As Quatro Idades da
Cultura Brasileira
O Brasil é hoje um dos
países mais fascinantes do mundo pela sua riqueza, diversidade e pujança
cultural.
1.
O confronto, diálogos e miscigenação entre três culturas: a
portuguesa, a africana e indígena (1500-1807)
Ao longo de três
séculos cruzaram-se no Brasil três culturas distintas: a portuguesa
(europeia), a negra (africana) e a indígena. É a partir delas que se irá
criar toda a riqueza da cultura brasileira.
Os portugueses
criaram as bases da cultura tradicional do Brasil, dando a este vasto
território uma forte unidade cultural, que permitiu sobreviver a todas as
tentativas de desagregação. Um facto único em toda a "América
Latina" e um caso raro no mundo.
A obsessão pela
homogeneidade cultural do Brasil era um aspecto central da política portuguesa.
Dois exemplos: a obrigatoriedade das elites nascidas no Brasil terem que virem
estudar a Portugal (Coimbra), mas também na proibição da entrada de
imigrantes que não fossem católicos.
Os negros, reduzidos
à condição de escravos, não tinham uma cultura única mas muitas e
extremamente diversificadas. No entanto, por contacto e miscigenação com os
portugueses incorporaram à cultura dominante aspectos da sua própria cultura e
modificaram outros. É por esta razão que a sua cultura do negros no Brasil
nunca se apresenta como autónoma, mas sempre com um elemento, aspecto ou
dimensão da cultura dominante. Outra coisa não seria tolerado pelos
portugueses.
Os índíos,
reduzidos ou não à condição de escravos, não deixaram de incorporar
aspectos próprios na cultura dominante, embora com menos vigor força que os
negros.
No século XVI,
ainda muito marcado pelo Oriente, a produção cultural suscita pelo Brasil
está ligada à sua descrição das paisagens, povos, aspectos militares,
políticos e religiosos da sua ocupação.
No século XVII,
o Brasil não apenas suscita em Portugal uma intensa produção cultural, como a
do padre António Vieira, mas também um número crescente dos seus naturais
emergem, como o poeta Gregório de Matos Guerra. É nesta época que surge
a ideia de criar no Brasil uma "Nova Lusitânia".
O século XVIII,
mostra já uma paisagem cultural muito diversificada e diversificada, entre os
naturais, com a emergência de poetas, historiadores, arquitectos, escultores,
etc. Os relatos da cultura popular não letrada, testemunham já um prodigioso
imaginário fruto de três séculos de aclimatação dos portugueses aos
trópicos e cruzamentos com índios e negros.
2. A
construção de uma cultura nacional (1808-1888; 1889-1930; 1930-1945)
A invasão
franco-espanhola de Portugal, em 1807, marca o início de uma nova etapa da
Cultura no Brasil. Trata-se agora de lhe construir uma identidade própria, de modo a afirmá-lo como uma novo
país distinto sua posição enquanto colónia portuguesa. Neste processo, podemos distinguir três
momentos fundamentais.
1º. Período:
1808-1888. Ainda mal
tinha chegado ao Brasil, em fins de 1807, já D. João VI, estava a construir um
reino independente de Portugal. Em 1815 declara formal e internacionalmente esta
separação. O seu filho, D. Pedro I (do Brasil, IV de Portugal), em 1822,
limita-se a dar continuidade a uma decisão anterior. A construção de uma
identidade cultural brasileira, tema que será debatido de forma apaixonada até
ao final da 2ª.Guerra Mundial foi, neste período feita com base em duas
tradições culturais que foram reinventadas:
a) Cultura
Lusa-Brasileira. Exaltou-se o cosmopolitismo, coragem, dedicação ao
trabalho e outros nobres valores que possuíam os navegadores portugueses.
Valores que teriam herdado e desenvolvido de forma especial aqueles que se
haviam fixado e nascido no Brasil.
b)Cultura Índia.
Os índios reais continuaram a ser tão desprezados como antes, mas no plano
imaginário o Índio tornou-se o símbolo da alma brasileira. Transformado numa
ficção, o índio virou um belo guerreiro que ferozmente se opôs á cobiça
dos portugueses, para defender a sua pátria. A contradição era todavia
flagrante: enquanto os índios imaginários eram louvados, os índios reais eram
mortos ou expulsos das suas terras.
O cultura brasileira acaba por
se tornar em algo exótico, pois a construção da sua identidade cultural não
tinha qualquer correspondência com a realidade. Os negros e os mulatos, a
maioria da população era nela esquecida ou marginalizada.
2º. Período:
1888-1930. A 1º.
República deu o passo seguinte na construção da identidade cultural do
Brasil, reduzindo as duas tradições a uma única: a cultura lusa-brasileira.
Esta última foi contudo amputada das suas raízes portuguesas, ficando reduzida
apenas à sua expressão brasileira.
Figuras como os
bandeirantes paulistas e Tiradentes, devidamente adaptados, e expuragados das
suas origens portuguesas, tornaram-se na
imagem da cultura e do povo brasileiro. As revoltas pela desagregação do Brasil,
duramente reprimidas pelos portugueses, foram transformadas em revoltas
nacionais pela independência do Brasil.
Esta construção
ideológica continua todavia a excluir os negros, e agora também os índios,
secundarizando o papel dos portugueses.
Alguns movimentos artísticos modernistas vão justamente procurar enaltecer estas
raízes marginalizadas, em particular a dos índios.
3º. Período:
1930-1945. Contrariando
as teses racista da época, neste período ensaia-se uma visão nacionalista
assente na mestiçagem. O Brasil tem uma cultura única, cuja matriz não é
portuguesa, índia ou negra, é mestiça. Estamos perante uma visão renovada da
cultura colonial. Nos anos seguintes, procurou-se ainda mostrar como a recente
imigração europeia de suíços, alemães, italianos e outros povos, não
anulou esta mestiçagem, dado que as culturas que os imigrantes não portugueses
trouxeram acabaram por ser diluídas na cultura dominante brasileira. Esta
capacidade integradora passa a ser assumida como um elemento da vitalidade da
cultura brasileira.
.
3.
Afirmação nacional (1945-1985)
O problema da
identidade da cultura brasileira parecia estar resolvido, o discurso da
mestiçagem dava uma resposta clara e integradora da realidade social e cultural
do Brasil. O problema subsistia, o da afirmação do Brasil no mundo. O problema
é agora ajustar as enormes potencialidades e dimensões do Brasil (maior do que
Europa) à sua expressão no contexto internacional, nomeadamente em termos
culturais.
O problema da
modernidade torna-se agora quase obsessivo, em particular quando os brasileiros
se comparam com os EUA. Para vencer as diferenças, muitos defendem uma simples
imitação de nomes, estilos de vida e até de organização social. A resposta
política foi promover grandes projectos, como a construção de Brasília e uma
activa propaganda interna. Os sucessos no desporto (futebol, Formula 1, etc),
mas também o Carnaval e a excepcional música popular foram explorados como
símbolos de afirmação do Brasil no mundo. A partir dos anos 70, onde há um
brasileiro passou a haver também uma bandeira e uma camisola verde e amarela. A
emigração que começou em força nos anos 80, facilitou igualmente esta
afirmação global. A fé inabalável no país e o cosmopolitismo
característico dos primeiros povoadores portugueses, é agora assumido como uma
estratégia de um povo.
4.
Novas Tendências
Nos últimos 20
anos, o Brasil, apesar das enormes desigualdades internas acabou por se afirmar
como uma grande potência regional. O seu impressionante crescimento
demográfico e unidade cultural impõe-se no mundo.
Uma das tendências
actuais é para assumir-se como o líder dos países da América Latina, e
eventualmente de África, fazendo a ponte com outras regiões do mundo onde
estão a emergir grandes potências (ìndia, China, etc). Esta tendência está
inscrita na matriz cultural cosmopolita do Brasil. Trata-se de fazer aquilo que
os portugueses fizeram durante séculos, nomeadamente a partir do Brasil. Esta
lógica implica reforçar e desenvolver laços comerciais e culturais, apoiados
em relações históricas com séculos de existência. A obrigatoriedade do
ensino do espanhol nas escolas, por exemplo, insere-se nesta estratégia de
liderança regional.
Esta vocação para
liderar a América Latina, abre ao Brasil novas perspectivas de diálogo com as
outras potências mundiais, como os EUA ou os países que integram a União
Europeia. O Brasil tornou-se no principal interlocutor em toda região dado o
seu peso político e económico. Este aspecto força-o a assumir uma
dimensão cosmopolita, moderna, capaz de tirar partido destas ligações e
reforçar a sua credibilidade. Situação que terá que contrabalançar, com a
anterior tendência onde tende facilmente a ser conotado como apenas o grande
líder dos países pobres do mundo.
Carlos Fontes
Em construção !
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