Voltamos ao "Tempo da Outra
Senhora"
A expressão aplica-se como
uma luva ao que está a acontecer nas escolas públicas. Os professores
resignaram-se à condição de meros executantes de directivas superiores. Nada
mais se lhes pede, nem eles exigem mais.
Tudo isto vem a propósito do
novo modelo de "eleição" dos diretores de agrupamentos de escolas e dos
Conselhos Gerais.
Os candidatos a diretores, de
acordo com os artigos 21º e 22º. do Dec.-Lei nº. 75/2008, de 22 de Abril,
alterado pelo Dec.-Lei nº.137/2012, de 2 de Julho, devem apresentaram um
"Projecto de Intervenção", onde fazem o diagnóstico do agrupamento, definem
os objectivos e metas que se propõe atingir, prioridades, calendarização,
etc.
Um grupo formado no "conselho
geral das escolas", analisa depois os diferentes "projectos" e emite sobre
cada um deles um parecer, com base nos quais este orgão elege o candidato a
diretor.
Findo este processo, o
referido "Projecto de Intervenção" que serviu de base para a eleição do
diretor do agrupamento, e a que só um restrito grupo teve acesso, é metido
num cofre ! Ninguém mais tem acesso ao conteúdo do mesmo, tudo é mantido no
mais absoluto segredo.
Estamos num típico modelo de "centralismo
democrático" que Estaline tanto se esforçou por impor na antiga União
Soviética.
O Conselho Geral, embora tenha entre as suas
funções a fiscalização da ação do director eleito com base num "projecto de
intervenção", pouco mais pode fazer do que analisar a sua gestão corrente,
partindo do pressuposto que o mesmo está a seguir um projecto" que ninguém
conhece..
A esmagadora maioria dos professores,
arredados deste processo centralista, nem sequer fazem a ideia dos
objectivos que o agrupamento está a prosseguir, se é que de objectivos
podemos falar.
Esta situação que noutros tempos seria
considerada anti-democrática, é presentemente aceite como normal nas nossas
escolas. Será que voltamos, sem disso tomarmos consciência, aos tempos da
"outra senhora"?
Outubro, 2014
Carlos Fontes
Misérias da Classe Docente
O
ano de 2008 ficará para a história como aquele em que uma classe
profissional veio em peso para a rua clamando pela sua dignidade
profissional.
Bastaram dois
meses de 2009, para que uma grande maioria dos membros da mesma se mostrassem
incoerentes e facilmente compráveis por promessas do Governo, sem que nada de
substancial se tivesse alterado na sua luta.
Um colega de
profissão contava-me à dias o triste espectáculo da incoerência a que
assistira na sua escola.
Na
primeira assembleia geral de professores aí realizada, em fins de
Novembro de 2008, a quase totalidade dos mesmos estiveram presentes e por
unanimidade votaram contra o Modelo de Avaliação imposto pelo Ministério da
Educação. Nessa altura, um membro do Conselho Executivo da mesma,
desmontou as razões porque os professores deviam também recusar a
simplificação que então era proposta pelo Governo.
Em
Fevereiro 2009, foi realizada uma nova assembleia discutir
as medidas a tomar face à questão da entrega dos objectivos individuais.
Apenas um quarto dos professores estiveram presentes, a maioria fugiu da escola
muito antes da reunião.
Durante
a discussão TODOS os professores presentes concordaram que as modificações
introduzidas pelo Governo não
alteravam de forma substancial o modelo de avaliação. Em consciência
estavam contra o modelo simplificado, mas já não estavam
dispostos a lutar.
Porquê ?
Entre as razões apresentadas duas foram as mais referidas:
-
Medo. Esta foi a palavra mais repetida pelos presentes, e igualmente
pelos que não estiveram na reunião. Alegaram terem medo das consequências
(penalização na progressão na carreira, perseguição, etc). Alguns dos que
votarem contra a entrega dos Objectivos Individuais durante a reunião, pouco
depois, em privado, afirmaram que o iriam fazer.
-
Satisfação. A simplificação introduzida na avaliação
dos professores agradou a muitos deles, porque deixaram de ralar-se com a
mesma. A maioria estava convencida que agora é tudo a fingir, podendo ser tudo
cozinhado nas escolas. O elemento do Conselho Executivo que
em Novembro de 2008 se mostrara contra a anunciada simplificação, afirmava
agora que não era possível ir mais longe. A avaliação estava transformada
numa farsa onde até os professores reconhecidamente incompetentes seriam
beneficiados.
Alguns
professores alegaram também que a luta havia sido mal conduzida pelos sindicatos,
outros apontaram a falta de lideres para desistirem de lutar. Neste contexto
este tipo de argumentos são meras desculpas, para esconderem razões mais
profundas.
Pouco antes de se
proceder à votação de uma proposta que defendia a não entrega dos objectivos
individuais, um grupo fez questão de sair da sala para não se comprometer.
Um grupo alargado absteve-se, e quando inquiridos sobre as razões porque o faziam nada
adiantaram, encolheram os ombros incomodados e envergonhados.
Estamos
perante um tipo de comportamento muito característico da maioria dos
portugueses: o medo de tomarem posições individuais, leva-os frequentemente
a assumirem posições dúbias, em especial do tipo Faz de Conta. Foi com isto que
o Governo contou para dividir e desmobilizar os professores, a tradicional
falta de coerência e verticalidade.
Contra
isto, como diz o poeta: Há Sempre Alguém que Resiste, Há Sempre Alguém que
Diz Não !
Fev. 2009
Carlos Fontes