Nos
dois lados dos Atlântico, portugueses e brasileiros, adoram contar anedotas e
dizerem piadas. É um verdadeiro desporto nacional. O que varia são as
personagens, o conteúdo é frequentemente o mesmo. Em Portugal, o alvo da
chacota são os "alentejanos" e mais recentemente os
"pretos". No Brasil são os "portugueses", e mais
recentemente os "caipiras" e os "gaúchos". A
característica comum é que todos são destituídos de inteligência ou quando
a possuem, em doses sempre mínimas, esta é demasiado lenta ou inútil.
A
personagem do "português" no Brasil é uma verdadeira instituição
pública. As piadas sobre esta personagem circulam na internet, nos
jornais e em programas televisivos. Portugal é igualmente referido nas piadas brasileiras. Alguns
"excessos" cometidos em campanhas publicitárias com a figura do
"português" foram alvo de apreciações, em 2001, por parte do Conselho
Nacional de Auto-Regulação Publicitária no Brasil.
O
"português" denominado Manuel ou Joaquim, e a sua mulher chamada
invariavelmente Maria, têm um nível de
inteligência inferior à de um macaco (a). Na sua "santa ingenuidade"
a única preocupação que tem na
vida é arranjar dinheiro, não importa a forma.
O
retrato de Portugal e em particular de Lisboa, aonde se reportam muitas das
anedotas brasileiras não tem qualquer correspondência nem com o país, nem com
a cidade. A haver uma aproximação às situações descritas seria mais fácil
descobri-las no Brasil do que em Portugal.
Estas
anedotas, ultrapassam claramente a simples relação entre colonizador/colonizado.
São sobrevivências históricas de tradições anteriores.
Instalados/Recém Chegados. Desde o século XVI
que milhões de portugueses foram para o Brasil para o conquistarem,
expandirem e povoarem. O Brasil é uma criação dos portugueses.
Ao
longo de séculos, a relação entre os que portugueses que se estabeleceram no
Brasil foi naturalmente mudando. Com o tempo passou a existir uma distinção
clara entre os estavam há muito instalados e os que acabavam de chegar. Os
primeiros lutavam por preservar o que possuíam, os segundos por adquirem o seu
quinhão numa terra que até 1822 era portuguesa. .
Apesar
de tudo os que chegavam ao Brasil até à Independência não parecem ter sido
alvo de chacotas por parte da comunidade portuguesa aí instalada. Os problemas
colocavam-se sobretudo ao nível da compatibilização de interesses.
A
chacota ocorria todavia em Portugal em relação aos que retornavam ricos do
Brasil. Afirmavam-se que vinham tão brutos como haviam partido. Desde o século
XVIII temos uma literatura abundante gozava com estes portugueses, denominados
"mineiros" e os "brasileiros".
Escárnio dos Imigrantes.
Depois da Independência, os que já estavam instalados passaram a ter novos
argumentos para atacarem os que chegavam. Estes não eram brasileiros. Argumento
utilizado por muitos portugueses quando os seus interesses colidiam com os
recém chegados. Em muitos casos os ocorreram violentos conflitos sociais,
mascarados de conflitos nacionais: "brasileiros" contra
"portugueses", tendo ambos a mesma origem.
A
grande vaga de emigração portuguesa para o Brasil que começa em meados do
século XIX, representou um enorme choque para as comunidades portuguesas aí
instaladas. Uma parte destes imigrantes empregaram-se no comércio, mas a maior
parte foram substituir a mão-de-obra escrava nas plantações de cana-do- açúcar, café, algodão e extraírem borracha na Amazónia. Este
foi um acontecimento traumático (vergonhoso) para a maioria dos emigrantes
europeus, mas também para a opinião pública dos seus respectivos países.
Facto que levava muitos destes emigrantes a descreverem a realidade que
encontravam no Brasil, de forma completamente falseada.
Era
enorme a diferença de estatuto social destes novos imigrantes e a comunidade
portuguesa há muito tempo instalada no Brasil. A melhor forma que esta tinha em
demarcar-se destes "pés descalços" que chegavam todos os anos em
grande número, era
escarnecer não apenas da sua identidade, mas também de Portugal. Nem todos os
portugueses adoptaram este discurso, mas um grande número acabou por o fazer.
Neste processo de distinção social, as antigas famílias portuguesas que constituíam a elite brasileira,
acabam por adoptar inclusive nomes indios e mais tarde norte-americanos. O
discurso nacionalista brasileiro foi claramente uma invenção destas elites
portuguesas. O seu objectivo era anularem as marcas da sua origem de forma
distinguir-se do "povão".
O
próprio "povão"
uma vez instalado no Brasil, por uma relação mimética conhecida, passa a fazer o mesmo,
isto é, procura distinguir-se do país onde nasceu e da imagem do "portuga"
que lhe querem colar. A forma mais eficaz de o fazer é escarnecer das suas
origens, rir-se do português e de Portugal, a origem comum da maioria da população
brasileira e da sua matriz cultural. Esta atitude funciona não apenas como um
traço distintivo da superioridade dos brasileiros face ao portugueses, mas
também legitima as próprias práticas da sua exploração pelos que já estão
instalados no Brasil há mais anos.
A personagem do
"português" e de "Portugal" caricaturado nestas anedotas acabou por se
desligar do contexto histórico em que surgiu. Ainda hoje lendo as piadas que
circulam na internet, podemos verificar que a maioria delas menciona
instituições e práticas que datam do século XIX, mas que continuam a ser
repetidas como se nada tivesse mudado em Portugal.
É
fácil constatar que os brasileiros quando se estão a rirem-se do
"português" estão a rirem-se de si mesmos e das suas
próprias origens. Será talvez por isso que esta personagem é aqui tão
popular. Ela funciona como uma espécie de catarse social.
Carlos
Fontes
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