Carlos Fontes

 

 

Cristovão Colombo, português ?

 

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A Carta de Álvaro de Bragança a D. João II

 

"Carta,  que o Senhor de D. Alvaro escreveu a El Rey D. João II no tempo, que estava em Castela, para onde passou por causa da morte do Duque D. Fernando II na qual trata dos agravos, que del Rey tinha recebido"

 

 

Uma análise da carta revela-nos alguns aspectos surpreendentes da intenções e relações do seu autor.

 

Alvaro de Bragança começa por manifestar a sua inocência em relação à acusação que lhe é feita, afirmando que D. João II sabe disso melhor que ninguém. Interroga-se se valerá a pena defender-se rebatendo as acusações que lhe são feitas. Se ficar calado estará a dar um sinal de aceitação das acusações, mas rebater as mentiras do rei parece-lhe ser uma perda de tempo. Nesse sentido, nunca alude às acusações que o rei lhe faz (6), nem às feitas aos seus irmãos.

 

O seu objectivo é mostrar que D. João II é um mau carácter e mentiroso que lhe fez falsas acusações com o único objectivo de se apossar dos seus bens.

 

O rei começou por comunicar os seus alegados crimes ao Conde de Olivença - Rodrigo Afonso de Melo (c.1430-1487) em Abrantes, que por sua vez os comunicou a Alvaro de Bragança, em Çafra (Castela), através de uma carta escrita pelo Dr. João Teixeira ( 8 ) , o novo Chanceler Mor de D. João II, cargo que antes lhe pertencia.  Nunca menciona as acusações que o rei lhe faz, porque são "grandes mentiras".

 

Prova de Inocência

 

A prova da sua inocência é dada por dois estrangeiros - o bispo de Leão e Gaspar Fabra. A referência a estes nomes é muito significativo. A sua vinda como embaixadores a Portugal é controversa. Uns afirmam que vieram antes do assassinato ( 2 ), em 1484, de D. Diogo, Duque de Viseu e mestre da Ordem de Cristo. Outros que foi depois deste trágico acontecimento.

 

Os dois embaixadores apenas conseguiram consolar a Infanta Dona Beatriz, pela morte do seu filho, e obter de D. João II a prova da inocência de Alvaro de Bragança na conspiração dos seus irmãos.

 

Quem eram estes embaixadores ?

 

O primeiro é Iñigo Manrique de Lara, bispo de Leon (1484-1485) e de Córdoba (1485-1496), ouvidor da Audiência Real de Valladolid.

 

Era sobrinho de Iñigo Manrique de Lara, bispo de Oviedo (1444-1457), Coria (1457-1475), Jaén (1475-1485) e Arcebispo de Sevilha (1483-1485), e entre 1479-1484 presidente do Conselho de Castela, orgão que Alvaro de Bragança irá pertencer e que será igualmente presidente.

 

O segundo, Gaspar Fabra (c.1450-1512), senhor de Barigadu, na Sardenha (1481), era um cavaleiro aragonês, que na sequência da guerra entre Portugal e Castela (1475-1479), ficou com Almansa e Villena que pertenciam ao marquês Juan Pacheco, nobre de origem portuguesa que chefiara o partido de D. Afonso V em Castela.

 

Uma das suas filhas - Angela Fabra y Centelles, casou-se com Sancho de Noronha, 3º. Conde de Odemira, familiar de Alvaro de Bragança, também exilado em Sevilha...

Alvaro de Bragança garante que D. João II disse aos embaixadores que não havia nenhuma acusação que lhe pudesse fazer por envolvimento na conspiração dos seus irmãos. O Conde de Olivença foi informado disto mesmo, e  também lho transmitiu.

A presença do bispo de Cordoba em Portugal poderá ser uma explicação para a demora de Colombo nesta cidade quando "fugiu" de Portugal, na sequência das perseguições de D. João II. Mais

Provas do Rei

As provas da sua culpa foram baseadas no testemunho Afonso Vaz, secretário particular do Marquês de Montemor-o-Novo. Este nome está censurado nas edições da carta em português, e apenas referido na carta que existia no arquivo pessoal de Cristovão Colombo, na Cartuxa de Sevilha, antes de 1609. Mais

Condenado à pena de morte, Afonso Vaz, acabou por ver a pena comutada para prisão perpétua, sendo a sentença proferida no mesmo dia da de Alvaro de Bragança... (3)

As acusações que lhe chegaram a Çafra, onde se encontrava, através da carta escrita pelo Dr. João Teixeira, eram falsas porque baseadas nos testemunhos de  Diogo Tinoco, Vasco Coutinho ou Guterre Coutinho

Diogo Tinoco foi um dos que avisou o rei, através de Antão Faria. A sua irmã - Margarida Tinico - era amante do bispo de Évora, Garcia de Meneses, que lhe disse o que andavam a conspirar. D. João II encontrou-se que Diogo Tinoco no Mosteiro de S. Francisco de Setubal, e deu-lhe uma avultada quantia pela informação. O bispo de Évora acabou morto no castelo de Palmela. Pouco depois, Diogo Tinoco foi assassinado... Alvaro de Bragança, afirma que o que este diz sobre ele, nada é.

Vasco Coutinho foi outro dos que denunciou a conspiração do Duque de Beja e Viseu. O seu irmão  Guterre Coutinho, numa altura em que ele tinha manifestado a vontade de sair de Portugal, pediu-lhe para esperar, pois estavam a preparar a morte de D. João II.  Alvaro de Bragança afirma que o testemunho sobre ele é baseado em Guterre, e este terá dito aquilo que ouviu a outros dizer. Acrescenta que nunca os viu, nem falou com deles. Guterre, como é sabido, acabou morto no Castelo de Avis. Vasco Coutinho acabou nomeado Conde de Borba 1486), e dois anos depois é desterrado para Arzila, onde ascendeu a capitão. D. Manuel I, em 1500, retirou-lhe o título  de Conde de Borba para dar ao Duque de Bragança, nomeando-o Conde do Redondo.

As acusações de D. João II, segundo Alvaro de Bragança, sejam elas quais forem só podem ser falsas, pois são baseadas em supostos testemunhos de pessoas que foram mortas ou foram pagas para o fazerem.

Desconfianças Antigas

D. João II era, segundo Alvaro de Bragança, um rei dissimulado, era frequente dizer em público uma coisa, mas em privado mandar fazer outra. Apesar e servir desde pequeno o rei, então ainda principe, e desde lhe demonstrar em público afeição e reconhecimento, em privado sempre o procurou prejudicar, porque não confiava na sua familia. A consciência desta dicotomia e da importância da "opinião pública" ("entendimento do mundo") está bem presente nesta carta.

A grande preocupação de D. João II, ainda principe, era afastar os braganças das terras de fronteira, dadas as suas ligações a Castela. D. Afonso V prometeu-lhe a vila de Portalegre, mas logo D. João II se opõe a esta doação. Tirou-lhe a vila de Castelo Rodrigo, para dar a João Dilhoa. A sua proximidade da fronteira, na posse dos bragança era um perigo para o reino...

D. João II, procurou também evitar que os seus domínios dos braganças se concentrassem. Nesse sentido tomou-lhe a vila de Pereira (Montemor-o-Velho). Contra sua expressa vontade, deu a capela de Tentúgal (Igreja de S. Miguel Arcanjo) a Lopo Porcalho, escudeiro da casa de D. Filipa, filha do Regente D. Pedro. De forma subtil, esta referência explicita a D. Filipa aponta para uma clara vigança do rei da intriga do Duque de Bragança, que levou à morte D. Pedro na batalha de Alfarrobeira (1449). D. Lilipa (1437-1493), recorde-se, foi quem criou e serviu de segunda mãe a D. João II.

Tentou por todos os meios afastá-lo de Torres Novas, onde existia uma "grande fortaleza", mas também de Alvaiazere, vilas que lhe foram dadas por D. Afonso V.

Alvaro de Bragança evoca como prova destas intenções do rei, o testemunho de Francisco de Almeida, futuro vice-rei da India, e filho do Conde de Abrantes - Lopo de Almeida. Trata-se do testemunho de um cavaleiro da Ordem de Santiago, que também se exilou em Castela e na altura era acusado de estar ligado aos conspiradores...

Perseguição Pessoal

D. João II de forma sistemática procurou prejudicá-lo. Afastou-o do cargo de chanceler mor e de regedor da Casa da Suplicação. Manobrou em privado para que não se casasse com Filipa de Melo, herdeira do Conde de Olivença - Rodrigo Afonso de Melo (c.1430-1487). Consumado o casamento, contra a vontade de D. João II, a ira do rei abateu-se sobre o Conde: tirou-lhe o oficio de guarda-mor (alcaidaria de Évora ?), os privilégios que tinha no bairro de Évora, tomou-lhe a rendas da alfandega de Olivença, rendas na capitania de Tanger, etc.

O rei, encarnando a figura de um verdadeiro tirano, não olha a meios para atingir os seus objectivos: destruir os braganças, ficando-lhes com os seus bens (fazenda).

Favorecimento dos Inimigos

D. João II procurou criar à volta dos braganças clima de ódio e impunidade, favorecendo todos os que se lhe opunham.  Entre as várias situações narradas por Alvaro de Bragança, o caso do João Galvão (Évora,1433- 1485), arcebispo de Braga (1482-1485) e alto funcionário régio (11) é o mais interessante.

Irmão do historiador Duarte Galvão (um provável exilado em Castela), era um acérrimo inimigo dos braganças. D. João II confiou a ele e ao Conde de Vila Real  a missão de receberem das mãos da Infanta D. Beatriz, em 1483, o principe D. Afonso.

De uma familia de burocratas régios, em 1448 ingressa no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Três anos depois, acompanha D. Leonor até à Alemanha, em Siena faz amizade com o futuro papa Pio II. Em Portugal, em 1459 é nomeado prior d de Santa Cruz, bispo de Ceuta (1460), bispo de Coimbra (1460-1481), núncio temporário em Portugal com poderes a letere dado por Pio II (1462-1464), quarto escrivão da Puridade (1465) (10), membro do conselho (1464), vedor-mor das obras e dos resíduos,  Conde de Santa Comba, 1º. Conde de Arganil (1472) e , Fronteiro da Comarca das Beiras (1475), arcebispo de Braga (1482-1485), cargo que se a apropria mas a Santa Sé não o reconhece. Participou em várias guerras: conquista de Arzila e Tanger (1471), Guerras com Castela (1475-76), etc.. Ficaram famosos os seus amores com D. Guiomar de Sá (9).

Homem de confiança de D. João II, na sequência da conspiração do Duque de Bragança, em Agosto de 1483, o seu escudeiro Pero Pinto, tomou posse da fortaleza e couto de Ervededo, no temo de Chaves. Dois anos depois, o rei mandou-a entregar a Vasco Martins de Sousa Chichorro, alcaide mor de Bragança e fronteiro-mor de Trás-os-Montes (4). Um familiar de Vasco Chichorro estava exilado em Castela...

João Galvão conseguiu de forma pouco correcta apoderar-se do arcebispado de Braga, mas para o fazer, pediu um avultado empréstimo ao bispo do Algarve ( João de Melo, bispo de Faro, 1467-1480), que por sua vez pediu a Alvaro de Bragança e ao banqueiro genovês João Salvago, cujo irmão virá a ser mordomo de Alvaro de Bragança em Sevilha...

Tendo morrido o bispo do Algarve, Alvaro de Bragança e Salvago, obtiveram junto do Papa uma breve que obrigava o arcebispo de Braga a pagar-lhes. D. João II apenas consentiu que fosse pago Salvago, deixando o prejuízo para o bragança...

Alvaro de Bragança, significativamente, afirma que sobre este comportamento do rei se queixou a três pessoas: Ao barão de Alvito- João Fernandes da Silveira, cujo filho (Fernão Afonso da Silveira) andava exilado em Espanha, e acabou assassinando a mando de D. João II em França (8/12/1489); ao Doutor Nuno Gonçalves membro do desembargo juiz dos feitos do rei, interinamente chanceler-mor, e chanceler da casa civil; ao Doutor João Teixeira, chanceler mor de D. João II. O objectivo era mostrar a impunidade que reinava em Portugal.

Este episódio serve para reforçar as escandalosa cumplicidade de D. João II com o bispo-conde, que esteve na base da acusação de conspiração dos braganças. Em Fevereiro de 1482, João Galvão queixou-se a D. João II das palavras ofensivas que o marquês de Montemor-o-Novo lhe dirigiu quando se alojou nesta vila. O rei reuniu o Conselho e desterrou João de Bragança para norte do Tejo. Em Castelo Branco, o marquês enviou uma suplica aos reis católicos em termos difamatórios para o rei português, que quando soube não o perdoou. A acusação de traição começou aqui.

Alexandre Herculano, acusa João Galvão de em conluio com irmão cronista, terem falsificado documentos para sustentarem o célebre "Milagre de Ourique". (5)

Suspensão de Privilégios da Nobreza em Portugal. Preocupações de Colombo em Castela.

No "final" da carta evoca a revolução que D. João II operou na ordem social do reino. O estatuto, privilégios e rendas dos nobres foram todos suspensos, incluindo aqueles que eram baseados em tradições imemoriais (usos e costumes).  A prática seguida pelos reis até este monarca, segundo Alvaro de Bragança, havia consistido numa confirmação geral por uma só carta e por uma cláusula geral.

D. João II impôs a obrigação dos nobres apresentarem os documentos sobre todas as doações e privilégios que lhes haviam sido concedidos, para que ele decidir, caso a caso, se os mantinha ou suspendia definitivamente. Os privilégios da nobreza tornavam-se assim totalmente dependente da vontade de cada rei.

A Carta de Alvaro de Bragança insurge-se contra esta faculdade do rei poder suspender os privilégios da nobreza, sempre que se iniciava um novo reinado. Os privilégios uma vez concedidos eram para ser mantidos. A intervenção real devia limitar-se um mero ato simbólico na sua confirmação.

Esta era a questão que mais preocupou Cristovão Colombo quando chegou a Castela, e se propôs dar aos reis católicos as Indias. As longas negociações que conduziram às Capitulações de Santa Fé (17/4/1492) procuraram não apenas definir os seus privilégios, mas também a garantia da sua inviolabilidade.

Assegurou então o almirantado (almirantazgo) vitalicio e hereditário, e pouco depois conseguiu que os reis lhe desse os cargos de vice-rei e governador, também a título vitalício e hereditário, o que contrariava as leis aprovadas nas Cortes de Toledo de 1480, que proibia a transmissão hereditária dos cargos públicos. Apesar disso conseguiu que o carácter hereditário destes cargos voltasse a ser confirmado na Real privilegio de 30 de abril de 1492. Após o seu regresso da América, consegue uma nova carta de confirmação datada de 28 de maio de 1493.

Quando estes os seus privilégios começaram a ser postos em causa, Alvaro de Bragança veio publicamente em socorro de Colombo. Foi solicitado aos reis católicos a confirmação das Capitulações de Santa Fé, nomeadamente do carácter vitalício e hereditário dos sus cargos de almirante, vice-rei e governador, o que lhe foi concedido (23 de abril de 1497). Alvaro de Bragança conseguiu ainda que lhe fosse possível estabelecer o morgadio (22 de Fevereiro de 1498). A ampla divulgação do seu Livro de Privilégios insere-se nesta tentativa de garantir por todas as formas, que os seus privilégios não seriam suspensos como acontecera à nobreza em Portugal.

Depois da sua prisão, em 1500, tentou obter um protecção internacional através do Banco S. Jorge de Génova, a transmissão dos seus títulos e rendas para o seu filho Diogo Colon. Alvaro de Bragança tornou-se então, formalmente, o seu representante junto da corte espanhola.

O monopólio das Indias que Alvaro de Bragança conseguiu estabelecer para Colombo, ir-se-á revelar insustentável a partir do inicio do século XVI.

Justificação para os Privilégios de Colombo

A argumentação da carta de Alvaro de Bragança torna mais clara a razão porque Colombo referiu a sua presença aquando das negociações do seu morgadio (1498), mas também porque, quando foi preso (1500) e lhe começaram a retirar privilégios o nomeou seu representante... Existia uma total sintonia e cumplicidade entre eles.

A carta de Alvaro de Bragança, em Espanha, passou estar associada aos testamentos e privilégios de Colombo. O seu conteúdo não apenas serve como justificação da atitude hostil da nobreza face a D. João II, mas também exprime a posição do próprio Colombo face ao roubo que os reis espanhóis lhe estavam a fazer anulando privilégios concedidos.

Em pelo menos dois manuscritos espanhóis a carta de Alvaro de Bragança acompanha textos atribuídos a Colombo sobre os seus privilégios:

- Tratado de los Caballeros Portugales , de Francisco Medina y Nuncibay (1557-1637), manuscrito, HM1546, da Huntington Library, em San Marino, Los Angeles.

- "Asuntos Varios de la Santa Sede y Eclesiasticos", manuscrito 1610 (séc. XVII), da Biblioteca Nacional de Espanha. O "memorial a modo de Testamento de Dum Cristobal Colom, almirante das Indias, Valladolid, 19 de Mayo de 1506", é acompanhado da "carta de don Albaro de Portugal, primer conde de Gelbes, al Rey don Juan de Portugal". 

Medina y Nuncibay, como já referimos, acrescenta neste ponto um dado significativo, a ordem que os documentos deveriam ser colocados:

"Se Por luego el memorial y el codiçilio del almirantge don Xpoual colon y tras ello La Causa de auer venido a castilla esta Rama de la casa de vergança y La Carta que el S.or Don aluaro escriuio al Rey don Juan el .2.o de portugal. y La que al dho Don Aluaro scriuio El Rey don manuel." (fólio 111 v).

Não sabemos o que Alvaro de Bragança terá escrito a D. Manuel I, mas seria certamente um documento importante para Cristovão Colombo o guardar no seus arquivos pessoais, e ser colocado a "fechar" os vários documentos que foram transcritos.

 

Conclusão ?

António Caetano de Sousa, no século XVIII, já tinha reparado que a carta de Alvaro de Bragança lhe parecia incompleta: "Parece, que não está acabada".

Antes dele, Medina y Nuncibay tinha sido mais afirmativo dizendo que a carta não tinha a conclusão. A sua explicação para esta omissão é muito interessante: a conclusão devia ser muito "aspera" para D. João II e por isso teria sido suprimida.

O povo português, afirma Nuncibay, não toleraria semelhante afronta ao seu rei por parte dos braganças, aliados que estavam com os castelhanos: "y los portugueses maiormente la gente plebeya y mediana no solo aman a este Rey don Juan sino que le tienen por santo. y basta para ellos aver sido enemigo de los Reyes de castilla y de sus ami gos para que ellos le tengan por tal." (fólio 176 v.)

Carlos Fontes

 

Carta Carta, que o Senhor D. Alvaro escreveo a EIRey D. Joaõ II. no tempo , que efíava em Caßella, para onde paffou por cauja da morte do Duque D. Fernando II. na qual trata dos aggravos, que delRey tinha recebido. Achey-a no Cartorio da Cafa de Bragança. (1)

Grafia ainda não corrigida

     Eu folgara bem de efcufar de efcrever nada a V. S. affi porque naõ queria dizer quanto devia pera dar conta ao mundo de quanto e em quantas coufas V. S. tem errado contra mim, como porque naõ poffo difer taõ pouco quam pouco he mifter de dizer a V. S. ante quem a verdade, e a boa rezaõ taõ pouco preftão: majormente que elle fabe milhor que ninguem quam grandemente contra mim tem errado, e quanto lhe eu tenho mais merecido de merce que de agravos, indaque o contrario queira ora moftrar que cuida fegundo as obras que contra mim faz. Emperoo Senhor porque hora me diferaõ que V. S. mandara la por editos contra mim, inda que para ante V. S. refertar meu direito fera bem efcufado; pareceome emperoo rezaõ de fazer efta, por nаõ parecer que em me calar confinto, e tambem por proteftar aquillo que devo por confervaçaõ de meu direito, e inda que a rezaõ de mim guarde pera dar ante quem devo emperoo darei em efta aquillo que naõ poffo efcufar.

Eu naõ fei mais fenaõ que como diffe me differaõ que em Portugal fe puferaõ editos contra mim fem faber em que forma nem fobre que, porque V. S. por fazer voffos feitos de pagam a candea como coftumais, e ninguem vos naõ pode refertar nada, mandaftes affi guardar os portos, e defender que fe naõ efcrevefem de Portugal a nenhum , juntando ifto com quam pouco hörnern folga de ouvir as novas que fabe defe Reyno, eu o naõ foube doutra maneira nem mais cedo, emperoo cuido que tudo fera fundado ou ñas culpas que V. S. mandou moílrar ao Conde dolivença em Abrantes que dizeis que contra mim achaveis, ou nas que depois me enviou o dito Conde per voffo mandado a Çafra per letra do Doutor Joaõ Teixeira. E certo Senhor fe eftas faõ as coufas de que me mandais acufar , mais rezaõ me parecerá dar V. S. a mim rezaõ porque me tinha tomada minha fazenda, do que era mandardefme citar por taes coufas pois V. S. fabe tambem quam grandes mentiras faõ, e que naõ faõ ellas, as porque me foi tomada minha fazenda o que efta claro por muitas rezões.

Primeiramente porque V. S. naõ me pode culpar nos cafos em que quifeftes culpar meus Irmaõs porque pois V. S. tem confeffado, e afti o diffe ao Bifpo de Liaõ, e a Guafpar Fabra que dos cafos paffados de meus Irmaõs me achaveis fem culpa, e afli o mandaftes dizer a mim per o Conde Dolivença que de vofla parte me enviou dizer quando cheguei a Çafra, e affi he verdade que V. S. nunqua achou nem achara contra mim coufa em que me pofla culpar, porque todas as inquiriçoes que fobre os ditos cafos mandaftes tirar, como vos prouve no que a mim toca va, mandaftes moftrar ao Conde dolivença , e eu tenho o treslado diflo, e fem embargo de ellas ferem feitas como fabe, emperoo em ellas паб fe achou coufa porque me poffais dar culpa.

E que queira V. S. dizer que me tomou a iî minha fazenda me vim aqui a Corte delRey, e da Rainha noffos Senhores tendo vos mandado dizer que me faiffe fora de todos os Reynos, e Senhorios de Suas Altezas. Efta efcuza naõ pode V. S. dar porque antes de eu ifto fazer, e antes de partir de Portugal vos dixeftes ao Conde dolivença quando o mandaftes chamar em Abrantes, que porque vos naõ fíaveis , e pelas fofpeitas que de mim tinheis me querieis tomar minha fazenda, e fomente ma deixar ter em quanto foffe voffa merce naõ tendo V. S. outra coufa, nem prova fenaõ as fofpeitas que de mim querieis tomar que о que tinheis, como dixe, loguo lho mandaftes moftrar, e eu tenho о treslado , e nao diz nenhuã coufa de que fe me deva dar culpa, e que alguã coufa differa pouco devia de baftar o teftemunho fó Da..... Vaz pera eu fer condenado,  e tambem antes de eu pera aqui vir indo meu caminho, e fendo ja em Barcellona me enviou difer V. S. como determinaveis de tomar minha fazenda, e fomente me dar hum conto e duzentos mil reis cada anno pera me manter efe tempo que me mandaveis dizer que andaffe fora deftes Reynos. Pois naõ eftava em rezaõ que ainda que eu fempre muy bem cumpriffe voffos mandados, e ainda entaõ os quifeffe cumprir que o ouveffe afi de fazer em conhecer que me avia por culpado no que naõ tinha culpa, e contentarme de receber pena fem a merecer , e com jufta caula me parece que tinha rezaó de volver a bufquar quern me remediaffe como fis.

Nem tambem fe pode efcufar V. S. em dizer que ma tomaftes pelo teftemunho que me enviaftes moftrar efcrito per maõ de Joaõ Teixeira do que dizeis do que diffe D. Vafco, e o Tinoco, porque como digo ja dantes que elles aquillo teftemunhaffem ma tinheis tomada , e mais o que elles differaõ efta claro que he mentira, e naõ faz nada contra mim, ca o que o Tinoco diz naõ he nada, e o que dis D. Vafco que lho diffe D. Guterre, e he certo que eu em efte tempo nunqua vi D. Vafco, nem D. Guterre, nem Ihe falei, nem creo que al digaõ, pois fe D. Guterre diz que o ouvio a alguem que lho difeffe, que mo ouvira , certo he que tal teftemunho contra mim naõ me fas nada porque eu deva de receber pena , quanto mais fendo taó grande mentira como he, porque hi naõ avera nenhum Cavaleiro que diga que me tal ouvio, que lhe eu naó defenda, ou faça conhecer como devo, que mente muy faifa mentira , quanto mais que as coufas que elle dixe faó tais que qualquer entendido que as vir conhecera logo claramente que quando eu em tal cafo ouvefe de entender naõ avia de fer com tais civildades nem per tal maneira como elle dizia, mormente que à voífa maõ foraõ ter todas as cartas que eu efcrevi a Portugal por tres , ou quatro vezes indo caminho de Barcelona, e afi outras que de la efcrevi a Rainha noffa Senhora e fe eu em tais coufas tivera o penfamento, de rezaõ parte délias fe ouveraõ de achar ñas ditas cartas.

Eu nаõ digo ifto fenaõ por refponder aquellas coulas em que por ventura me quer V. S. dar culpa, porque na verdade depois que eu fahi de Portugal, e vos dixeftes, que me querieis tomar minha fazenda fem porque, alem de outros infinitos agravos , e injuftiças muy grandes que de vos tinha recebido, naõ me parece que pudera fazer coufa inda que fora de vofo ferviço em que errara, porque obrigado era a bul car remedio de tais coufas por todas as maneiras que eu pudefe, e por ifo fe eu alguá coufa fis, ou fizeffe em efte tempo naõ me avia de defculpar della falvo efta, ou outra femelhante por naõ fer verdadeira como efta naõ he.

Affi que bem claro efta que V. S. naõ me tem a minha fazenda por culpa que contra mim achaffe nos cafos, em que quifeftes culpar meus Irmaõs, porque na verdade nao a achaftes, e vos naõ podéis dizer o contrario porque afi o confeffou V. S. aos Embaixadores, e enviaftes a mim, como acima dito he, nem ifto mefmo, ma tomaes pelos teftemunhos das outras inquiriçoes nem por me naõ ir fora deftes Reynos como vos ordenaveis, porque ja dantes ma tinheis tomada, tomaftela por folgar de aver o meu , como ouveftes a dos outros, e quereis bufcar achaques como bufcaftes a elles.

E que affi fora que com rezaõ, e juftiça me podeffeis tomar o meu, que rezaõ pode V. S. dar para tomar a minha molher o feu, ca vos lhe naõ podeis dar culpa, nem a tem, e fe a eftes Reynos veo, veo por voffa licença, fegundo tem por voffo affinado, fem exceder mandado que mandaftes ca hum voffo Contador veo com ella ate o extremo que todo vio por fer de todo teftemunha o qual veo por voffo mandado.

E que affi foffe, e a minha molher tomafteis o noffo que rezaõ tem V. S. de tomar a minhas filhas o de fua mãy que por direito, nem lei do Reyno naõ podeis tomar, nem iflb mefmo lhe podéis tomar as rendas de Beja, que cu tenho bom privilegio de ainda que aquelles que as tiver as perca por qualquer cafo , que toda via paffem ao herdeiro, que as avia de fucceder.

E certo Senhor naõ pode V. S. tanto encubrir o fundamento que faz eftas couzas, que no modo que em ellas tem naõ dê bem a entender ao mundo o porque as faz, e ao menos naõ podera V. S. negar como vos fempre fervi fazendome V. S. em ves de me agalardoar com merce tantos agravos que feriaõ largos de contar , emperoo por moftrar mais claramente a rezaõ que tenho he forçado que diga alguns delles, porque todos fera muito V. S. fabe bem como vos comecei a fervir de pequeno, e fempre me cheguei mais a voffo ferviço, e a vos que a nenhum outro fazendovos muitos ferviços affinados alem dos que a vofo pay fiz , os quaes efeufo de dizer porque difto quero deixar o cargo aos outros que o fabem, e V. S. que mos tambem, lembrou o dia que prenderles o Duque meu Irmaõ, e como quer que de pequeno me fempre dixeftes que todo me conhecieis, e me avieis de fatisfazer muy bem, moftrandome muitas vezes que me tinheis mais afeiçaõ que a nenhum outro rogando a Deos que vos trouxeffe a tempo para afi mo moftrar por obra; tanto que foiles hornera , mem, e em tempo de mo pagar logo começaftes de vos aver comigo todo ao revés do que ate entaó tinheis moftrado, e parecendovos que devieis de aver vergonha de me naõ pagar a obrigaçaõ que me tinheis, me dixeftes em Coimbra que me querieis dar duas Villas voffas que tinheis entre douro, e minho e depois de mas terdes prometidas tornaftefvos a efcufar de cumprir comigo dizendo que a voffo pay naõ aprazia iffo fendo certo que o dito voffo pay me fez mores merces que aquella em que fe moftra que naõ foi por fua culpa, mas pela voffa.

O porque depois me comecei da chegar a EIRey voffo pay, e fervilo, EIRey por fe achar de mim por bem férvido me começou de amoftrar boa vontade, vos tomaftes difto taõ grande nojo que o naõ podieis fofrer, e tendome EIRey prometido a Villa de Portalegre quando vos foftes, onde vos vos mais ferviftes de mim do que ainda dantes vos tinheis férvido: fobre tudo naõ quifeftes confentir que voffo pay me deffe a dita Villa moftrandolhe que o fazieis por eftar no eftremo, e naõ fiardes de mim e concertaftes com voffo pay que a Villa de Cartel Rodrigo que ma tambem tinha dada ma tiraffe, e a deffe a Joaõ Dilhoa.

E como quer que entaõ porque fe partio V. S. para Portugal, e por aquillo que me eftorvaftes vos foi neceffario dizer a voffo pay que otorgarieis qualquer outra couza, dizendovos logo voflb pay, que me quería dar torres novas, e Alvejazere como de feito deu, e vos porem como foubeftes que voffo pay mas tinha dadas a requerimento de quern me queria mal determinaftes logo de о naõ confentir , e ainda a alguãs peftoas dixeftes que o naõ aviéis de confentir, porque era torres novas grande fortaleza, e eftava junto com outras do Duque, e vos timieis de nos, e depois que eu vim a V. S. me cometeftes que deixafe toda via a dita Villa moftrandome que vos mo fatisfarieis, e como quer que eu muito о fentifle porque fabia como о fazieis, e a forma que aviéis de ter em me fatisfazerdes outorguei de fazer о que me mandaftes ; e porque eftavamos de caminho para a Corte delRey voflb pay ficamos para la nos concertarmos, e que entre tanto eftivefte tudo quedo, e ainda que entaõ V. S. moftraffe que eftimava em grande ferviço polo eu afy em voffas maõs logo como eu parti antes de me terdes fatisfeito, foftes dar hum privilegio a Villa perqué a feguraveis de naõ fe dar a mim.

E depois de V. S. ter ifto affi feito parecendovos que me tinheis ja lançado da Villa começaftes de me por duvidas na fatisfaçaõ, e fem embargo de os que vos mandaftes que entendefem nifto comigo acordaraõ о que fe me avia de dar vos naõ quifeftes eftar por ifto, e tantas perrarias me fizeftes nifto, que de todo me tinheis já defpedido de me dar nada ; falvo que EIRey voflo pay fe meteo niffo , e com tudo naó pode comvofco fazer fenaó que de certos lugares que vos mefmo me daveis em fatisfaçaô daquillo vos me deixaftes hum delies a que chamaõ Mira , e com tudo eu aceitei como V. S. xjuis por acabar, e depois de ferem feitas as doaçoes affinadas, e affelladas tornaftefme a tomar outro lugar que chamaõ Pereira, dizendo do que mo querieis tomar por quanto o Conde de abrantes que tinha о Cartel lo de torres novas mo deixara por outra merce, que lhe voflo pay por ifo fez, e V. S. por colorar о que niflb querieis fazer, difeftes que naõ querieis confentir na merce que fizeraõ ao Conde por ó Conde requerer que lhe tornaftem o Caftello, e vos tomardes a dita Villa de Pereira , e temendo vos que por ventura o Conde toda via quereria eftar pelo partido que tinha feito, e naõ requereria que lhe tornaffem o dito Caftello, dixeftes a D.Francifco feu filho que lhe dixeífe que em nenhum cafo fizefte partido comigo fobre o dito Caftello.

E tendo eu falado com V. S. que queria cafar com a filha do Conde dolivença, e vos tendome dito que vos prazia difto muito, e tendome dada carta pera o dito Conde de como vos prazia , e tornaftes logo por outra parte a enviar dizer ao dito Conde que de nenhuã maneira fizefte o dito cafamento, e fizeftes com o Bifpo feu irmaõ do Conde que enviafte dizer ao Conde por Francifco da Gama, que em nenhum modo o fizefte cometendolhe outros cafamentos com o Conde de Marialva ou filho do Conde de Villa Real.

E quando vio V. S. que com aquillo nao tornaveis o dito cafamento , e enviaftes ao Conde Auguftinho Caldeira corn crença voffa a dizerlhe que em nenhum cafo fizeffe o dito cafamento, e o Conde refpondendovos que lhe defeis hum voffo alvara affinado que lhe defendieis que o naõ fizeffe, e que o desfaria porque ja tinheis dada tal palavra que fe naó podia efcufar com al, e vos entaõ por fe a coufa naõ defcubrir calaftefvos, e fe fez o cafamento com voffo prazer, e ifto foube eu depois que fui cafado pola Condeça que mo dixe, e por minha molher.

E depois de affi fer feito o dito cafamento onde dantes V. S. coftumava moftrar boa vontade ao Conde, e dahy a diante por refpeito de mim começaftes de lhe fazer mil agravos os quaes eu fentia mais que meus proprios, e tirafteslhe о officio de guarda mor, e tiroulhe V. S. os privilegios do bairro Devora, e tomafteslhe a renda das facas Dolivença que tinha, e favoreceftes tanto hum rapaz de hum efeudeiro dolivença contra o dito Conde que teve coraçaõ pera lhe fafer mil foberbas, e injurias fem o Conde oufar pelo favor que o outro tinha voffo tornar a ifto , e dividas que lhe V. S. devia que lhe voffo pay tinha mandado pagar todas lhas embaraçaftes; e na Capitania de Tangere que tinha lhe fizeftes cem mil agravos que feria longo de contar.

E como V. S. foube que a Condeça dolivença era falecida logo procuraftes bufcar cafamentos para o dito Conde fem o mefmo Conde o faber, pera ver fe o poderieis por ali embaraçar a herança do dito Conde que a naõ herdaffe eu avendo o dito Conde filhos: tanto que a Condeça de Penella fem o Conde diffo faber parte, requereftes cafamento pera cafar com o dito Conde, e aa derradeira vos mefmo per vos o cometeftes ao dito Conde, e dixeftes a alguas peffoas que tudo fazieis por me desherdar. E porque o dito Conde tinha a Villa dolivença, e vos parecia que eu devia de efperar por fuá morte, morte, defies hum privilegio a dita Villa em que lhe prometefte que а паб defeis mais a ninguem.

E eftando eu para a morte , e vindo vos recado que era morto vos moftraftes claramente que vos prazia de minha morte.

E tanto que EIRey voflo pay faleceo tendo eu о officio de Chançarel mor V. S. me tirou logo de porte délie , emperoo que muitas vezes requereffe, e vos alegaffe, como vos mefmo me tinheis outorgado afy como voflb pay V. S. fem embargo de todo me trouxe cinquo, ou feis mefes fem mo querer dar, e ifto tudo porque o tinheis dado ao Doutor Joaõ Teixeira, e depois que viftes que vos паб podieis efcufar de mo dar cometefteme que vo lo vendefe para o dar ao dito Doutor, e porque vos pedi que pelo que pertencia a minha honra que mo quifefeis toda via dar, e depois eu faria o que vos mandaíTeis, me conftrangeftes a fervir o dito officio per mim onde eu foya a ter hum Doutor que por mim o fervia , e faziame V. S. ver todas as cartas, e ter o facco a porta. E fazendo todo por me abater, e me dar opprefoes porque me fofle neceflario deixalo e como quer que eu defpois vos quizeíTe fazer partido delle , porque via que tinheis vontade, nunqua V. S. me quis dar fenaó taó pouco que antes eu o queria deixar debalde, e vos nao querieis, que fofle fienaó por onde vos querieis, mandándome dizer claramente por Gonfallo Vaz Regedor da juftiça de Lixboa que fe eu aíy o naó fazia que vos me farieis niíío tantos agravos ate que mo fizefeis deixar contra minha vontade.

E tendo eu huã demanda com o Arcebifpo de Braga que era meu imigo , e queixandome diffo a V. S. e requerendovos direito, e juftiça vos nunqua quifeftes fazer.

E como quer huã vez defeis determinaçaõ no dito cafo, e o mandafte dizer V. S. por Fernaõ de Figueiredo ao Arcebifpo, porque o Arcebifpo difto naõ foi contente a tornaftes a revogar. E como quer que depois muitas vezes vos eu requereiTe juftiça queixandome de vos porque ma denegaveis dizendcme vos claramente que nao querieis anojar o Arcebifpo pelo meu : da quai coufa eu huá vez tomei por teftemunha o Baraõ Dalvito , e o Doutor Joaõ Teixeira, e o Doutor Nuno Gonçalves em torres novas queixandome a elles como V. S. me denegava juftiça por fazer favor a hum meu imigo.

E por quanto eu empreftei certos dinheiros ao Bifpo do Algarve pera expedir as letras do Arcebifpado de Braga, e ficou tambem por fiador hum genoes que chamaõ Joaõ Salvajo porque o dito Bifpo morreo, e o dito genoes, e cu ouvemos breve do Papa para ferem pagos do dito Arcebifpado, e V. S. cerno o foube que aquillo me relevava tanto por me lançar em perda, e por favorecerdes ao dito Arcebifpo de Braga meu imigo centra mim fem embargo do Breve do Papa, e fem embargo de hua carta delRey voflo pay que Déos aja perqué prometía ao dito Bifpo de fazer paguar as ditas dividas, e fem embargo de V. S. ter prometido ao dito Bifpo de as fazer pagar , vos favorecerles tanto ao dito Bifpo , que nunqua foraó pagas te que o dito Joaõ de Salvajo pela parte que a elle tocava fe conveo com o Arcebifpo, е fez com elle outro caimbo a fua vontade, emperoo eu nunqua ouve nada do meu. :
 

E no officio do regimento de juftiça me fez V. S. mil agravos tirándome os poderes que tinha, moftrandome claramente que nao fiaveis de mim fervindoo eu taõ fielmente que todo o Reyno diffo era contente.

E huã Capella de Tentuguel que eu tinha per Carta de voffo pay, vagou, e V. S. deu a hum efcudeiro de voffa Tia D. Fellippa; e como quer que vos eu mande alegar o direito que niffo tinha, e me V. S. mandafte dizer pelo Baraõ que naõ faria niffo nada ate me naõ ouvir, e ter a direito, tornaftes logo a mandar meter o outro de poffe, fem me nunqua mais quererdes ouvir, nem ter a direito.

E me mandarles prender certos rendeiros de Beja porque penhoraraõ hum alfayate voffo per mandado da juftiça por certa divida que Ihes devia , emperoo que eu diffo me queixaffe a V. S. nunqua os quifeftes mandar foltar ate que tornaraõ a pagar ao alfayate o que per direito Ihe tinhaó julgado a elles dizendovos fobre ifto muy mas palavras a mim, e dizendome no rofto que porque a mim me confentiaõ que tiveffe a jurdiçaõ de minhas rendas fe feguiaõ taes erros, o que eu muito fenti, e devia de fentir.

E alem defies agravos, e outros muitos desfavores, e defprezos que hörnern fente muito mais do que pode dizer que eu de V. S. tenho recebidos, em particular recebi tambem os que a todos fizeftes em gérai, dos quaes deixando todos os outros quero fomente dizer alguns dos que a mim muito tocaraô que V. S. logo em começando de reynar determinaftes.

E determinaftes de enviar voffos Corregedores entrar em noffas terras, e pofto que vos eu moftraffe privilegio felado com felo de chumbo о qual me vos tinheis confirmado, e jurado per voffa fee Real, pela Carta do efcaimbo que com V. S. fiz de torres novas fem embargo de nao fer contrato a nao quifeftes guardar, antes em quebrantamento della, e das outras que os outros tinhaõ, e dos ufos , e eoftumes que fempre ti vemos, fem neceffidade que para ello tiveffeis fomente por nos fazer mal as quebrarles, fem fobre iífo nos querer mais ouvir, nem boas rezoes inda que nos para ello deffemos, moftrando nos claramente como nos em muitas das noffas terras fe fazia milhor juftiça que nas que entravaõ voffos Corregedores, dandovos muitas vezes forma, e meyo como em todas fe podeffe milhor miniftrar juftiça guardando voffo ferviço fem quebramento de voffos privilegios, em que fe bem moftrou que V. S. o fazia mais por fazer mal que com outro zello nenhum bom; e por milhor executardes o que querieis logo determinaftes de naõ confirmar as doaçoes, e privilegios, e Iiberdades dos Senhores , e fidalgos, fem os verdes todos pello mcudo o que era coufa para fe nunca acabar, nem fe fazer cm nenhum tempo pelos Reys dante vos, fomente confirmavaõ todo por huä fó Carta, e per claufula geral. E pofto que fobre ifto foffem feitos а V. S. afas de requerimentos, e pedido que o quifeis emendar nunqua nunqua o quifefte fazer, antes os mandaveis todos tirar de poder dos Senhores, e por em mãos de hum voffo efcrivaõ que para ifto fizeftes, ficando elles defapoffados de todos os privilegios que tinhaõ, e fe tornavaó todos pera fuas cafas porque V. S. naõ defpachava nenhum, e afli recolhieis tudo a voífa maó para os defpachar, ou quebrar quando quifefeis, e a quem quifesteis.

E logo publicou que todos os privilegios dos Reys paffados naõ valefem nada, e que todos fe acabavaõ per morte do Rey, e que tudo eftava em voffa maõ de o dar, e tirar como quifefeis, e affi o começaftes logo a moftrar per obra, porque alguns que defpachaveis em huns tiraveis a jurdiçaô, em outros a renda, em outros os privilegios, e afli tiraveis, e metieis claufulas de novo como vof aprazia, e outros rompieis de todo fem mais os verem as partes de guifa que de ventura fe achara efcritura civel que V. S. naõ grofaffe em pouco, ou em muito e ifto mefmo fizeftes ñas que vos mefmo tinheis feitas, e confirmadas fendo vos Principe dizendo que ja naõ valiaõ nada, porque eréis ja outro homemn que entaõ eréis Principe, e agora eréis Rey.

E determinaftes que naõ podeffem dar cartas de fegurança em mortes de homens tendo nos difto privilegios, e fentenças. E determinaftes que nenhum Senhor pudeffe ter Ouvidor em nenhum feu lugar mais de quinze dias, e que paffados os quinze dias logo fe partiffe dali, ou naõ ufafe mais do officio, e affi que naõ conheceffem de auçoes novas, nem dos agravos que fahiffem dante os Juizes por onde de ponto em branco tirava V. S. aos Senhores toda a jurdiçaõ de fuas terras, efpecialmente aos Duques, e a feus Irmãos que fobre eftes cafos tinhaõ mais fortes privilegios.

Parece, que naõ está acabada.

 

Carlos Fontes

 

  Notas:

(1) versão publicada por António Caetano de Sousa - História Genealógica da Casa Real Portuguesa", 1746,  Tomo V, Provas Livro IX.

(2) "Los Reys catolicos le envíaron por embaixador al rey de Portugal con la noticia de la príson del Duque de Vison, para templar al rey don Juan Segundo; pero yá, quando llegó, havia muerto al duque el mismo rey por su mano, y asi Don Iñigo solo pude consolar en nombre de los reys à la Infanta Doña Beatriz, madre del Duque", p. 377, Catalog de Los Obispos de Cordoba, Cordoba, 1778, Tomo I,

(3)

(4) Cunha, Rodrigo da Cunha - História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga ...

(5) Alexandre Herculano...

(6) Alvaro de Bragança nunca trata D. João II por rei, usa apenas as iniciais - "V. S".

Reserva a palavra "ElRey" para D. Afonso V e Fernando de Aragão. Os reis católicos são também tratados por "Suas Altezas". O nome de "Rainha" é usado para D. Leonor de Lencastre, rainha de Portugal, e quando se refere a Isabel, a Católica.

Na hierarquia das referências surgem a seguir os grandes títulos, sem necessidade de mencionar o nome: Papa, Arcebispo de Braga, Bispo de Leão, Bispo do Algarve, Duque, Condessa de Olivença, Conde de Olivença, Condessa de Penela, Conde de Abrantes, Conde de Marialva,  Barão do Alvito.

Alguns não têm nome, mas são associados a títulos: irmãos do Duque, filho do Conde de Vila Real, etc.

Temos nomes precedidos de "D." (Dom) ou "Doutor".

Na escala mais baixa temos apenas simples nomes "Tinoco" ou ainda mais anónimos "Contador", "Alfaiate" ou "certos rendeiros de Beja". 

(8) João Teixeira, doutor e escudeiro do Infante D. Henrique, membro do conselho régio e cavaleiro da casa real, desempenhou o cargo de desembargador do Paço e das petições e agravos (desde 1466). Em 1475 torna-se vice-chanceler e, em 1484, chanceler-mor. Fez parte dos juízes que julgou o Duque de Bragança.

(9) Guiomar de Sá (?-1532) era irmã do cónego Gonçalo Mendes de Sá, e tia do poeta Sá de Miranda. Teve dos filhos de João de Galvão, bispo de Coimbra. Sobre este amores Camilo Castelo Branco escreveu um saboroso texto - Sentimentalismo e História, E. Chardron. 1881

(10) Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa, vol.12, p. 182-83.

(11) Alvaro de Bragança está particularmente bem informado sobre os burocratas régios nos reinados de D. Afonso V e D.João II, sendo os mesmos particularmente citados nesta carta: João Teixeira (Doutor), João Galvão (arcebispo), João Fernandes da Silveira (doutor, barão do Alvito), Nuno Gonçalves (Doutor),  Agostinho Caldeira, Gonçalo Vaz (regedor de justiça), Fernão Figueiredo,  etc.

Para uma análise sistemática destes burocratas, nos quais se insere o próprio Alvaro de Bragança, consultar:

- Freitas, Judite A. Gonçalves de. «Teemos por bem e mandamos». A burocracia régia e os seus oficiais em meados de Quatrocentos (1439-1460). 2 vols., Cascais: Patrimonia Historica, 2001

- Almeida, Ana Paula Pereira Godinho de - A chancelaria régia e os seus oficiais em 1462. Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de Mestrado, policop., 1996

 

- Borlido, Armando -  A chancelaria régia e os seus oficiais em 1463. Porto:Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de Mestrado, policop., 1996

 

- Monteiro, Helena Maria Matos - A chancelaria régia e os seus oficiais (1464-1465). 2 vols., Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de Mestrado, policop., 1997

 

- Carvalho, António Eduardo Teixeira de - A chancelaria régia e os seus oficiais em 1468. Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de Mestrado, policop., 2001

 

- Capas, Hugo Alexandre Ribeiro - A chancelaria régia e os seus oficiais no ano de 1469. Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de Mestrado, policop., 2001

 

- Durão, Maria Manuela da Silva. 1471 - Um ano "africano" no desembargo de D. Afonso V. 2 vols., Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de Mestrado, policop., 2002

 

- Henriques, Isabel Bárbara de Castro - Os caminhos do Desembargo: 1472, um ano na Burocracia do «Africano». 2 vols., Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de Mestrado, policop., 2001

 

- Ferreira, Eliana Gonçalves Diogo. 1473 – Um ano no Desembargo do «Africano». 2 vols., Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de Mestrado, policop., 2001.

 

- Brito, Isabel Carla Moreira de - A burocracia régia tardo-afonsina. A administração central e os seus oficiais em 1476. 2 vols., Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de Mestrado, policop., 2001.

 

- Mota, Eugénia Pereira da - Do “Africano” ao “Príncipe Perfeito” (1480-1483). Caminhos da burocracia régia. 2 vols., Porto: Faculdade de Letras - Universidade do Porto, dissertação de Mestrado, policop., 1989

 

- Coelho, Maria Helena da Cruz; Homem, Armando Luís de Carvalho - «Origines et évolution du registre de la Chancellerie Royale Portuguaise (XIIIe-XVe siècles)», in Revista da Faculdade de Letras. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1995, pp. 47-74.

 

- Gomes, Rita Costa - «A curialização da nobreza», in O tempo de Vasco da Gama, dir. Diogo Ramada Curto. Lisboa: Difel, 1998, pp. 179-187

 

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