Santa Maria de Guadalupe
Tudo leva a crer que Colombo fosse
devoto de Santa Maria de Guadalupe. No regresso da 1ª. viagem, próximo dos Açores, no meio de uma tormenta,
entre a tripulação foi sorteado quem iria em peregrinação a "Santa Maria de
Guadalupe", no caso de se salvarem.
Na segunda viagem às indias deu o
nome de Guadalupe a uma ilha. A verdade é que não há registo que alguma vez
tivesse estado em Guadalupe, na extremadura espanhola.
Esta virgem
era a padroeira dos resgatados, reféns ou cativos, sendo portanto de particular
devoção pelos marinheiros devido aos perigos que continuamente corriam não
apenas de naufragarem, mas sobretudo de serem capturados por corsários e
piratas.
O texto do Diário de Bordo onde
Colombo refere a promessa, é em tudo idêntico às promessas que muitos nautas
portugueses deixaram escrito, que haviam feito sobretudo entre 1482 e 1495 (3),
no caso de salvarem de naufrágios no mar ou do cativeiro no Norte de África.
Em Portugal, no século XV, os
cultos marianos, nomeadamente o de Santa Maria de Guadalupe rivalizavam com
o do apóstolo santiago. Um fenómeno que era
particularmente notório na região de Lisboa e a sul do rio Tejo.
Mais
Que santuário se
estaria a referir ?
A ) Monasterio
Real de Nuestra Señora de Guadalupe (Espanha)
Ao contrário do que
por vezes se afirma, Colombo nunca esteve
neste santuário. Apenas existem provas documentais de que um dos indios que trouxe das Indias
tenha sido aqui baptizado.
A construção deste
mosteiro deveu-se , como dissemos, a uma rainha portuguesa de Castela - D. Maria de Portugal-, esposa do rei castelhano Afonso
XI, que o mandou construir com parte do espólio da batalha do
Salado, na qual portugueses e castelhanos derrotaram os mouros.
Tornou-se talvez,
por esta razão, um dos locais privilegiados para encontros com da
corte portuguesa com castelhana (e espanhola).
O Mosteiro a partir
de finais do século XIV passou a ser muito concorrido pelos portugueses,
nomeadamente para pagarem as suas promessas pela cura de maleitas, salvação de
naufrágios, fuga ou resgate do cativeiro no Norte de África.
Este culto estava
acima das rivalidades entre Portugal e Castela. D. Nuno Alvares Pereira,
depois de combater os castelhanos em Valverde de Mérida (1485) foi em
peregrinação ao santuário de Guadalupe, situado em Castela.
Muitos foram os
marinheiros portugueses que constam do registos deste mosteiro. Dois casos
espantaram em 1495 Jerónimo Munzer quando o visitou:
- O crocodilo que
os portugueses trouxeram da Guiné;
- O "círio"
que D. João II ofereceu ao mosteiro, em 1490, por a virgem ter salvo Lisboa
da peste e de alguns dos seus súbditos se terem salvo de um naufrágio e
regressado salvos a Portugal. Dada a importância da expedição é possível que
tenha sido a de Bartolomeu Dias ao Cabo da Tormentas/Cabo da Boa Esperança
(1488) (4).
O Infante D.
Fernando, Duque de Beja-Viseu e mestre das Ordens de Cristo e de Santiago
foi outros dos muitos nobres que o visitou. A popularidade deste mosteiro
atingiu o seu apogeu nos séculos XVI e XVII.
Os monarcas
portugueses não eram alheios a este fenómeno popular. Três exemplos:
D. Afonso V.Este rei visitou
visitou o santuário três vezes - 1458, 1463 e 1464. Foi um dos protagonistas de um dos mais famosos milagres deste santuário,
destacado nas crónicas do tempo. A sua filha, a princesa Joana( 1452.-1490),
poucos dias antes de falecer em Aveiro, pediu a um dos seus capelões para ir por
ela em peregrinação ao santuário de Guadalupe.
D. João II. Se não é certo que
D. João II tenha visitado este santuário, a verdade é que muito a apoiou.
Deu-lhe, por exemplo, dois quintais de marfim, e um magnifico "Círio" mencionado
por Jerónimo Munzer.
Foi neste mosteiro que se soube da conspiração que estava a ser organizada
contra D. João II (1483).
O cronista Rui de
Pina teve uma relação muito especial com o mosteiro, envolvendo pastagens
comuns na Serra da Estrela. Em 1482 teve aqui conversações sobre o
caso de Dona Joana, a Beltraneja.
D. Manuel I. Enquanto foi Duque de Beja financiava regularmente este santuário, e continuou
a fazê-lo depois de ser coroado
(1495). Em 1498 quando se dirigiu para
Toledo, onde se encontrava Colombo, não deixou de o visitar.
Mais
B) Capela
de Santa Maria
de Guadalupe (( Raposeira, Sagres, Portugal)
Esta capela, situada
em Vila do Bispo, perto do Cabo de S.
Vicente, Sagres no Algarve, tem uma origem remonta pelo menos ao
século XII , pertenceu à Ordem dos Templários
e depois à Ordem de Cristo, era um local de grande devoção de
marinheiros e navegadores portugueses.
Estando a Virgem de
Guadalupe ligada aos cativos é provável que as casas em volta da Igreja
servissem para abrigar temporariamente os portugueses que tivessem sido
resgatados no mar ou que houvessem sido capturados no Norte de África. Existia
aqui também uma residência para os alfaqueques - os rabelos ou rebelos - que se
dedicavam à obra do resgate de cristãos cativos dos mouros. O número
dos capturados era de tal ordem que existiam por todo o país pessoas
encarregues angariar dinheiro e tratarem destes resgastes.
Gil Eanes, Lançarote e outros capitães,
depois na volta da Ilha de Tider (Costa da Guiné, 1444) ofereceram um
escravo para se vender " a Santa Marya da augua Lupe hua ermida que
está naquelle termo de Lagos" ( 1 )
Esta capela foi usada pelo
Infante D. Henrique ( mestre da Ordem de Cristo ), frequentador da "Quinta de
Cima" que fica junto ao local onde está implantada. Está documentada a sua presença em
1446. Próximo desta Igreja fica o célebre Cabo de São Vicente e o Cabo
de Sagres. O local está associada à mítica "Escola de Sagres".
Os italianos ligam
ao local duas histórias, o que atesta a sua importância religiosa no século
XV para os navegadores:
-
Primeiro, teria sido aqui que Cadamosto se encontrou
com o Infante D. Henrique.
-
Segundo, teria sido perto do local que Colombo naufragou, em 1476, antes
de vir para Lisboa.
C )
Mosteiro de Santa Maria de Guadalupe (Lisboa)
O Infante D.
Henrique, em 1454, conseguiu autorização papal para a fundação de um
mosteiro dedicada a esta virgem (Bula Exigentibus Meritis, do papa Nicolau V a
D.Jaime, bispo eleito de Lisboa, datada de 26/9/1454). Pouco se conhece sobre
este mosteiro em Lisboa (cfr. Descobrimentos Portugueses),mas a autorização
revela o profundo significado desta virgem para a expansão.
D ) Ermida de Santa Maria
de Guadalupe (Serpa,
Portugal)
Esta ermida anterior ao
século XII, tendo no seu interior uma imagem do século XV de Stª.Mª. de
Guadalupe, padroeira desta vila Alentejana. A capela fica a 1 km de Serpa, numa elevação
conhecida por Serra de São Gens.
A fundação local do culto é atribuída
à rainha D. Maria de Portugal (1313 - 1357), mulher do rei castelhano
Afonso XI, logo após a batalha do Salado (Cádiz, 30 de Outubro de 1340).
A história desta
batalha é de enorme simbolismo. Tendo a frota do prior de S. João do Hospital,
almirante castelhano, sido destroçada pelos muçulmanos. O rei Afonso XI de
Castela, num gesto de grande humilhação, foi obrigado a pedir ajuda ao rei
português Afonso IV de Portugal, para que este enviasse uma esquadra de
socorro. A ajuda de Portugal foi decisiva para a estrondosa derrota dos
muçulmanos na Batalha do Salado, onde estiveram presentes milhares de
portugueses, entre os quais o Mestre de Aviz.
Colombo mais uma
vez, escolhe figuras de enorme simbolismo para a sua especial devoção, o que
não deixa de ser surpreendente.
A Ermida de Serpa parece
a mais ajustada, por duas razões de peso:
O cronista do rei Carlos V (I
de Espanha), - Juan Ginés de Sepulveda (1490 -1573), na Historia
del Nuevo Mundo afirma que o nome de Guadalupe tinha sido dado por Colombo "pelo que tinha de parecido
com os montes que rodeavam a cidade lusitana de Guadalupe". A cidade
lusitana ligada a Guadalupe é Serpa.
A vila alentejana
está ligada à família de Colombo, em particular ao seu pai Infante
D. Fernando, Duque de Beja, irmão do rei D. Afonso V. Este Infante fundou
aqui, em 1463, o Convento de Santo António (monumento nacional).
Atendendo ao enorme
simbolismo desta virgem para os portugueses, não admira que Colombo pudesse evocar um
santuário de Guadalupe, qualquer que ele fosse.
Carlos
Fontes
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