Canárias
Colombo
na
sua primeira viagem (3/08/14921492- 15/3/1493),
depois de sair de Palos, dirigiu-se para o arquipélago das Canárias, mas mais
especificamente para a Ilha de Gomera (Gomeira). Esta era a ilha
"portuguesa" das Canárias, onde o Infante D. Henrique criou uma base para as
suas explorações atlânticas.
O episódio tem sido
pouco estudado (2 ), sendo no entanto muito importante, como se verá, para
perceber a sua profunda ligação a
Portugal.
a
) Uma Rota Familiar
No
percurso entre Palos e as
Canárias, desengonçou-se o leme da "Pinta", comandada pelo espanhol
Martin Alonzo Pizon.
No dia 11 Agosto estando em frente à Ilha da Grã
Canária (Gran Canaria), onde se situava a capital das Canárias ( Real de Las
Palmas ), Colombo resolveu separar-se de Pizon, enviando-o à ilha para consertar o leme.
A sua atitude é aparentemente incompreensível, dado que seria na capital que
poderia obter maior apoio para a sua expedição oficial.
A verdade é que Colombo evita a todo o
custo dialogar
com as autoridades espanholas, separa-se de Pizon e dirige-se para as três ilhas
mais afastadas - Tenerife, Gomera (Gomeira) e Hierro (Ferro) - aportando
na segunda.
Colombo
revela um claro conhecimento destas ilhas, como é bem notório nas notas do seu
Diário de Bordo. Tudo indica que
antes de 1492 terá estado em Tenerife e Gomeira, como veremos, possivelmente a
capturar escravos guanches, numa acção de conquista, comércio ou de apoio à
evangelização.
O
que teria a ilha de Gomera de especial ? Porque evitou a Grã Canária ? A
explicação está mais uma vez em Portugal. A resposta a estas questões está
nas guerras que Portugal sustentou durante mais de um século nas Canárias. Há
episódios nas mesmas totalmente ignorados (5).
b
) As Guerras das Canárias
A
presença de portugueses nas Canárias remonta pelo menos ao século XIV, e
faziam parte do seu plano expansionista no atlântico. Desde
1345 que Portugal reclamou a sua posse, como o fez D. Fernando I. Sucederam-se
as expedições portuguesas às Canárias e os conflitos com os castelhanos.
Antes do século XV actuaram sobretudo através de tentativas fugazes de
conquista. A sua acção incidia sobre o comércio (ferro, etc), abastecimento
de navios, resgate de escravos e evangelização. Junto do papa os portugueses
continuaram a reclamar o direito à posse das ilhas descobertas e conquista das
ilhas não cristianizadas.
Infante D.
Henrique
O
Infante D Henrique, depois de 1415, envolveu-se em várias acções militares
para conquistar as Canárias,
onde pretendia criar uma base para as suas explorações marítimas a sul do
Bojador, mas também das terras a Ocidente. A base seria instalada na Ilha de Gomeira (Gomera).
Uma
ideia que foi prosseguida depois pelos seu sobrinho e herdeiro, D. Fernando,
Duque de Viseu-Beja e continuada pelo principe D. João, futuro rei D. João II.
Os
castelhanos não tendo capacidade para dominarem e governarem as Canárias,
acabaram por dar o senhorio das mesmas a um grupo de franceses (1402-1448),
o que para os portugueses pouco alterou a situação. O
No
mesmo ano que é conquistada Ceuta (1415), o Infante D. Henrique faz a sua 1ª. tentativa de
conquista das Canárias, numa expedição comandada por D. João de Castro, mas sem êxito
(6).
Os portugueses criaram nesta altura uma base de operações na Ilha de Gomera
(8).
O
Infante, agora como mestre da Ordem de Cristo (1420), não
desiste e em 1424 envia uma expedição comandada por D. Fernando de Castro
destinada a conquistar a Grã-Canária. A expedição era composta por 2.500
homens de pé e 120 a cavalo, envolvendo uma enorme logistica com pesados
custos. Os resultados foram nulos, devido a problemas logísticos. O bispo de
burgos, Afonso de Cartagena, vem a Portugal como embaixador do rei de Castela
reivindicar a posse do arquipélago.
Volta a tentar
novamente, em 1427, com uma expedição comandada por António Gonçalves da
Câmara, com idênticos resultados.
A
questão não fica encerrada, o Infante em 1435 consegue do papa um bula em
que lhe concede as Canárias. Castela reclama através do bispo de Burgos e passa
a exigir também a Mauritanea e a Tingitânea (região de Tanger). O papa volta
atrás e apela à paz entre os dois reinos (1436). O Infante procura travar as
investidas castelhanas em 1437 e conquistar Tanger, que se salda
numa tragédia.
A situação
altera-se uma pouco em 1448, quando o último dos franceses -
Maciot de Bettencourt - foge para a Ilha da Madeira e vende a ilha
de Lançarote ao Infante D. Henrique. Este envia então uma armada para
tomar conta da mesma, comandada por Antão Gonçalves e Alvaro Dornelas,
cavaleiros da casa do Infante, para tomarem a ilha de Lançarote. Antão Gonçalves
governou esta ilha durante dois anos.
Entre
1450 e 1453 são enviadas para as Canárias 4 armadas:
Em 1450 enviou 8 caravelas e uma fusta cheia de gente, atacando as ilhas
de Lançarote e Gomeira. Em 1451 enviou uma nova expedição punitiva,
com 5 caravelas, sob o comando de Fernão Valermon, Pero Alvarez, Vicente Dias e
outros vizinhos de Lagos, Rui Gonçalves, e outros moradores da Ilha da Madeira e
de Lisboa, que atacaram a ilha de Lançarote. Neste ano, Luis Afonso Caiado e Rui
Sanches de Cales, ao serviço do Infante, ataca os navios onde seguia o
embaixador de Castela que vieram a Portugal protestar pelos ataques às Canárias. Em 1453, uma nova expedição a
mando do Infante D. Henrique, sob o comando de Palencio e Martim Correia saqueou
as ilhas Canárias.
Os
portugueses conhecem perfeitamente não apenas as Canárias, assim como os seus
mares. Os
corsários e piratas ao serviço do Infante fazem verdadeiras razias nos navios
castelhanos que se aventuram às costas da Guiné, mas também que andam pelas
Canárias.
A situação altera-se, em 1454,
quando Castela "aceita" o domínio dos portugueses a sul do Cabo do
Bojador. Em troca o Infante D. Henrique pára com os ataques às Canárias. Zurara
refere que os portugueses terão saído, nesta altura de uma parte da Ilha de
Gomera que até aí ocupavam, onde mantinham uma relação muito pacífica com os os
guanches.
A Santa Sé confirma este domínio do Infante a sul do Bojador. O papa Nicolau V, em 1455,
confirma este monopólio. O
problema não terminou.
D.
Fernando, Duque de Viseu-Beja
Após
a morte do Infante D. Henrique, em 1460, a luta foi prosseguida até 1470 por D.
Fernando,
Duque de Viseu-Beja e herdeiro do Infante D. Henrique. Entre as acções que este empreendeu, destaca-se em 1466,
a invasão das Canárias, com uma armada comandada por D. Diogo da Silva Meneses.
D.
João II
O
Principe e futuro rei D. João, a partir de 1471 passa a controlar as
operações em relação às Canárias. A tomada do poder
por Isabel e Fernando, em 1474, reacende a guerra pela conquista das
Canárias, conduzida pela corte portuguesa. Em 1478, envia 7 caravelas para tentar tomar a Grã
Canária, com o apoio dos guanches. A
guerra só terminou em 1479, com a assinatura do
Tratado de Alcáçovas, quando Portugal renunciou às Canárias em troca do
monopólio do Atlântico Sul.
Apesar disso,
em 1482, quando mandou embaixadores aos reis católicos para proporem o
casamento do seu filho Afonso com a Infanta castelhana, deu-lhes indicações
muito precisas para que as Ilhas Canárias constassem no dote da noiva. O
cronista Rui de Pina, acrescenta que era para garantir maior segurança da
Guiné (Cron. D.João II, cap.VII) .
Os
portugueses não apenas pretendiam afastar os espanhóis da costa africana, mas
transformarem as Canárias numa base para a exploração do ocidente.
Comunidades
As guerras, mas também o intenso comércio com as Canárias
possibilitou a constituição de importantes comunidade de portugueses nas
diferentes ilhas.
c
) As
razões da escolha de La Gomera
A
escolha de La Gomera por Colombo só é compreensível se tivermos em conta, o
que esta ilha representava no século XV para os portugueses.
Ilha de Gomeira. A
sua investida nas Canárias, parece ter-se centrada desde o século XIV nesta
ilha. Os reis portugueses parecem ter forjado documentos de forma a legitimarem
a sua posse. D. Fernando, numa carta datada de 29/7/1370 fez a doação das
ilhas de Gomeira e Lançarote ao seu almirante das galés - Lançarote da
Francua. Noutra carta, a 7/7/1376, afirma que Lançarote não pudera tomar posse
das ilhas, porque os guanches e os castelhanos se lhe haviam oposto. Torna a
doá-las e compensa-o com a concessão do monopólio das saboarias pretas em
Tavira, Castro Marin, Alcoutim e Aldeia de Martin Longo. O caso não fica
por aqui. D. João I, a 3/11/1385, confirma estas doações a Lopo Afonso de
Francua, filho de Lançarote, que havia morrido pouco antes, em luta contra os
guanches na ilha com o seu nome.
O
Infante D. Henrique procurou
também apoderar-se de La Gomera, através
de várias expedições militares e outras acções, tendo em vista estabelecer
na ilha uma base para a conquista das Canárias e de apoio às expedições
marítimas. Foi o português Fernão Castro que iniciou, em 1424, a
evangelização dos seus nativos. Outros portugueses deram continuidade a
esta missão ( 4 ).
Cadamosto.
Em meados do século XV, temos um importante relato da viagem de Cadamosto ao
serviço do Infante D. Henrique. Na sua passagem pelas Canárias, em 1455,
apenas visitou duas ilhas - Gomeira e Ferro "que são de cristãos". A
ilha da Palma apenas a avistou, mas não desembarcou (6 ). Colombo em 1492
fará exactamente o mesmo.
Diego da Silva. Henrique IV de Castela, em 1463, em paga por terem levado a
Cordoba Dona Joana de Portugal, doou as Canárias aos Condes de Atouguia
(D. Martim de Ataíde Gonçalves de Castro ) e de Vila Real (d. Pedro de
Castro e Meneses). A verdade é que o domínio destes condes foi sempre muito
limitado, dado estarem envolvidos nas praças do Norte de Àfrica.
É
nesta fase que entra em cena - D. Diogo da Silva Meneses- enviado em 1466
para as Canárias, pelos Conde de Atouguia e Vila Real, e pelo Infante D. Fernando, Mestre da Ordem de Santiago, de Aviz e
de Cristo. O seu objectivo era reclamar as ilhas que lhes pertenciam e exercer
domínio sobre as mesmas. A sua acção foi de enorme bravura, atacando com
enorme sucesso outras ilhas ainda não dominadas com a Grã Canária.
Diego
de Herrera e Dona Inês de Peraza, senhores de Lançarote,
Fuerteventura (Forte -Ventura), La Gomera (Gomeira) e El Hierro (Ferro), acabam por se submeter
a D. Diogo da Silva, e Herrera não tardou a vir a Lisboa prestar vassalagem ao
rei.
Estes
senhores canários, afim de continuarem a manter o seu poder, deram a Diego de Silva
para além de uma significativa soma em dinheiro, a Torre de Gando em La
Gomera, símbolo do poder senhorial, e a sua filha D.
Maria de Ayala em casamento, e parte dos rendimentos das ilhas de Lançarote e
Fuerteventura. La Gomera tornou-se um marco da presença de Portugal nas
Canárias.
Diego
da Silva e a esposa vieram viver para Portugal, tendo sido acolhido como um
herói. D. João II, em 1482 (?), fê-lo Conde de Portalegre. Era senhor
de Gouveia, Celorico e outras vilas, foi aio de D. Manuel I, depois seus
mordomo-mor, escrivão da Puridade, vedor da sua fazenda, etc. O seu filho
sucessor em título, casou-se com uma meneses filha dos Condes de Vila Real.
A
escolha de Gomera não foi feita a acaso. Colombo foi claramente ao encontro de
portugueses. No seu Diário de
Bordo, regista precisamente relatos de pessoas que estavam na
ilha e que haviam estado ao serviço dos reis de Portugal (Ver 8 de Agosto de
1492).
Só
depois de uma espera de 12 dias nas Ilhas de Gomera-Tenerife, e perante a ausência de Pizon resolveu,
no dia 23 de Agosto, ir procurá-lo à Gran Canaria, onde terá chegado no dia 25. Ter-se-á demorado aqui pouco tempo, pois no seu Diário de
Bordo omite esta viagem. Para efeitos turísticos criou-se a
"tradição" que terá rezado na Ermita de Santo António Abade (San António
Abad), mas não existe qualquer documento que o
comprove. Tudo leva a crer que nem sequer tenha estado em Las Palmas, mas apenas
ancorou ao largo de uma praia a sul da ilha (Gando).
O que sabemos é que no dia 1 de
Setembro estava de novo na Ilha Gomera, de onde partirá no dia 6 de Setembro
rumo ao Novo Mundo.
Colombo
em todo o percurso revela um perfeito conhecimento dos arquipélago,
posições e distâncias, ao ponto de saber melhor as posições das ilhas
do que os próprios espanhóis que seguiam na expedição.
Vários
historiadores tem afirmado que Colombo teria uma relação amorosa com a senhora
de Gomera - Beatriz de Bobadilla (~1462-1501). Este facto justificaria a razão
porque se dirigiu directamente para Gomera em 1492, mas também porque continuou
a abastecer-se na ilha em 1493 e 1498. A ser verdade esta relação amorosa
temos confirma-se também a hipótese que esteve em Gomera e Tenerife antes de
1484, quando se encontrava ao rei de Portugal (3 ).
É
fácil agora perceber porque Colombo depois de Palos, se dirigiu para La Gomera,
não parando em nenhuma outra ilha. Portugal tinha ali um forte aliado, para
além de uma enorme comunidade.
d) Corsários e Piratas Portugueses
La Gomera tinha outra enorme
vantagem: era uma ilha que albergava corsários e piratas portugueses.
Por volta de 1492, o corsário
português - Gonçalo Fernandes de Saavedra, sediado em La
Gomeira, andava com duas caravelas a assaltar as várias ilhas das Canárias.
Apesar da habitual presença deste corsário, e de ter sido informado da mesma, foi
para aqui que Colombo se dirigiu em 1492. Sentia-se naturalmente seguro entre corsários e
piratas portugueses. Mais
e
) O
segredo de Real de las Palmas
A batalha perdida. A guerra entre Portugal e Castela, entre 1475 e 1479, envolve
naturalmente as
Canárias. Em 1476 os castelhanos pareciam levar vantagem nas águas das
Canárias, mas rapidamente tudo mudou. As armadas e a pirataria portuguesa isola
estas ilhs, cortando com as suas fontes de abastecimento. Os portugueses
aliam-se aos guanches contra os castelhanos.
Portugal,
em 1478, envia 7 caravelas para tentar tomar a Grã Canária, em especial - Real
de las Palmas - contando com o apoio dos guanches seus aliados. O comandante
português confiante na sua superioridade militar, acabou derrotado, prosseguindo depois
em acções de retaliação pontuais.
Real
de Las Palmas trazia para os portugueses más memórias. Colombo terá
participado nesta guerra contra Castela, e eventualmente numa destas acções
militares nas Canárias. Este episódio não lhe seria desconhecido,
por isso não parou aqui quando se dirigiu para as Indias, preferindo aportar a
La Gomera (7), cujo senhor havia prestado vassalagem ao rei de Portugal.
Esta
última guerra, prometia arrastar-se no tempo, e levou os dois países, em 1479,
a assinaram o Tratado de Alcáçovas e Toledo (1480), que pôs fim à disputada das
Canárias. Só a partir daqui a Espanha conseguiu vencer e exterminar os
guanches, que deixaram de contar com o apoio português.
F)
Tribunal do Santo Ofício das Canárias
O
número de portugueses era de tal forma elevado nas Canárias, que se tornaram
nas primeiras e das principais vítimas do Tribunal do Santo Ofício das
Canárias. Uma perseguição que lhes foi movida até ao fim da Inquisição em
Espanha. Mais
Carlos
Fontes
Inicio
. Anterior
|