1.Estatuto da Ciência. 
O valor da ciência
tem variado bastante ao longo da história. O seu estatuto actual
tem origem no século XVII, quando surgiu a ciência moderna. A
epistemologia (episteme + logos = discurso sobre a ciência ) é a
disciplina filosófica que se ocupa da análise e crítica do
conhecimento científico.
2. Época Clássica e Idade Média
        
           Podemos caracterizar a ciência, até ao século XVI, da seguinte
          forma:
           a) A ciência é uma actividade
          essencialmente contemplativa. Não tinha como objectivo a
          manipulação ou transformação da natureza para fins específicos, mas
          tratava-se de uma forma desinteressada de  procurar o saber.
          b) O conhecimento científico apoia-se em
          procedimentos dedutivos. Partindo de princípios gerais extraí-se
          explicações de âmbito particular.
          c) A ciência não está separada da
filosofia. A filosofia é entendida como a ciência das ciências.
Na antiguidade clássica Platão e
Aristóteles têm uma enorme influência sobre o desenvolvimento da
ciência. Ambos concebem o universo como estático e
hierarquizado.  A natureza está impregnada de racionalidade.
 Durante a Idade Média, na Europa, predomina
a religião cristã.  A ciência
está subordinada à filosofia, e esta à teologia. Deus é o
criador de tudo o que existe.  É em Deus que se deve procurar a
finalidade e o sentido para tudo o que existe. Para além de Platão e
Aristóteles, na ciência destaca-se agora a influência de Stº.
Agostinho e S.Tomás Aquino. O primeiro está próximo das ideias
platónicas. O segundo, adapta as teses
filosóficas aristotélicas à visão cristã do universo. A partir do
século XIII desenvolve-se uma cultura livresca ( a
escolástica). 
3. Época Moderna
A ciência moderna
foi preparada pelo Renascimento. Nos séculos XV e XVI critica-se o
saber livresco, valoriza-se a observação directa e rigorosa, a
experimentação e a técnica. Nos séculos XVI e XVII ocorrem
importantes  revoluções científicas, corporizadas as grandes
descobertas geográficas, mas também nas de Copérnico, Galileu, Kleper
Descartes, Leibniz e Newton.
A ciência separa-se da
filosofia. 
 Desenvolve-se uma visão mecanicista  do universo.
A natureza é vista como um artefacto técnico, uma máquina, sendo o
seu conhecimento acessível ao homem. Como numa máquina, os
processos que ocorrem na natureza, são vistos como estando submetidos a leis matemáticas
imutáveis. Difunde-se a crença na verdade absoluta do conhecimento
científico, o qual caminhava para a resolução de todos os enigmas
do universo. No século XIX, o positivismo será, neste aspecto, a
consagração filosófica destas teses mecanicistas e deterministas.
        
Galileu. Atribui à observação, à experiência
e à matematização do real uma função
essencial na compreensão da natureza. 
        
Newton. Procurou unir a matemática e a fisíca, fortalecendo o método
empírico. Estabeleceu a presença da lei e da ordem na natureza
mediante as suas descobertas sobre o movimento dos corpos celestes.
Mostrou que a natureza age racionalmente e não por acaso,
estabelecendo o princípio base do determinismo: Se pudéssemos
conhecer as posições e os impulsos das partículas materiais num
dado momento, poderíamos deduzir pelo cálculo  toda a
evolução posterior do  mundo. 
 
4. Época Contemporânea
 Positivismo.
 Esta corrente filosófica que surge no século XIX defende que o
 único conhecimento genuíno é o da ciência  e o baseado em
 observações de factos. Rejeitou qualquer explicação sobre as
coisas que ultrapassa-se a sua dimensão física.
O positivismo acabou por influenciar 
profundamente as teorias científicas do século XIX e princípios do século XX. Em termos sociais
contribuiu para a criação e difusão de grandes mitos sobre o conhecimento
cientifico: 
a)Mito da cientificidade: o conhecimento
científico é o único que é verdadeiro;
b) Mito do progresso: o desenvolvimento da
ciência e da técnica são os únicos que poderão conduzir a
humanidade a um estado superior de perfeição; O cientista era
encarado como alguém acima dos interesses  particulares,
unicamente devotado ao saber pelo saber.
b)Mito da tecnocracia:  A resolução
dos problemas da humanidade passa por confiar o poder a especialistas
nas diversas áreas do conhecimento técnico e científico.
 
 No século
XX assiste-se a uma progressiva crise das concepções deterministas
herdadas do período anterior. O conhecimento cientifico deixa de ser
visto como absoluto. Muitos dos mitos desenvolvidos em torno da
ciência são abandonados:
         
          - A actividade cientifica deixa de ser encarada como neutral, isto é,
          acima do poder ou dos interesses económicos. Pelo contrário aparece
          cada vez mais comprometida com a construção de novas armas de
          guerra, ou na criação de produtos
          destinados a serem comercializados por grandes grupos económicos à
          escala mundial.  
                   
          - A promessa de uma paz perpétua que surgiria dos
          avanços da racionalidade científica, não se cumpriu. Os enormes progressos da
          ciência no século XX, foram acompanhados do desenvolvimento de
          tecnologias de guerra com um poder destrutivo sem precedentes
          históricos. No século XVIII morreram nas 68 guerras, 4,4 milhões de
          pessoas; no século XIX, em 205 guerras, morreram 8,3 milhões de
          pessoas; no século X, em 237 guerras, morreram 98,8 milhões de
          pessoas. Entre o século XVIII e o século XX, a população mundial
          aumentou 3,6 vezes e o número de mortos na guerra 22,4 vez
          (Guiddens,1990).
                   
          - A promessa de um domínio da natureza, pela ciência, de forma a
          colocá-la ao serviço do homem redundou numa exploração excessiva
          dos recursos naturais, e em desequílibrios ecológicos que atingiram
          tais proporções que estão a coloca em causa a própria continuidade
          da humanidade.
                  
          - A promessa de um progresso continuo da humanidade que conduziria à
          humanidade a um estado superior de bem estar para todos, redundou em
          disparidades mundiais gritantes. Enquanto num grupo reduzido de
          países se acumulam riquezas e desperdiçam recursos, na maioria dos
          restantes populações inteiras são dizimadas pela fome e epidemias,
          e são espoliados os seus recursos naturais.  
          5.
          Novas Concepções sobre a Ciência 
           Entre os teóricos da nova concepção da
          ciência destacam-se Einstein (1879-1955), Heisenberg (1901-1976) ,Pierre 
          Duhen (1861-1916), Gaston Bachelard
          (1884-1962), Karl Popper (1902-1994), Lakatos, Thomas Kuhn(1922) e Feyerabend
          (1924-1994). Os fundamentos da ciência e da sua evolução são
          radicalmente alterados.
          6. Conhecimento Científico
           Einstein. No
          início do século XX destrói  a concepção determinista do
          conhecimento científico, em que tinha assentado a ciência moderna,
          ao negar a simultaneidade entre fenómenos acontecidos a grandes
          distâncias.
          Heisenberg introduziu o
           princípio da incerteza,
          concluindo a destruição do determinismo da física
          newtoneana, tendo descoberto que era impossível determinar simultaneamente e com igual precisão a
          localização e a velocidade de um electrão. Quanto mais precisa
          for a previsão da posição de uma particula, menos precisa será a
          previsão da sua velocidade e vice-versa. 
          No século XX deixa-se de falar em certezas
          absolutas, para se falar de incertezas e probabilidades.
          Popper  demonstrou
          que toda a ciência é baseada
          em conjecturas, de hipóteses que tentamos confirmar mas também
          refutar. A ciência não é verdadeira, mas conjecturável. Uma
          experiência cujo resultado é previsto por uma teoria, não prova a
          exactidão dessa teoria, mas apenas se limita a não a refutar. A
          confirmação experimental não serve como prova de verdade, dado que
          pode estar a ser omitida uma excepção fundamental. Encontrar uma
          única excepção é, todavia, o bastante para reprovar - ou falsear -uma
          teoria. Uma
          teoria só é científica se a pudermos refutar. A principal tarefa de
          um cientista não é pois o de justificar ou provar as suas teses, mas sim
          o de as testar de forma a detectar ou eliminar falhas ou erros que
          possam conter (testabilidade), ou submetê-las a tentativas de
          refutação (falsificabilidade). Só através de um racionalismo
          crítico e aberto se dá, segundo Popper, o progresso no conhecimento
          científico.
          Feyerabend demonstrou
          que a ciência é avessa a
          métodos rígidos e universais. As grandes descobertas foram
          realizadas por aqueles que tiveram a ousadia de  romper com 
          os métodos correntes. Nada na ciência é uniforme. As diferentes
          teorias científicas não passam de diferentes visões do  mundo.
           
          7. Desenvolvimento da Ciência
          Duhem  sustentou
          que na ciência não existem começos absolutos. As grandes
          descobertas científicas foram preparadas por opiniões que remontam
          à antiguidade. O conhecimento científico progride por acumulação e
          alargamento de horizontes.
          Bachelard concebeu a evolução da ciência
          como um processo dinâmico interacção entre a razão e a
          experiência. O progresso científico faz-se através de
          rupturas  epistemológicas com o senso comum, as tradições, os
          erros e os preconceitos. A ciência avança através da superação
          destes obstáculos.
          Kuhn concebe a evolução da ciência, à
          semelhança de uma história política, como uma sucessão de
          revoluções, de rupturas, de alterações mais ou menos rápidas e de
          substituições dos diferentes paradigmas. A fase tranquila (a da
           ciência
          normal) caracteriza-se pelo predomínio do paradigma
          dominante. Todas as explicações científicas são feitas no seu
          âmbito sem sofrerem contestação. A investigação científica
          incide sobre os fenómenos que se adequam ao paradigma, e os
          fenómenos que não se ajustam são desvalorizados ou passam
          despercebidos. Lentamente começam a aparecer
          anomalias, pequenas desarmonias com o paradigma dominante. A
comunidade científica procede então a reajustes e reformulações no
paradigma. Mas quando já não é possível integrar os novos factos
com simples reformulações, a ciência entra em crise. Esta fase é
denominada por  ciência extraordinária
 ou    anomal. 
Sucedem-se as polémicas, os ensaios e os confrontos de hipóteses de
solução para os novos problemas surgidos que à luz do paradigma
não se conseguem explicar. Esta crise acaba por conduzir a uma ruptura, um corte no
paradigma dominante. Khun afasta-se deste modo da concepção
tradicional do desenvolvimento do conhecimento cientifico, em que o
mesmo era visto como um progresso contínuo e ininterrupto no sentido
de uma maior verdade. Mais
Carlos Fontes