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Imigração
Brasileira em Portugal (II) 
Confrontos não violentos entre apoiantes de Lula da Silva e de Jair Bolsonaro. Lisboa. Outubro de 2022.

Multidão junto à Faculdade de Direito da UL à espera dos resultados eleitorais. Out. 2022
Nas duas últimas duas décadas o aumento da imigração para Portugal foi enorme. Em 2003, legalizados eram 26.561 pessoas, embora no ano seguinte fosse estimado cerca 100.000 contando com legalizados e outros (naturalizados ou ilegais). A maioria dos imigrantes eram na altura africanos, quase o dobro de 1990, quendo pouco ultrapassavam o 100 mil. O segundo grupo mais representado veio do leste da Europa: Ucranianos, Moldovos, Russos e Romenos. Consultar: http://www.filorbis.pt/migrantes/page2Estat.html.
Durante a Presidência de Bolsonaro no Brasil (2019-2023) que coincidiu com a Pandemia (2020-2021), assistiu-se a uma grande vaga de imigrantes brasileiros para Portugal. Em 2024 era estimado que fossem já cerca de um milhão ou mais, perto de 10% da população portuguesa. Era uma imigração vinda de todas as partes do Brasil, assim como das mais diversas condições sociais das cidades ou de zonas rurais. Foi uma vaga que coincidiu com o aumento exponencial de imigrantes oriundos do Nepal, Bengladesh (c. 70mil em 2024), Paquistão, India e outros países asiáticos.
A presença de tão grande número de imigrantes barsileiros em todo o país, com grande visbilidade nas redes sociais onde relatam as suas vivências, constrates entree os dois países, assim como situações críticas produziu um forte impacto na sociedade portuguesa.
Preconceitos Racistas e Xenófobos
Apesar de uma raiz cultural comum, as acusações de preconceitos racistas e xenófobas são mútuas. Uma questão com tem origens históricas.
Desde a independência do Brasil (1822) que os portugueses são as figuras privilegiadas das anedotas (piadas) brasileiras. Trata-se de um humor que encobre uma manifestação racista e xenófoba, que continua a alimentar e perpétuar a imagem (estereótipo) de Portugal como um país atrasado e povoado de gente estúpida. No processo de independência e definição da identidade nacional brasileira, no século XIX, funcionou como uma forma de unir os brasileiros sepando-os das suas raízes portuguesas. Um corte essencial para a afirmação de uma nova nacionalidade. Ao "português" desligado do "brasileiro", foram-lhe atribuidas todos os males que o Brasil no passado e presente enfrenta (bode expiatório). Não tardou que todo o povo português, sobretudo depois de 1890, passa-se a ser ridicularizado nas piadas de modo permitir ignorar as raizes comuns, a construção do próprio país. O brasileiro branco, no nossos dias, desligado do seu próprio passado histórico, acusa o "português" de ter roubado os recursos do Brasil, escravizado indios e africanos, sem assumir-se como beneficiário destes actos.
Programas televisivos, espectáculos e publicações difundem sem cessar estes estereotipos. Nas piadas, o "português" denominado Manuel ou Joaquim, e a sua mulher chamada invariavelmente Maria, têm um nível de inteligência inferior à de um macaco (a). Na sua "santa ingenuidade" a única preocupação que tem na vida é arranjar dinheiro, não importa a forma.
No final dos noventa do século XX surgiram as primeiras acusações de discriminação de brasileiros em Portugal. A vida de grande número de prostitutas do outra lado do Atlântico, coincidiu com a acusação que as mulheres brasileiras estavam a ser identificadas como prostitutas. Em 2003, na cidade de Bragança, ocorreu o primeiro caso com repercussão internacional: um grupo de mulheres locais uniu-se para expulsar cerca de 300 prostitutas brasileiras que se haviam instalado na cidade que, na altura, contava com pouco mais de 20 mil habitantes.
O número de estudantes brasileiros continua a aumentar, gerando alguns problemas pontuais, surgindo algumas acusações de discriminação. Alguns portugueses afirmam que os brasileiros estão a roubar-lhes vagas nos cursos, e estes, por sua vez, dizem que os professores e as instituições são mais exigentes com eles. Na Faculdade de Direito da UL (Alvalade) ocorreu, em 2019, o primeiro caso de alegada xenofobia. Foi colocado no campus da Universidade, uma caixa para atirar pedras aos brasileiros que estariam a ocupar vagas em cursos, dificultando a entrada de estudantes portugueses. O assunto, passou despecebido. Em 2023, um grupo de estudantes brasileiros, aproveitou a vinda de Lula da Silva a Portugal e entregou uma carta à então ministra da Igualdade Racial (Anielle Franco), denunciando discriminações que eram vítimas. Um estudante português desta faculdade, insurgiu-se contra o teor da carta, afirmou que as "pedras" que não passariam de uma "brincadeira" e abriu uma polémica, com repercussão na comunicação social e na própria Universidade de Lisboa.
O Diário de Notícias, na edição de 1/07/2024, num texto de Nuno Tibiriçá, surge um testemunho aterrador sobre xenofobia contra brasileiros, alegadamente passado no Campo Grande (Alvalade). Luiza Villena, paulista, afirma ter aqui sentido na pele o ódio contra os brasileiros. Quando um dia se abeirou de uma varanda, alguém espirrou na sua direcção e de seguida foi-lhe atirado um iogurte de grandes dimensões. No dia seguinte, um papel fora afixado na porta onde residia, onde se lia que as brasileiras eram umas "porcas" e que não eram bem vindas a Portugal para se prostituirem ou roubar trabalho aos portugueses. Fez queixa na 18ª. Esquadra do Campo Grande, mas segundo afirma, a policia não quis investigar para descobrir os responsáveis. "O policial disse "aqui é assim mesmo. Se vocês vieram pra cá, vocês vão passar por esse tipo de coisa". Não conseguimos apurar a verdade deste testemunho, nem o local onde o mesmo se passou.
Nas redes sociais, local propício à multiplicações de denúncias anónimas de discriminações racistas e xenofobas, os portugueses são acusados de rebaixarem os brasileiros, por supostamente, não saberem falar com correcção, não respeitarem os seus vizinhos, nem os costumes locais, andarem sempre de chinelo nos pés ou trazeram bandos de criminosos e prostitutas. Acusações eventualmente suportadas em experiências individuais e pontuais que são generalizadas, pelos motivos mais diversos, nomeadamente estupidez.
Estes preconceitos de parte a parte são resultado de um desconhecimento mútuo, surgido no século XIX e que se mantém nos nossos dias. É evidente que estes preconceitos só terminam através de um melhor conhecimento reciproco.
Criminalidade
A associação dos imigrantes a uma suposto aumento da criminalidade na Europa faz parte da agenda da extrema-direita. O objectivo é instalar um sentimento de insegurança e o medo do Outro, para a tomada do poder político por parte de forças chauvinistas, desagregadoras da União Europeia como espaço de liberdade. As comunidades muçulmanas são neste domínio, o principal alvo (islamofobia). No caso da comunidade brasileira, alguns sinais merecem alguma atenção.
Vários inquéritos à população portuguesa, no princípio do IIIº. milénio, revelam que o principal medo era então a constituição de organizações e o tráfico de droga, a imigração não era sentida como um problema. Em 2023 os anteriores receios mantiveram-se, mas passaram a ser ligados também à imigração. A descoberta que duas organizações brasileiras, o Primeiro Comando da Capital (CCP) e o Comando Vermelho (2025), estavam envolvidos na vinda de grandes quantidades de droga para Portugal, reforçou os discursos xenofóbicos em escalada da extrema-direita.
O próprio governo viu-se obrigado a 16 de Dezembro de 2024 a desmentir a "informação" que estava circular que todos os presos da Penitenciaria de Coimbra pertenciam ao PCC. O presidente do sindicato dos guardas prisionais, incendiou a questão, afirmando que as prisões do país estavam cheias de membros do PCC. Outros falaram em células adormecidas dos seus membros que estavam difundidas por todo o pais, mencionando pequenos negócios de brasileiros sem quaisquer retorno que justifique a sua existência. Um coronel português, não tem dúvidas que o PCC está bem implantado no país e é responsável pelo aumento de armas nas mãos de criminosos (Expresso, 3/01/2025). Estas noticias não deixam de afectar negativamente percepção de muitos portugueses sobre esta comunidade, como aliás alguns videos já o registam. É expectável que entre as centenas de milhares de brasileiros que nos últimos anos vieram para Portugal, tenham vindo também criminosos com largo cadastro. O problema são as generalizações que fomentam as teorias da conspiraçãao, ameaças colectivas infundadas.
Uma questão que impede a aproximação de portugueses e brasileiros, comum a situações similares em outros países, prende-se com a falta de coordenação das respectivas policias: acumulam-se os casos de brasileiros que comentem crimes em Portugal, conseguem fogir para o Brasil onde são "protegidos" pela ausência de um acordo de extradição.
Os grupos de imigrantes asiáticos, muito associados depois de 2011 ao terrorismo, continuam a ser os principais alvos, sobretudo quando se fala da "perda de valores na identidade nacional".
Redes Sociais
Os brasileiros tem-se revelado muito activos nas redes sociais, expondo as suas vidas e a de outros, publicando milhares de videos difundindo imagens de Portugal, regiões, cidades e até de que pequenos lugares. Os portugueses, referidos como "eles", tornam-se num objecto de análise para os brasileiros.
Estes videos podem serem agrupados em dois tipos, os videos turisticos e os virados para imigrantes. Nem sempre a fronteira é nítida entre eles. As imagens são quase sempre dos mesmo lugares, os mais frequentados por turistas. Espaços culturais, como visitas a monumentos, museus, exposições ou espectáculos poucas vezes são mostrados. Percebe-se que alguns dos percursos turisticos são verdadeiros levantamentos sobre o ambiente, hábitos da população local, alojamentos, alimentação, trabalho, transportes, educação, saúde e redes de apoio de compatriotas. O objectivo parece ser, na maioria dos casos, indagar da possibilidade de uma futura migração de outros brasileiros. Nesse sentido, procuram em rápidas impressções aprresentar os pontos positivos e os negativos. Concelhos como a Amadora, Loures, Odivelas, Almada ou Seixal são apontados locais pouco recomendáveis, apesar da sua proximidade de Lisboa. Na periferia do Porto, os concelhos reunem melhor aprovação que na capital. O país é considerado muito cosmopolita porque se ouvem falar muitas línguas e ter muitos estabelecimentos de marcas internacionais.
Os videos destinados a imigrantes brasileiros, na sua maioria, descrevem experiências pessoais desde os primeiros contactos com os espaços urbanos, a população, a cultura, as dificuldades em encontrar alojamento ou trabalho e o preço dos bens essenciais. Fazem-se comparações entre Portugal e o Brasil a propósito de tudo, incluindo nomes diferentes para as coisas. As diferenças, por míninas que sejam são hipervalorizadas. A questão da legalização, ainda que seja muito favorável a todos brasileiros em relação a outros imigrantes, não deixa de ser um enorme problema.
A maioria destes videos, apresentam uma visão "cor de rosa" da imigração para Portugal e do próprio país. Difundem a ideia que qualquer brasileiro, independemente das suas qualificações e vivências, encontrará à sua espera neste canto da Europa, uma vida muito melhor daquela que desfrutou no Brasil. Tudo isto obterá sem grande trabalho ou obstáculos, e em qualquer lugar que aqui escolha para viver. Alguns "administradores" de canais, apresentam a sua experiência pessoal e oferecem os seus serviços para apoiarem os que chegam.
Não admira que muitos relatem que vieram à aventura com a familia inteira e sem ninguém conhecido no país, e acabem desiludidos, pelos problemas habituais: alojamentos inacessiveis; falta de trabalho; burocracia na legalização; discriminação, experiências de hostilidade, vigarices, salários muito baixos e um clima agreste comparativamente com o Brasil. A agravar tudo isto, muitos dos locais onde arranjam apartamentos para viverem ficam em locais ditos "problemáticos", marcados pela degradação urbana ou violência nos arredores de Lisboa.
Para já não falar de outros motivos como as saudades da familia, problemas de interação social, isolamento e falta de apoio social, o carácter fechado dos portugueses, etc. A conclusão é que foi um erro virem para Portugal, ou que a vinda foi mal planeada. Não deixa de ser curioso que nestes videos os brasileiros raramente se refiram a imigrantes de outras nacionalidades com os quais, muitas vezes competem no mercado de trabalho e no aluguer de alojamentos.
Os videos de estudantes brasileiros em Portugal são mais criticos, abordando sumariamente o colonialismo, preconceitos, discriminação dos brasileiros, etc. Na esmagadora maioria dos casos, as acusações são vagas, não permitindo indentificar os intervenientes, locais, datas e horas. Também muito criticos são os videos de brasileiros com formação superior, os motivos são os mesmo. Em geral, reclamam para os brasileiros em Portugal um tratamento particular em relação a todos os outros imigrantes, os quais raramente são referidos. O enquadramento de Portugal na União Europeia, onde as regras de imigração são comuns entre os países, assim como as questões das reciprocidade Portugal-Brasil são ignoradas.
Um dos factos da maior relevância destes videos, é o de pela primeiras vez em Portugal, os imigrantes passarem a ter um voz activa e com grande eco social, ainda que os brasileiros apenas falem da sua situação particular. O poder das imagens é o que se destaca em todos os videos. O narrador pouco se afasta do que mostra. Estamos perante um fenómeno que nos permite também compreender as enormes dificuldades que atravessaram e continuam a ter os milhões de portugueses que emigraram.
Youtubers e Influencers
As redes sociais criaram um novo tipo de "profissão" para quem quer viver da criação de "conteúdos", sendo remunerado pelas várias plataformas (YouTube, Facebook, Tiktok, Instagram, etc) em função dos "likes" que cada "peça" produzida regista. É este pagamento que alimenta a produção, por exemplo, dos milhares de videos sobre imigrantes na internet, intercalos de publicidade. O problema é que os youtubers e influencers para conseguirem elevados números de likes seus seguidores, recorrem frequentemente à produção de noticias falsas, casos ou imagens chocantes. Uma receita que transformou as redes sociais em veiculos propagadores do ódio, racismo e xenofobia contra os imigrantes e quem os acolheu. Publicam formas de contornar as leis da imigração na Europa, colocando os que se deixam iludir pela facilidade, em sérios problemas com a justiça
Imigração
Brasileira em Portugal (I)
(Texto de 2006)
Ao longo dos
séculos o Brasil recebeu milhões de portugueses, mas a partir dos anos 60 do
século XX foi a vez de milhares de imigrantes brasileiros afluíram à sua
antiga metrópole.
A emigração
para Portugal pode ser dividida em duas fases: antes e depois de 1998.
.Antes de 1998.
Os imigrantes brasileiros só começaram a fazer-se notar a partir dos anos 60
do século XX.Os primeiros que aqui chegam eram sobretudo empresários, futebolistas e artistas que aqui se
radicaram. Depois de 1974 vieram os exilados políticos, mas também muitos
outros profissionais como publicitários, dentistas, informáticos e outros destacados quadros
altamente qualificados. A comunidade brasileira desfruta então de um
importante estatuto social.
Em finais dos anos
80 ocorre a célebre polémica sobre o exercício de actividade dos dentistas brasileiros. O
elevado número foi sentido como uma ameaça pelos dentistas portugueses,
o que exigiu um acordo entre Portugal e o Brasil. No final final da polémica a população ficou a
ganhar numa área importante da saúde pública.
Correspondendo a um
crescente fluxo emigratório, no inicio dos anos 90 surgiu a primeira
associação de imigrantes brasileiros, a Casa do Brasil (1992),
editando-se também o primeiro jornal desta comunidade: SABIÁ.
O
fluxo de imigrantes brasileiros que veio sempre a crescer de forma regular e
sustentada desde os anos 60, começa a dar sinais de um brusco aumento ( ver ). O número de imigrantes em situação ilegal é cada vez mais visível em
muitos sectores de actividade.
Depois de 1998.
No ano em que Portugal comemorava os 500 anos da chegada por via marítima à India, os brasileiros iniciam uma importante vaga emigratória com destino a
este recanto da Europa. O número imigrantes legalizados em 1999 atingia os
20.851. A maioria chega contudo clandestinamente, mantendo-se numa
situação irregular. Empregam-se nos mais diversos sectores de actividade, em
especial na construção cívil e na restauração.
Em algumas
localidades como o Seixal, a
Costa da Caparica, Cascais ou a Ericeira, mas também em alguns bairros de
Lisboa, a presença de brasileiros passou a ser muito significativa. Muitos dos
novos imigrantes instalaram-se em bairros degradados sem
as mínimas condições de salubridade.
O número de
brasileiros ilegais não parou de aumentar, atingiu tais proporções que o
governo português e o brasileiro, acabam por chegar a um acordo para a sua
regularização. O acordo firmado a 11 de Julho de 2003 previa a legalização de 30
mil imigrantes que não estavam documentados. A
verdade é que em 2004 pouco mais de 6 mil viram a sua situação regularizada.
Neste ano calculava-se que vivessem em Portugal mais de100 mil
imigrantes brasileiros, um terão dos quais legalizados. Em 2004, a 7 de
Setembro, em Brasília, o chefe do governo português promete facilitar a
legalização de 14 mil novos imigrantes brasileiros. A verdade é que o
seu número ilegais não parou de crescer. Calcula-se, em 2006, cerca de um
quarto dos imigrantes que vem para a Europa, se dirijam para Portugal.
Perfil dos
Imigrantes Brasileiros:
Segundo a investigadora Teresa Sales, os imigrantes brasileiros em Portugal são sobretudo jovens trabalhadores da construção civil, restauração e trabalho
doméstico. Muitos ocupam em Portugal profissões menos qualificadas do que
aquelas que exerciam no Brasil, onde eram professores, bancários e estudantes
(11ª. Conferência Internacional Metropolis, Lisboa. Outubro de 2006). . |
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