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Os iberistas tem sido os grandes profetas da desgraça, anunciando
vezes sem conta o fim iminente de Portugal. Diga-se em abono da verdade que não
têm o monopólio destas profecias.
Os países para iberistas como Oliveira
Martins, são estruturas fechadas, submetidos a um ciclo
vital inspirado num modelo caro a Platão e que as teorias biológicas do
século XIX adaptarem. O passado remoto de um povo é considerado a sua época
de ouro, corresponde ao nascimento e desenvolvimento, seguindo-se um curto período de apogeu,
entrando a partir daí numa fase da decadência
até à sua morte. O seu fim é ditado pelo esgotamento da energia e capacidade
renovadora.
A decadência é assumida pelos
iberistas como algo que afecta de forma irreparável um organismo (país, povo,
cultura). Um vez iniciada não há cura possível, a sua morte está
traçada.
O início da decadência é
arbitrário. Oliveira Martins, por exemplo, nas suas obras situa em diferentes
momentos históricos o inicio da decadência de Portugal. A escolha da data
dependeu sobretudo das ideias que num dado momento procurou defender. Os factos
históricos ou a incoerência destas datações era algo que nem sequer tinha em
conta. Antero de Quental, nos seus textos iberistas caiu em idênticas
contradições.
Não deixa de ser curioso
constatar que, quando Portugal entra em decadência segundo estes ideólogos, os
portugueses registam em múltiplas áreas notáveis realizações. Santa
decadência!
1383/85. A aclamação de
D. João I, constituiu para o principal ideólogo iberismo - Oliveira Martins -
o início da decadência de Portugal. Porquê ? Porque foi durante a chamada crise
de 1383/85 em que os portugueses repeliram os castelhanos, que reafirmaram o
seu desejo em continuarem a ser um povo livre. A partir daqui, segundo Oliveira
Martins, o país tornou-se num cadáver cujo
enterro foi sendo sucessivamente adiado.
1498. Ao longo do
século XVI muitos foram aqueles como Gil Vicente, que viram na chegada à India
uma das causas da decadência dos antigos costumes de Portugal. Antero de
Quental, no século XIX, viu neste feito uma das causa da decadência
global de um povo.
1531. Alexandre Herculano,
no século XIX, viu na Inquisição umas das causas do atraso do país de Portugal.
Antero de Quental viu na Inquisição a principal causa da decadência de
Portugal.
1540. O estabelecimento
dos jesuítas em Portugal, foi no século XVIII, apontado como a principal causa
do atraso do país em termos científicos. Marques de Pombal, seguindo o
diagnóstico feito por António Ribeiro Sanches e Luis Verney acaba por os
expulsar em 1750. No século XIX, Antero de Quental viu nos jesuítas uma das
principais da causa da decadência global do povo português.
1545. O
Concilio de Trento
(1545-1563) marcou para Antero de Quental o inicio da decadência de Portugal e
da Espanha (Cfr. Causas da Decadência dos Povos Peninsulares,1871 ). Dois
anos antes havia fixado o início da Decadência em 1834 ...
1578. Oliveira Martins,
sempre ele, na História de Portugal (1879), considerava que desde o desastre de
Alcácer-Quibir, deixou de existir como nação, e se tornou num cadáver, cujo
enterro dependia da vontade da Inglaterra. Noutras obras fixou outras datas para
o inicio da decadência do povo que tanto desprezava.
1580. A decadência
de Portugal durante o domínio espanhol (1580-1640), é a única questão em que
existe um largo consenso entre iberistas e não iberistas.
1640. O padre António
Vieira foi o primeiro a assinalar no seu tempo, que muitos iberistas anunciarem
a morte iminente de Portugal, após a restauração da sua Independência. No
século XIX, vários iberistas retomaram esta data para afirmarem que aqui
começou a decadência de Portugal porque se voltou a afastar da Espanha.
Os republicanos até 1910,
afirmaram que nesta havia tido inicio da decadência de Portugal, pois nela começou a
dinastia dos reis da Casa de Bragança cujo derrube se propunham efectuar.
1820. A revolução
liberal de 1820, representou para iberistas, como Oliveira Martins, o corte com a tradição
peninsular, a monarquia absoluta. Portugal ter-se-ia desnacionalizado, aderindo
às ideias liberais, ao constitucionalismo francês, ao utilitarismo inglês,
etc.
1822. Independência do
Brasil. Difunde-se a ideia que Portugal, sem o Brasil, não teria futuro.
Estaria condenado a desaparecer. Foi um argumento muito usado pelos iberistas
anunciar a necessidade de uma fusão com a Espanha, mas também por outros para
afirmar a necessidade de se investir na colonização de África.
1834. O fim da guerra
civil (1828-1834) e o estabelecimento de um regime constitucional estável,
marcou para o Antero Quental, em 1868, o inicio da decadência de Portugal (Cfr.
Portugal Perante a Revolução de Espanha, 1868). Porquê ? Porque esse
facto permitiu a consolidação da burguesia e o reforço do aparelho de Estado.
A única forma que os portugueses tinham de se livrar desta tragédia histórica
era renunciarem à sua nacionalidade e aderirem à Espanha. A argumentação é
no mínimo patética. Dois anos depois Antero Quental pensa melhor e fixa a data
da decadência em 1545...
1890. Numa época em que
Portugal disputava com outras potências europeias, o seu quinhão em África, a
reacção inglesa às pretensões portuguesas de ficar com o vasto território
entre Angola e Moçambique incendiou os ânimos. A fraqueza militar do país foi
sentida como uma humilhação, um sinal da sua profunda decadência. Oliveira
Martins, anunciou então que estava para breve o fim do país, nem uma geração
seria necessário esperar (cfr. Prefácio
de Portugal Contemporâneo, 1893).
1910. A implantação da
República, representou um corte com a tradição, um passo mais na
desnacionalização. Portugal para os monárquicos iniciava o seu verdadeiro
processo de decadência. A propaganda iberistas voltou a fazer-se ouvir, numa
altura que os monárquicos apoiados pela Espanha faziam incursões militares em
território português.
1926. A ditadura proibiu
qualquer tipo de manifestações iberistas, sendo as mesmas consideradas crimes
contra a pátria. Recorde-se que a implantação da ditadura teve de inicio uma
larga aceitação do povo português, farto de assistir à forma impune como a
propaganda iberista, racista, derrotista e decadentista denegria as suas
capacidades. A ditadura surgiu como um movimento capaz levantar a moral e por em
ordem as finanças públicas, descontroladas por sucessivos governos
monárquicos e republicanos incompetentes e corruptos.
1974. Durante séculos os
portugueses foram mentalizados com a ideia de que o país não sobreviveria sem
colónias. Por esta razão foram-lhe pedidos sacrifícios sem fim para as manter. A
independência das últimas colónias, em 1974 e 1975, lançou o país na
incerteza sobre o seu futuro. Os mais nostálgicos do Império anunciaram a
morte para breve de Portugal.
2002. A reeleição de
Jorge Sampaio para a Presidência da República, marca o inicio de um período
enorme desânimo na sociedade portuguesa, mas também de descalabro na governação (Guterres,
Durão Barroso e por último, Santana Lopes). É neste contexto que ressurge a propaganda iberista.
Que podemos extrair destas datas
?
O início da decadência, segundo
as teses iberistas, assinala o inicio de um processo regressivo no qual o país
vai perdendo capacidades e energias internas.
Neste disparatado raciocínio que
foi levado até às últimas consequências por Oliveira Martins, no final do
processo, Portugal estaria pior que no início. Todos os tímidos progressos
registados após o inicio da decadência acabariam por desaparecer. Ora, como a
decadência do país teria começado há 6 séculos, segundo este iberista, era
de esperar que a população portuguesa hoje vivesse pior que no século
XV... A estupidez é total !
Fatalismo
Oriental No final do
século XIX difundiu-se por toda a Europa teorias racistas apoiadas em
pretensos estudos científicos. Cada povo era integrado numa dada raça
para a qual eram apontados um conjunto de atitudes e comportamentos
padrão. Estas teorias
racistas eram completadas com estudos de Antropologia e de Psicologia dos
Povos, nos quais se faziam generalizações abusivas de casos
particulares que corroboravam as teses racistas.
Na Alemanha
foi o país que foi mais longe nestes supostos levantamentos científicos das diferentes raças e da psicologia dos povos. De acordo com
um suposto
critério civilizacional, umas raças foram consideradas superiores em
relação a outras.
Os problemas
de desenvolvimento que enfrentavam cada país passaram a ser vistos como
efeitos de causas genéticas próprias de uma dada raça. Portugal não
foi excepção neste movimento racista dito científico.
O iberista
Oliveira Martins dedicou-se a estudar a raça portuguesa. A conclusão a
que chegou foi que a alegada decadência de Portugal era algo natural,
pois já estava inscrito no código genético do povo português a
tendência para ser inactivo, triste, sem vontade própria, etc, etc.
Nenhuma vontade por mais forte que fosse poderia contrariar estas
predisposições hereditárias da sua raça. (Cfr. Elementos de Antropologia, 1880;
Raças Humanas e Civilização Primitiva, 1881).
Estas teses racistas
tiveram uma larga difusão entre antropólogos portugueses como Basílio
Teles (1856-1923), Adolfo Coelho (1847-1919), Rocha Peixoto (1887-1909) e outros,
que acabaram por assimilar e difundir esteriótipos pouco abonatórios do
povo português. Faziam parte da mentalidade de um tempo que acabou por naturalizar
o holocausto praticado pelos nazis. Breve
História das Teorias Racistas em Portugal . |
Carlos Fontes
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