o fazerem.
Desconfianças Antigas
D. João II era, segundo
Alvaro de Bragança, um rei dissimulado, era frequente dizer em
público uma coisa, mas em privado mandar fazer outra. Apesar
e servir desde pequeno o rei, então ainda principe, e desde lhe
demonstrar em público afeição e reconhecimento, em privado
sempre o procurou prejudicar, porque não confiava na sua familia. A
consciência desta dicotomia e da importância da "opinião pública"
("entendimento do mundo") está bem presente nesta carta.
A grande preocupação de D.
João II, ainda principe, era afastar os braganças das terras de
fronteira, dadas as suas ligações a Castela. D. Afonso V
prometeu-lhe a vila de Portalegre, mas logo D. João II se opõe a
esta doação. Tirou-lhe a vila de Castelo Rodrigo, para dar a João Dilhoa. A sua proximidade da fronteira, na posse dos bragança era um
perigo para o reino...
D. João II, procurou também
evitar que os seus domínios dos braganças se concentrassem. Nesse
sentido tomou-lhe a vila de Pereira (Montemor-o-Velho). Contra
sua expressa vontade, deu a capela de Tentúgal (Igreja
de S. Miguel Arcanjo)
a
Lopo
Porcalho, escudeiro da casa de D. Filipa, filha do Regente D. Pedro.
De forma subtil, esta referência explicita a D. Filipa aponta para uma
clara vigança do rei da intriga do Duque de Bragança, que levou à morte
D. Pedro na batalha de Alfarrobeira (1449). D. Lilipa
(1437-1493), recorde-se, foi quem criou e serviu de segunda mãe a D.
João II.
Tentou por
todos os meios afastá-lo de Torres Novas, onde existia uma
"grande fortaleza", mas também de Alvaiazere, vilas que lhe foram
dadas por D. Afonso V.
Alvaro de Bragança evoca
como prova destas intenções do rei, o testemunho de Francisco de
Almeida, futuro vice-rei da India, e filho do Conde de Abrantes - Lopo
de Almeida. Trata-se do testemunho de um cavaleiro da Ordem de
Santiago, que também se exilou em Castela e na altura era acusado de
estar ligado aos conspiradores...
Perseguição Pessoal
D. João II de forma
sistemática procurou prejudicá-lo. Afastou-o do cargo de chanceler mor e
de regedor da Casa da Suplicação. Manobrou em privado para que não se
casasse com Filipa de Melo, herdeira do Conde de Olivença - Rodrigo
Afonso de Melo (c.1430-1487). Consumado o casamento, contra a vontade de
D. João II, a ira do rei abateu-se sobre o Conde: tirou-lhe o oficio de
guarda-mor (alcaidaria de Évora ?), os privilégios que tinha no bairro
de Évora, tomou-lhe a rendas da alfandega de Olivença, rendas na
capitania de Tanger, etc.
O rei, encarnando a figura
de um verdadeiro tirano, não olha a meios para atingir os seus
objectivos: destruir os braganças, ficando-lhes com os seus bens
(fazenda).
Favorecimento dos Inimigos
D. João II procurou criar à
volta dos braganças clima de ódio e impunidade, favorecendo todos os que
se lhe opunham. Entre as várias situações narradas por Alvaro de
Bragança, o caso do João Galvão (Évora,1433- 1485), arcebispo de Braga (1482-1485)
e alto funcionário régio (11) é
o mais interessante.
Irmão do historiador
Duarte Galvão (um provável exilado em Castela), era um acérrimo
inimigo dos braganças. D. João II confiou a ele e ao Conde de Vila Real
a missão de receberem das mãos da Infanta D. Beatriz, em 1483, o principe D. Afonso.
De uma familia de burocratas
régios, em 1448 ingressa no Mosteiro
de Santa Cruz de Coimbra. Três anos depois, acompanha D. Leonor até à
Alemanha, em Siena faz amizade com o futuro papa Pio II. Em Portugal, em
1459 é nomeado prior d
de Santa Cruz, bispo de Ceuta (1460), bispo de Coimbra
(1460-1481), núncio
temporário em Portugal com poderes a letere dado por Pio II
(1462-1464), quarto escrivão da Puridade (1465) (10), membro do conselho
(1464), vedor-mor das obras e dos resíduos,
Conde
de Santa Comba, 1º. Conde de Arganil
(1472) e , Fronteiro da Comarca das Beiras (1475), arcebispo
de Braga (1482-1485), cargo que se a apropria mas a Santa Sé não o
reconhece. Participou em várias guerras: conquista de Arzila e
Tanger (1471), Guerras com Castela (1475-76), etc.. Ficaram famosos os seus amores com
D.
Guiomar de Sá (9).
Homem de confiança de D.
João II, na sequência da conspiração do Duque de Bragança, em Agosto de
1483, o seu escudeiro Pero Pinto, tomou posse da fortaleza e couto de
Ervededo, no temo de Chaves. Dois anos depois, o rei mandou-a
entregar a Vasco Martins de Sousa Chichorro, alcaide mor de Bragança e
fronteiro-mor de Trás-os-Montes (4). Um familiar de Vasco Chichorro
estava exilado em Castela...
João Galvão
conseguiu de forma pouco correcta apoderar-se do arcebispado de
Braga, mas para o fazer, pediu um avultado empréstimo ao bispo do
Algarve ( João de Melo, bispo de Faro, 1467-1480), que por sua vez pediu
a Alvaro de Bragança e ao banqueiro genovês João Salvago, cujo irmão
virá a ser mordomo de Alvaro de Bragança em Sevilha...
Tendo morrido o bispo do
Algarve, Alvaro de Bragança e Salvago, obtiveram junto do Papa uma breve
que obrigava o arcebispo de Braga a pagar-lhes. D. João II apenas
consentiu que fosse pago Salvago, deixando o prejuízo para o bragança...
Alvaro de Bragança,
significativamente, afirma que sobre este comportamento do rei se
queixou a três pessoas: Ao barão de Alvito- João Fernandes da
Silveira, cujo filho (Fernão Afonso da Silveira) andava
exilado em Espanha, e acabou assassinando a mando de D. João II em
França (8/12/1489); ao Doutor Nuno Gonçalves membro do desembargo juiz dos
feitos do rei, interinamente chanceler-mor, e chanceler da casa civil;
ao Doutor João Teixeira, chanceler mor de D. João II. O objectivo
era mostrar a impunidade que reinava em Portugal.
Este episódio serve para
reforçar as escandalosa cumplicidade de D. João II com o bispo-conde,
que esteve na base da acusação de conspiração dos braganças. Em
Fevereiro de 1482, João Galvão queixou-se a D. João II das palavras
ofensivas que o marquês de Montemor-o-Novo lhe dirigiu quando se
alojou nesta vila. O rei reuniu o Conselho e desterrou João de Bragança
para norte do Tejo. Em Castelo Branco, o marquês enviou uma suplica aos
reis católicos em termos difamatórios para o rei português, que quando
soube não o perdoou. A acusação de traição começou aqui.
Alexandre Herculano, acusa
João Galvão de em conluio com irmão cronista, terem falsificado documentos para sustentarem o célebre "Milagre
de Ourique". (5)
Suspensão de Privilégios da
Nobreza em Portugal. Preocupações de Colombo em Castela.
No "final" da carta
evoca
a revolução que D. João II operou na ordem social do reino. O estatuto, privilégios
e rendas dos nobres foram todos suspensos, incluindo aqueles que eram
baseados em tradições imemoriais (usos e costumes). A prática
seguida pelos reis até este monarca, segundo Alvaro de Bragança, havia consistido numa confirmação geral por
uma só carta e por uma cláusula geral.
D. João II impôs a obrigação dos nobres
apresentarem os documentos sobre todas as doações e privilégios que lhes
haviam sido concedidos, para que ele decidir, caso a caso, se os mantinha ou suspendia
definitivamente.
Os privilégios da nobreza tornavam-se assim totalmente dependente da vontade de
cada rei.
A Carta de Alvaro de
Bragança insurge-se contra esta faculdade do rei poder suspender os
privilégios da nobreza, sempre que se iniciava um novo reinado. Os
privilégios uma vez concedidos eram para ser mantidos. A intervenção real
devia limitar-se um mero ato simbólico na sua confirmação.
Esta era a questão que
mais preocupou Cristovão Colombo quando chegou a Castela, e se propôs
dar aos reis católicos as Indias. As longas negociações que conduziram
às Capitulações de
Santa Fé (17/4/1492) procuraram não apenas definir os seus privilégios, mas
também a garantia da sua inviolabilidade.
Assegurou então o
almirantado (almirantazgo) vitalicio e hereditário, e pouco depois
conseguiu que os reis lhe desse os cargos de vice-rei e governador,
também a título vitalício e hereditário, o que contrariava as leis
aprovadas nas Cortes de Toledo de 1480,
que proibia a transmissão
hereditária dos cargos públicos. Apesar disso conseguiu que o carácter
hereditário destes cargos voltasse a ser confirmado na Real
privilegio de 30 de abril de 1492. Após o seu regresso da América,
consegue uma nova carta de confirmação datada de 28 de maio de 1493.
Quando estes os seus
privilégios começaram a
ser postos em causa, Alvaro de Bragança veio publicamente em socorro de Colombo.
Foi solicitado aos reis católicos a confirmação das Capitulações de
Santa Fé, nomeadamente do carácter vitalício e hereditário dos sus
cargos de
almirante, vice-rei e governador,
o que lhe foi concedido (23
de abril de 1497). Alvaro de Bragança conseguiu ainda que lhe fosse
possível estabelecer o morgadio (22 de Fevereiro de 1498). A
ampla divulgação do seu Livro de Privilégios insere-se nesta
tentativa de garantir por todas as formas, que os seus privilégios não
seriam suspensos como acontecera à nobreza em Portugal.
Depois da sua prisão, em
1500, tentou obter um protecção internacional através do Banco S. Jorge de
Génova, a transmissão dos seus títulos e rendas para o seu filho Diogo
Colon. Alvaro de Bragança tornou-se então, formalmente, o seu
representante junto da corte espanhola.
O monopólio das Indias que
Alvaro de Bragança conseguiu estabelecer para Colombo, ir-se-á revelar
insustentável a partir do inicio do século XVI.
Justificação para os Privilégios
de Colombo
A argumentação da carta de
Alvaro de Bragança torna mais clara a razão porque Colombo referiu a sua
presença aquando das negociações
do seu morgadio (1498), mas também porque, quando foi preso (1500) e
lhe começaram a retirar privilégios o nomeou seu representante...
Existia uma total sintonia e
cumplicidade entre
eles.
A carta de Alvaro de Bragança,
em Espanha, passou estar associada aos testamentos e privilégios de Colombo.
O seu conteúdo não apenas serve como
justificação da atitude hostil da nobreza face a D. João II, mas também exprime
a posição do próprio Colombo face ao roubo que os reis espanhóis lhe
estavam a fazer anulando privilégios concedidos.
Em pelo menos dois
manuscritos espanhóis a carta de Alvaro de Bragança acompanha textos
atribuídos a Colombo sobre os seus privilégios:
- Tratado de los Caballeros Portugales
, de Francisco Medina y Nuncibay (1557-1637),
manuscrito, HM1546, da Huntington Library, em San Marino, Los Angeles.
- "Asuntos Varios de la
Santa Sede y Eclesiasticos", manuscrito 1610 (séc. XVII), da Biblioteca
Nacional de Espanha. O "memorial a modo de Testamento de Dum Cristobal
Colom, almirante das Indias, Valladolid, 19 de Mayo de 1506", é
acompanhado da "carta de don Albaro de Portugal, primer conde de Gelbes,
al Rey don Juan de Portugal".
Medina y Nuncibay, como já
referimos, acrescenta neste ponto um dado significativo, a ordem que os
documentos deveriam ser colocados:
"Se Por luego el memorial y el
codiçilio del almirantge don Xpoual colon y tras ello La Causa de auer venido a
castilla esta Rama de la casa de vergança y La Carta que el S.or Don aluaro
escriuio al Rey don Juan el .2.o de portugal. y La que al dho Don Aluaro scriuio
El Rey don manuel." (fólio 111 v).
Não
sabemos o que Alvaro de Bragança terá escrito a D. Manuel I, mas seria
certamente um documento importante para Cristovão Colombo o guardar no
seus arquivos pessoais, e ser colocado a "fechar" os vários documentos
que foram transcritos.
Conclusão ?
António Caetano de Sousa, no
século XVIII, já tinha reparado que a carta de Alvaro de Bragança lhe
parecia incompleta: "Parece, que não está acabada".
Antes dele, Medina y Nuncibay
tinha sido mais afirmativo dizendo que a carta não tinha a conclusão. A
sua explicação para esta omissão é muito interessante: a conclusão devia
ser muito "aspera" para D. João II e por isso teria sido suprimida.
O povo português, afirma
Nuncibay, não toleraria semelhante afronta ao seu rei por parte dos
braganças, aliados que estavam com os castelhanos: "y
los portugueses maiormente la gente plebeya y mediana no solo aman a
este Rey don Juan sino que le tienen por santo. y basta para ellos aver
sido enemigo de los Reyes de castilla y de sus ami gos para que ellos le
tengan por tal." (fólio 176 v.)
Carlos
Fontes
Carta
Carta, que o Senhor D.
Alvaro
escreveo a EIRey D. Joaõ II. no
tempo , que efíava em Caßella,
para onde paffou por cauja da morte do Duque D. Fernando II. na qual
trata dos aggravos, que delRey
tinha recebido. Achey-a no Cartorio da Cafa
de Bragança. (1)
Grafia ainda não corrigida
Eu
folgara bem de efcufar
de efcrever nada a V. S. affi
porque naõ queria dizer quanto devia pera
dar conta ao mundo de quanto e em quantas
coufas V. S. tem errado contra mim, como porque naõ poffo difer taõ
pouco quam pouco he mifter de dizer a V.
S. ante quem a verdade, e a boa rezaõ taõ pouco preftão: majormente que
elle fabe milhor que ninguem quam grandemente
contra mim tem errado, e quanto lhe eu tenho mais merecido
de merce que de
agravos, indaque o contrario queira ora moftrar que cuida fegundo
as obras que contra mim faz. Emperoo Senhor porque hora me diferaõ que
V. S. mandara la por editos contra mim, inda que para ante V. S.
refertar meu direito fera bem efcufado; pareceome emperoo rezaõ
de fazer efta, por nаõ parecer que em me
calar confinto, e tambem por proteftar aquillo
que devo por confervaçaõ de meu
direito, e inda que a rezaõ de mim guarde
pera dar ante quem devo emperoo darei em efta aquillo que naõ poffo
efcufar.
Eu naõ fei mais fenaõ que como diffe me differaõ
que em Portugal fe puferaõ editos contra mim fem faber em
que forma nem fobre que, porque V. S. por
fazer voffos feitos de pagam a candea
como coftumais, e ninguem vos naõ pode refertar nada, mandaftes affi
guardar os portos, e defender que fe naõ efcrevefem
de Portugal a nenhum , juntando ifto com
quam pouco hörnern folga de ouvir as
novas que fabe defe Reyno, eu o naõ foube doutra maneira nem mais cedo,
emperoo cuido que tudo fera fundado ou ñas culpas que V. S. mandou
moílrar ao Conde dolivença em Abrantes que dizeis que contra mim
achaveis, ou nas que depois me enviou o dito Conde per voffo mandado a
Çafra per letra do Doutor Joaõ Teixeira. E certo Senhor fe eftas faõ as
coufas de que me mandais acufar , mais
rezaõ me parecerá dar V. S. a mim rezaõ porque me tinha tomada minha
fazenda, do que era mandardefme citar por taes coufas pois V. S. fabe
tambem quam grandes mentiras faõ, e que naõ faõ ellas, as porque me foi
tomada minha fazenda o que efta claro por muitas rezões.
Primeiramente
porque V. S. naõ me pode culpar nos cafos em que quifeftes culpar meus
Irmaõs porque pois V. S. tem confeffado, e afti o diffe ao Bifpo
de Liaõ, e a Guafpar Fabra que dos cafos
paffados de meus Irmaõs me achaveis fem
culpa, e afli o mandaftes dizer a mim per
o Conde Dolivença que de vofla parte me
enviou dizer quando cheguei a Çafra, e affi he verdade que V. S. nunqua
achou nem achara contra mim coufa em que me pofla culpar, porque todas
as inquiriçoes que fobre os ditos cafos mandaftes tirar, como vos prouve
no que a mim toca va, mandaftes moftrar ao Conde dolivença , e eu tenho
o treslado diflo, e fem embargo de ellas
ferem feitas como fabe, emperoo em ellas паб fe achou coufa porque me
poffais dar culpa.
E que queira V. S. dizer que me tomou a iî minha
fazenda me vim aqui a Corte delRey, e da Rainha noffos Senhores tendo
vos mandado dizer que me faiffe fora de
todos os Reynos, e Senhorios de Suas
Altezas. Efta efcuza naõ pode V. S. dar porque antes
de eu ifto fazer, e antes
de partir de
Portugal vos dixeftes ao Conde dolivença quando o mandaftes
chamar em Abrantes, que porque vos naõ fíaveis , e pelas fofpeitas que
de mim tinheis me querieis tomar minha
fazenda, e fomente ma deixar ter em quanto foffe voffa merce naõ tendo
V. S. outra coufa, nem prova fenaõ as fofpeitas que
de mim querieis tomar que о que tinheis,
como dixe, loguo lho mandaftes moftrar, e eu tenho о treslado , e nao
diz nenhuã coufa de que fe me deva dar
culpa, e que alguã coufa differa pouco devia de
baftar o teftemunho fó Da..... Vaz pera eu fer condenado, e
tambem antes de eu pera aqui vir indo meu
caminho, e fendo ja em Barcellona me enviou difer V. S. como
determinaveis de tomar minha fazenda, e
fomente me dar hum conto e duzentos mil reis cada anno pera me manter
efe tempo que me mandaveis dizer que andaffe fora deftes Reynos. Pois
naõ eftava em rezaõ que ainda que eu fempre muy bem cumpriffe voffos
mandados, e ainda entaõ os quifeffe cumprir que o ouveffe afi
de fazer em conhecer que me avia por
culpado no que naõ tinha culpa, e contentarme de
receber pena fem a merecer , e com jufta caula me parece que
tinha rezaó de volver a bufquar quern me
remediaffe como fis.
Nem tambem fe pode efcufar V. S. em dizer que ma
tomaftes pelo teftemunho que me enviaftes moftrar efcrito per maõ
de Joaõ Teixeira do que dizeis do que
diffe D. Vafco, e o Tinoco, porque como digo ja dantes que elles aquillo
teftemunhaffem ma tinheis tomada , e mais o que elles differaõ efta
claro que he mentira, e naõ faz nada contra mim, ca o que o Tinoco diz
naõ he nada, e o que dis D. Vafco que lho diffe D. Guterre, e he certo
que eu em efte tempo nunqua vi D. Vafco, nem D. Guterre, nem Ihe falei,
nem creo que al digaõ, pois fe D. Guterre diz que o ouvio a alguem que
lho difeffe, que mo ouvira , certo he que tal teftemunho contra mim naõ
me fas nada porque eu deva de receber
pena , quanto mais fendo taó grande mentira como he, porque hi naõ avera
nenhum Cavaleiro que diga que me tal ouvio, que lhe eu naó defenda, ou
faça conhecer como devo, que mente muy faifa mentira , quanto mais que
as coufas que elle dixe faó tais que qualquer entendido que as vir
conhecera logo claramente que quando eu em tal cafo ouvefe
de entender naõ avia
de fer com tais civildades nem per tal
maneira como elle dizia, mormente que à voífa maõ foraõ ter todas as
cartas que eu efcrevi a Portugal por tres , ou quatro vezes indo caminho
de Barcelona, e afi outras que
de la efcrevi a Rainha noffa Senhora e fe
eu em tais coufas tivera o penfamento, de
rezaõ parte délias fe ouveraõ de achar
ñas ditas cartas.
Eu nаõ digo ifto fenaõ por refponder aquellas
coulas em que por ventura me quer V. S. dar culpa, porque na verdade
depois que eu fahi de Portugal, e vos
dixeftes, que me querieis tomar minha fazenda fem
porque, alem de
outros infinitos agravos , e injuftiças muy grandes que
de vos tinha recebido, naõ me parece que
pudera fazer coufa inda que fora de vofo
ferviço em que errara, porque obrigado era a bul car remedio
de tais coufas por todas as maneiras que
eu pudefe, e por ifo fe eu alguá coufa
fis, ou fizeffe em efte tempo naõ me avia de
defculpar della falvo efta, ou outra femelhante por naõ fer
verdadeira como efta naõ he.
Affi que bem claro efta que V. S. naõ me tem a
minha fazenda por culpa que contra mim achaffe nos cafos, em que
quifeftes culpar meus Irmaõs, porque na verdade nao a achaftes, e vos
naõ podéis dizer o contrario porque afi o confeffou V. S. aos
Embaixadores, e enviaftes a mim, como acima dito he, nem ifto mefmo, ma
tomaes pelos teftemunhos das outras inquiriçoes nem por me naõ ir fora
deftes Reynos como vos ordenaveis, porque ja dantes ma tinheis tomada,
tomaftela por folgar de aver o meu , como
ouveftes a dos outros, e quereis bufcar achaques como bufcaftes a elles.
E que affi fora que com rezaõ, e juftiça me
podeffeis tomar o meu, que rezaõ pode V. S. dar para tomar a minha
molher o feu, ca vos lhe naõ podeis dar culpa, nem a tem, e fe a eftes
Reynos veo, veo por voffa licença, fegundo tem por voffo affinado, fem
exceder mandado que mandaftes ca hum voffo Contador veo com ella ate o
extremo que todo vio por fer de todo
teftemunha o qual veo por voffo mandado.
E que affi foffe, e
a minha molher tomafteis o noffo que rezaõ tem V. S.
de tomar a minhas filhas o
de fua mãy que por direito, nem lei do
Reyno naõ podeis tomar, nem iflb mefmo
lhe podéis tomar as rendas de Beja, que
cu tenho bom privilegio de ainda que
aquelles que as tiver as perca por qualquer cafo , que toda via paffem
ao herdeiro, que as avia de fucceder.
E certo Senhor naõ pode V. S. tanto encubrir o
fundamento que faz eftas couzas, que no modo que em ellas tem naõ dê bem
a entender ao mundo o porque as faz, e ao menos naõ
podera V. S. negar como vos fempre fervi
fazendome V. S. em ves de me agalardoar
com merce tantos agravos que feriaõ largos de
contar , emperoo por moftrar mais claramente a rezaõ que tenho he
forçado que diga alguns delles, porque
todos fera muito V. S. fabe bem como vos comecei a fervir
de pequeno, e fempre me cheguei mais a
voffo ferviço, e a vos que a nenhum outro fazendovos muitos ferviços
affinados alem dos que a vofo pay fiz , os quaes efeufo
de dizer porque difto quero deixar o
cargo aos outros que o fabem, e V. S. que mos tambem, lembrou o dia que
prenderles o Duque meu Irmaõ, e como quer que de
pequeno me fempre dixeftes que todo me conhecieis, e me avieis
de fatisfazer muy bem, moftrandome muitas
vezes que me tinheis mais afeiçaõ que a nenhum outro rogando a Deos que
vos trouxeffe a tempo para afi mo moftrar por obra; tanto que foiles
hornera , mem, e em tempo
de mo pagar logo começaftes
de vos aver comigo todo ao revés do que
ate entaó tinheis moftrado, e parecendovos que devieis
de aver vergonha
de me naõ pagar a obrigaçaõ que me tinheis, me dixeftes em
Coimbra que me querieis dar duas Villas
voffas que tinheis entre douro, e minho e depois
de mas terdes prometidas tornaftefvos a efcufar
de cumprir comigo dizendo que a voffo pay
naõ aprazia iffo fendo certo que o dito voffo pay me fez mores merces
que aquella em que fe moftra que naõ foi por fua culpa, mas pela voffa.
O porque depois me comecei da chegar a EIRey voffo
pay, e fervilo, EIRey por fe achar de mim
por bem férvido me começou de amoftrar
boa vontade, vos tomaftes difto taõ grande nojo
que o naõ podieis fofrer, e tendome EIRey prometido a Villa
de Portalegre quando vos foftes, onde vos
vos mais ferviftes de mim do que ainda
dantes vos tinheis férvido: fobre tudo naõ quifeftes confentir que voffo
pay me deffe a dita Villa moftrandolhe que o fazieis por eftar no
eftremo, e naõ fiardes de mim e
concertaftes com voffo pay que a Villa de
Cartel Rodrigo que ma tambem tinha dada ma tiraffe, e a deffe a Joaõ
Dilhoa.
E como quer que entaõ porque fe partio V. S. para
Portugal, e por aquillo que me eftorvaftes vos foi neceffario dizer a
voffo pay que otorgarieis qualquer outra couza, dizendovos
logo voflb pay, que me quería dar torres
novas, e Alvejazere como de feito deu, e
vos porem como foubeftes que voffo pay
mas tinha dadas a requerimento de quern
me queria mal determinaftes logo de о naõ
confentir , e ainda a alguãs peftoas dixeftes que o naõ aviéis
de confentir, porque era torres novas
grande fortaleza, e eftava junto com
outras do Duque, e vos timieis de nos, e
depois que eu vim a V. S. me cometeftes que deixafe toda via a dita
Villa moftrandome que vos mo fatisfarieis, e como quer que eu muito о
fentifle porque fabia como о fazieis, e a forma que aviéis
de ter em me fatisfazerdes outorguei
de fazer о que me mandaftes ; e porque
eftavamos de caminho para a Corte delRey
voflb pay ficamos para la nos concertarmos, e que entre tanto eftivefte
tudo quedo, e ainda que entaõ V. S. moftraffe que eftimava em
grande ferviço polo eu afy em voffas maõs
logo como eu parti antes de me terdes
fatisfeito, foftes dar hum privilegio a Villa perqué a
feguraveis de naõ fe dar a mim.
E depois de V. S.
ter ifto affi feito parecendovos que me tinheis ja lançado da Villa
começaftes de me por duvidas na
fatisfaçaõ, e fem embargo de os que vos
mandaftes que entendefem nifto comigo acordaraõ о que fe me avia
de dar vos naõ
quifeftes eftar por ifto, e tantas perrarias me fizeftes nifto,
que de todo me tinheis já defpedido
de me dar nada ; falvo que EIRey voflo
pay fe meteo niffo , e com tudo naó pode
comvofco fazer fenaó que de certos
lugares que vos mefmo me daveis em fatisfaçaô daquillo vos me deixaftes
hum delies a que chamaõ Mira , e com tudo eu aceitei como V. S. xjuis
por acabar, e depois de ferem feitas as
doaçoes affinadas, e affelladas tornaftefme a tomar outro lugar que
chamaõ Pereira, dizendo do que mo
querieis tomar por quanto o Conde
de abrantes que tinha о Cartel lo
de torres novas mo deixara por outra
merce, que lhe voflo pay por ifo fez, e V. S. por colorar о que niflb
querieis fazer, difeftes que naõ querieis confentir na merce que fizeraõ
ao Conde por ó Conde requerer que lhe tornaftem o Caftello, e vos
tomardes a dita Villa de Pereira , e
temendo vos que por ventura o Conde toda via quereria eftar pelo partido
que tinha feito, e naõ requereria que lhe tornaffem o dito Caftello,
dixeftes a D.Francifco feu filho que lhe dixeífe que em nenhum cafo
fizefte partido comigo fobre o dito Caftello.
E tendo eu falado com V. S. que queria cafar com a
filha do Conde dolivença, e vos tendome dito que
vos prazia difto muito, e tendome dada carta pera o dito Conde
de como vos prazia , e tornaftes logo por
outra parte a enviar dizer ao dito Conde que de
nenhuã maneira fizefte o dito cafamento, e fizeftes com o Bifpo
feu irmaõ do Conde que enviafte dizer ao Conde por Francifco da Gama,
que em nenhum modo o fizefte cometendolhe outros cafamentos com o Conde
de Marialva ou filho do Conde
de Villa Real.
E quando vio V. S. que com aquillo nao tornaveis o
dito cafamento , e enviaftes ao Conde Auguftinho Caldeira corn crença
voffa a dizerlhe que em nenhum cafo fizeffe o dito cafamento, e o Conde
refpondendovos que lhe defeis hum voffo alvara affinado que lhe
defendieis que o naõ fizeffe, e que o desfaria porque ja tinheis dada
tal palavra que fe naó podia efcufar com al, e vos entaõ por fe a coufa
naõ defcubrir calaftefvos, e fe fez o cafamento com voffo prazer, e ifto
foube eu depois que fui cafado pola Condeça que mo dixe, e por minha
molher.
E depois de affi
fer feito o dito cafamento onde dantes V. S. coftumava moftrar boa
vontade ao Conde, e dahy a diante por refpeito
de mim começaftes de lhe fazer mil
agravos os quaes eu fentia mais que meus
proprios, e tirafteslhe о officio de
guarda mor, e tiroulhe V. S. os privilegios do bairro Devora, e
tomafteslhe a renda das facas Dolivença que tinha, e favoreceftes tanto
hum rapaz de hum efeudeiro dolivença
contra o dito Conde que teve coraçaõ pera lhe fafer mil foberbas, e
injurias fem o Conde oufar pelo favor que o outro tinha voffo tornar a
ifto , e dividas que lhe V. S. devia que lhe voffo pay tinha mandado
pagar todas lhas embaraçaftes; e na Capitania de
Tangere que tinha lhe fizeftes cem mil agravos que feria longo
de contar.
E como V. S. foube que a Condeça dolivença era
falecida logo procuraftes bufcar cafamentos para o dito Conde fem o
mefmo Conde o faber, pera ver fe o poderieis por ali embaraçar a herança
do dito Conde que a naõ herdaffe eu avendo o dito Conde filhos: tanto
que a Condeça de Penella fem o Conde
diffo faber parte, requereftes cafamento pera cafar com o dito Conde, e
aa derradeira vos mefmo per vos o cometeftes ao dito Conde, e dixeftes a
alguas peffoas que tudo fazieis por me desherdar. E porque o dito Conde
tinha a Villa dolivença, e vos parecia que eu devia
de efperar por fuá morte,
morte, defies hum privilegio a dita Villa em que lhe prometefte que а
паб defeis mais a ninguem.
E eftando eu para a morte , e vindo vos recado que
era morto vos moftraftes claramente que vos prazia
de minha morte.
E tanto que EIRey voflo
pay faleceo tendo eu о officio de
Chançarel mor V. S. me tirou logo de
porte délie , emperoo que muitas vezes requereffe, e vos alegaffe, como
vos mefmo me tinheis outorgado afy como voflb pay V. S. fem embargo
de todo me trouxe cinquo, ou feis mefes
fem mo querer dar, e ifto tudo porque o tinheis dado ao Doutor Joaõ
Teixeira, e depois que viftes que vos паб podieis efcufar
de mo dar cometefteme que vo lo vendefe
para o dar ao dito Doutor, e porque vos pedi que pelo que pertencia a
minha honra que mo quifefeis toda via dar, e depois eu faria o que vos
mandaíTeis, me conftrangeftes a fervir o dito officio per mim onde eu
foya a ter hum Doutor que por mim o fervia , e faziame V. S. ver todas
as cartas, e ter o facco a porta. E fazendo todo por me abater, e me dar
opprefoes porque me fofle neceflario deixalo e como quer que eu defpois
vos quizeíTe fazer partido delle , porque via que tinheis vontade,
nunqua V. S. me quis dar fenaó taó pouco que antes eu o queria deixar
debalde, e vos nao querieis, que fofle fienaó por onde vos querieis,
mandándome dizer claramente por Gonfallo Vaz Regedor da juftiça
de Lixboa que fe eu aíy o naó fazia que
vos me farieis niíío tantos agravos ate que mo fizefeis deixar contra
minha vontade.
E tendo eu huã demanda com o Arcebifpo
de Braga que era meu imigo , e
queixandome diffo a V. S. e requerendovos direito, e juftiça vos nunqua
quifeftes fazer.
E como quer huã vez defeis
determinaçaõ no dito cafo, e o mandafte dizer V. S. por Fernaõ
de Figueiredo ao Arcebifpo, porque o
Arcebifpo difto naõ foi contente a tornaftes a revogar. E como
quer que depois muitas vezes vos eu
requereiTe juftiça queixandome de vos
porque ma denegaveis dizendcme vos claramente que nao querieis anojar o
Arcebifpo pelo meu : da quai coufa eu huá vez tomei por teftemunha o
Baraõ Dalvito , e o Doutor Joaõ Teixeira, e o Doutor Nuno Gonçalves em
torres novas queixandome a elles como V. S. me denegava juftiça por
fazer favor a hum meu imigo.
E por quanto eu empreftei certos dinheiros ao
Bifpo do Algarve pera expedir as letras do Arcebifpado
de Braga, e ficou tambem por fiador hum
genoes que chamaõ Joaõ Salvajo porque o dito Bifpo morreo, e o dito
genoes, e cu ouvemos breve do Papa para ferem pagos do dito Arcebifpado,
e V. S. cerno o foube que aquillo me relevava tanto por me lançar em
perda, e por favorecerdes ao dito Arcebifpo de
Braga meu imigo centra mim fem embargo do Breve do Papa, e fem
embargo de hua carta delRey voflo pay que
Déos aja perqué prometía ao dito Bifpo
de fazer paguar as ditas dividas, e fem
embargo de V. S. ter prometido ao dito
Bifpo de as fazer pagar , vos
favorecerles tanto ao dito Bifpo , que nunqua foraó pagas te que o dito
Joaõ de Salvajo pela parte que a elle
tocava fe conveo com o Arcebifpo, е fez com elle outro caimbo a fua
vontade, emperoo eu nunqua ouve nada do meu. :
E no officio do regimento
de juftiça me fez V. S. mil
agravos tirándome os poderes que tinha, moftrandome claramente
que nao fiaveis de mim fervindoo
eu taõ fielmente que todo o Reyno diffo era contente.
E huã Capella de
Tentuguel que eu tinha per Carta
de voffo pay, vagou, e V. S. deu a hum efcudeiro
de voffa Tia D. Fellippa; e como
quer que vos eu mande alegar o direito que niffo tinha, e me V.
S. mandafte dizer pelo Baraõ que naõ faria niffo nada ate me naõ
ouvir, e ter a direito, tornaftes logo a mandar meter o outro
de poffe, fem me nunqua mais
quererdes ouvir, nem ter a direito.
E me mandarles prender certos rendeiros
de Beja porque penhoraraõ hum
alfayate voffo per mandado da juftiça por certa divida que Ihes
devia , emperoo que eu diffo me queixaffe a V. S. nunqua os
quifeftes mandar foltar ate que tornaraõ a pagar ao alfayate o
que per direito Ihe tinhaó julgado a elles dizendovos fobre ifto
muy mas palavras a mim, e dizendome no rofto que porque a
mim me confentiaõ que tiveffe a jurdiçaõ
de minhas rendas fe feguiaõ taes erros, o que eu muito
fenti, e devia de fentir.
E alem defies agravos, e outros muitos
desfavores, e defprezos que hörnern fente muito mais do que pode
dizer que eu de V. S. tenho
recebidos, em particular recebi tambem os que a todos fizeftes
em gérai, dos quaes deixando todos os outros quero fomente dizer
alguns dos que a mim muito
tocaraô que V. S. logo em começando de
reynar determinaftes.
E determinaftes de
enviar voffos Corregedores entrar em noffas terras, e
pofto que vos eu moftraffe privilegio felado com felo
de chumbo о qual me vos tinheis
confirmado, e jurado per voffa
fee Real, pela Carta do efcaimbo
que com V. S. fiz de torres novas
fem embargo de nao fer contrato a
nao quifeftes guardar, antes em quebrantamento della, e das
outras que os outros tinhaõ, e dos ufos , e eoftumes que fempre
ti vemos, fem neceffidade que para ello tiveffeis fomente por
nos fazer mal as quebrarles, fem fobre iífo nos querer mais
ouvir, nem boas rezoes inda que nos para ello deffemos,
moftrando nos claramente como nos em muitas das noffas terras fe
fazia milhor juftiça que nas que entravaõ voffos Corregedores,
dandovos muitas vezes forma, e meyo como em todas fe
podeffe milhor miniftrar juftiça
guardando voffo ferviço fem quebramento
de voffos privilegios, em que fe bem moftrou que V. S. o
fazia mais por fazer mal que com outro zello nenhum bom; e por
milhor executardes o que querieis logo determinaftes
de naõ confirmar as doaçoes, e
privilegios, e Iiberdades dos Senhores , e fidalgos, fem os
verdes todos pello mcudo o que era coufa para fe nunca acabar,
nem fe fazer cm nenhum tempo pelos Reys dante vos, fomente
confirmavaõ todo por huä fó Carta, e per
claufula geral. E pofto que fobre ifto foffem feitos а V.
S. afas de requerimentos, e
pedido que o quifeis emendar nunqua
nunqua o quifefte fazer, antes os mandaveis todos tirar
de poder dos Senhores, e por em
mãos de hum voffo efcrivaõ que
para ifto fizeftes, ficando elles defapoffados
de todos os privilegios que
tinhaõ, e fe tornavaó todos pera fuas cafas porque V. S. naõ
defpachava nenhum, e afli recolhieis tudo a voífa maó para os
defpachar, ou quebrar quando quifefeis, e a quem quifesteis.
E logo publicou que todos os privilegios
dos Reys paffados naõ valefem nada, e que todos fe acabavaõ per
morte do Rey, e que tudo eftava em voffa maõ
de o dar, e tirar como quifefeis,
e affi o começaftes logo a moftrar per obra, porque alguns que
defpachaveis em huns tiraveis a jurdiçaô, em outros a renda, em
outros os privilegios, e afli tiraveis, e metieis claufulas
de novo como vof aprazia, e
outros rompieis de todo fem mais
os verem as partes de guifa que
de ventura fe achara efcritura
civel que V. S. naõ grofaffe em pouco, ou em muito e ifto mefmo
fizeftes ñas que vos mefmo tinheis feitas, e confirmadas fendo
vos Principe dizendo que ja naõ valiaõ nada, porque eréis ja
outro homemn que entaõ eréis Principe, e agora eréis Rey.
E determinaftes que naõ podeffem dar
cartas de fegurança em mortes
de homens tendo nos difto
privilegios, e fentenças. E determinaftes
que nenhum Senhor pudeffe ter
Ouvidor em nenhum feu lugar mais de
quinze dias, e que paffados os quinze dias logo fe
partiffe dali, ou naõ ufafe mais
do officio, e affi que naõ conheceffem
de auçoes novas, nem dos agravos que fahiffem dante os
Juizes por onde de ponto em
branco tirava V. S. aos Senhores toda a jurdiçaõ
de fuas terras, efpecialmente aos
Duques, e a feus Irmãos que fobre eftes cafos tinhaõ mais fortes
privilegios.
Parece,
que naõ está acabada.
|
Carlos
Fontes
| |
Notas:
(1) versão publicada por António Caetano de Sousa - História Genealógica da Casa Real Portuguesa", 1746,
Tomo V, Provas Livro IX.
(2) "Los Reys catolicos le envíaron por
embaixador al rey de Portugal con la noticia de la príson del Duque de Vison,
para templar al rey don Juan Segundo; pero yá, quando llegó, havia muerto al
duque el mismo rey por su mano, y asi Don Iñigo solo pude consolar en nombre de
los reys à la Infanta Doña Beatriz, madre del Duque", p. 377, Catalog de Los
Obispos de Cordoba, Cordoba, 1778, Tomo I,
(3)
(4) Cunha, Rodrigo da Cunha - História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga
...
(5) Alexandre Herculano...
(6) Alvaro de Bragança nunca trata D. João II por
rei, usa apenas as iniciais - "V. S".
Reserva a palavra "ElRey" para D. Afonso V e
Fernando de Aragão. Os reis católicos são também tratados por "Suas Altezas". O
nome de "Rainha" é usado para D. Leonor de Lencastre, rainha de Portugal, e
quando se refere a Isabel, a Católica.
Na hierarquia das referências surgem a seguir os
grandes títulos, sem necessidade de mencionar o nome: Papa, Arcebispo de Braga,
Bispo de Leão, Bispo do Algarve, Duque, Condessa de Olivença, Conde de Olivença,
Condessa de Penela, Conde de Abrantes, Conde de Marialva, Barão do Alvito.
Alguns não têm nome, mas são associados a
títulos: irmãos do Duque, filho do Conde de Vila Real, etc.
Temos nomes precedidos de "D." (Dom) ou "Doutor".
Na escala mais baixa temos apenas simples nomes
"Tinoco" ou ainda mais anónimos "Contador", "Alfaiate" ou "certos rendeiros de
Beja".
(8) João Teixeira, doutor e escudeiro do Infante
D. Henrique, membro do conselho régio e cavaleiro da casa real, desempenhou o
cargo de desembargador do Paço e das petições e agravos (desde 1466). Em 1475
torna-se vice-chanceler e, em 1484, chanceler-mor. Fez parte dos juízes que
julgou o Duque de Bragança.
(9) Guiomar de Sá (?-1532) era irmã do cónego
Gonçalo Mendes de Sá, e tia do poeta Sá de Miranda. Teve dos filhos de João de
Galvão, bispo de Coimbra. Sobre este amores Camilo Castelo Branco escreveu um
saboroso texto - Sentimentalismo e História, E. Chardron. 1881
(10) Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa, vol.12, p. 182-83.
(11) Alvaro de Bragança está particularmente bem
informado sobre os burocratas régios nos reinados de D. Afonso V e D.João II,
sendo os mesmos particularmente citados nesta carta: João Teixeira (Doutor),
João Galvão (arcebispo), João Fernandes da Silveira (doutor, barão do Alvito),
Nuno Gonçalves (Doutor), Agostinho Caldeira, Gonçalo Vaz (regedor de
justiça), Fernão Figueiredo, etc.
Para uma análise sistemática destes burocratas,
nos quais se insere o próprio Alvaro de Bragança, consultar:
- Freitas, Judite A. Gonçalves de. «Teemos por
bem e mandamos». A burocracia régia e os seus oficiais em meados de Quatrocentos
(1439-1460). 2 vols., Cascais: Patrimonia Historica, 2001
-
Almeida, Ana Paula Pereira Godinho de - A chancelaria régia e os seus oficiais
em 1462. Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de
Mestrado, policop., 1996
- Borlido,
Armando - A chancelaria régia e os seus oficiais em 1463. Porto:Faculdade
de Letras - Universidade do Porto, dissertação de Mestrado, policop., 1996
-
Monteiro, Helena Maria Matos - A chancelaria régia e os seus oficiais
(1464-1465). 2 vols., Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto,
dissertação de Mestrado, policop., 1997
-
Carvalho, António Eduardo Teixeira de - A chancelaria régia e os seus oficiais
em 1468. Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de
Mestrado, policop., 2001
- Capas,
Hugo Alexandre Ribeiro - A chancelaria régia e os seus oficiais no ano de 1469.
Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de Mestrado,
policop., 2001
- Durão,
Maria Manuela da Silva. 1471 - Um ano "africano" no desembargo de D. Afonso V. 2
vols., Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de
Mestrado, policop., 2002
-
Henriques, Isabel Bárbara de Castro - Os caminhos do Desembargo: 1472, um ano na
Burocracia do «Africano». 2 vols., Porto: Faculdade de Letras - Universidade do
Porto, dissertação de Mestrado, policop., 2001
-
Ferreira, Eliana Gonçalves Diogo. 1473 – Um ano no Desembargo do «Africano». 2
vols., Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de
Mestrado, policop., 2001.
- Brito,
Isabel Carla Moreira de - A burocracia régia tardo-afonsina. A administração
central e os seus oficiais em 1476. 2 vols., Porto: Faculdade de Letras -
Universidade do Porto, dissertação de Mestrado, policop., 2001.
- Mota,
Eugénia Pereira da - Do “Africano” ao “Príncipe Perfeito” (1480-1483). Caminhos
da burocracia régia. 2 vols., Porto: Faculdade de Letras - Universidade do
Porto, dissertação de Mestrado, policop., 1989
- Coelho,
Maria Helena da Cruz; Homem, Armando Luís de Carvalho - «Origines et évolution
du registre de la Chancellerie Royale Portuguaise (XIIIe-XVe siècles)», in
Revista da Faculdade de Letras. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, 1995, pp. 47-74.
- Gomes,
Rita Costa - «A curialização da nobreza», in O tempo de Vasco da Gama, dir.
Diogo Ramada Curto. Lisboa: Difel, 1998, pp. 179-187 | |
.
As Provas do Colombo Português
As
Provas de Colombo Italiano
.
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Carlos Fontes |
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