Navegando na Filosofia - Carlos Fontes
Ciência Medieval e Renascentista ( I ) A cultura
grega consagrara dois valores fundamentais: o saber e a razão. O Cristianismo procurou contrapôr aos mesmos a superioridade da Fé (revelada). A ideia que existia um só mundo tendo a Terra no centro, tivera na Grécia prestigiados defensores, nomeadamente Platão e Aristóteles. A Bíblia também tinha expressa esta concepção geocêntrica: "No dia em
que o Senhor entregou os amorreues nas mãos dos filhos de Israel, Josué
falou ao Senhor e disse na presença dos israelitas: Sol, detém-te
sobre Gabaon, e tu, ó Lua, pára sobre o vale de Ajalon. E o Sol
deteve-se e a lua parou até que o povo se vingou dos seus inimigos. Não
está isto escrito no LIVRO DO JUSTO? O Sol parou no meio do céu, e não
se apressou a pôr-se pelo espaço de quase um dia inteiro, Josué 10,
12-15. "Ele está sentado sobre a orbe terrestre, cujos habitantes, diante d'Ele, são como gafanhotos, Ele estende os céus como um véu, e os desdobra corno uma tenda para habitar" ,IsaCas,40,22 No princípio do séc.IV, Lactâncio, preceptor do filho do Imperador Constantino, consagra um livro a ridicularizar "a falsa sabedoria dos filósofos, onde aproveita para atacar a esfericidade da Terra: "Para ele era suficiente indicar o absurdo de que existiria uma região em que os homens estivessem de cabeça para baixo e o céu se encontrava debaixo da Terra". Ainda no século IV, o Bispo de Gaballa com base na Bíblia , afirmava que o cosmos não era uma esfera, mas sim uma tenda de campanha ou um tabernáculo. Apesar destas ideias, o cristianismo acabou por adoptar a ideia da esfericidade da Terra, limitando todavia a sua habitabilidade ao hemisfério norte. A hierarquização do cosmos fora defendida por Platão e
Aristóteles.
O Cristianismo aceitou a ideia na antiguidade clássica muito divulgada.
A Bíblia sustentava algo parecido, pois dividia o mundo em três grandes
regiões:
"Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem do que quer que seja que está no alto do céu, ou eu baixo, sobre a Terra, ou nas águas debaixo da Terra", Deuteronómio,5,8-9. No céu será fixada a "morada" de Deus e dos anjos, e no lado oposto, nas profundidades da Terra, o Inferno. "Deixa-me só para que possa ter um pouco de conforto, antes que parta, afim de não mais voltar, para a região das trevas e das sombras da morte, terra de espantosa confusão e trevas, onde a mesma luz é como (aqui) a obscuridade ", Job.lO,20-22. Quem movia este universo? "Interroguemos aqui uma boa testemunha da fé' popular do século VI, o mercador Alexandrino Cosmas Indicopleustes, que tinha longamente enfrentado o Oceano indico, donde lhe viera o sobrenome. Parecia-lhe ímpio imaginar que os fenómenos naturais, a começar pela marcha regular dos astros, que marca os dias e as noites, as estações e os anos, fossem devidas a um mero jogo de forças mecânicas. Para de, os corpos celestes recebem os movimentos de certas potências dotadas de razão, anjos lampadóforos. Efectivamente, entre os Anjos, uns são encarregados de pôr em movimento o ar, outros, o Sol, outros a Lua, outros as estrelas, outros ainda produzem as nuvens, as chuvas e outros fenómenos. Porque a tarefa e a lei impostas às multidões angélicas e às Potências consistem em servir o bem-estar e a honra da imagem de Deus, isto e, o homem, e por em movimento todas as coisas, como soldados obedecendo ao Rei ", J. Le Goff. Neste mundo particularmente sensível ao maravilhoso, à irrupção
do sobrenatural no quotidiano, podemos encontrar ao longo de toda a
Idade Média, um vasto conjunto de obras sobre as propriedades visíveis
e invisíveis das coisas, as suas virtudes, poderes mágicos,
milagreiros, ou até a sua simbologia moral. Disto são exemplos os
celebres Bestiários e os Lapidários que constituíam repositórios de
virtudes mágicas de animais e pedras. Um dos mais importantes
enciclopedistas medievais foi sem dúvida, Isidoro de Sevilha (56
0-636).Nas Etimologias, a sua mais conhecida obra, faz uma descrição
naturalista, minuciosa de seres fantásticos como um Dragão. O real e o
imaginário interlaçam-se.
Oriundos não raro do Egipto, da Síria ou da Pérsia, muitos destes
escritos mágico-alquímicos chegam a Europa através dos Árabes, como
a célebre Tábua Esmeralda de Hermes Trismesgisto ou o Segredo
dos Segredos (séc.II-III), onde se descreve a produção
da célebre "pedra filosofal": "Ó Alexandre quero-te dar um segredo, o maior dos segredos que a divina potência te ajude para acabares teu propósito e para encobrires o segredo. Toma pois a pedra animal e vegetal e mineral, a qual não é pedra nem tem natureza de pedra. Esta pedra por um modo assemelha-se com as pedras dos montes e das minas, das plantas e dos animais, acha-se em todo o lugar, em todo o tempo e em qualquer homem. Ela é convertível ou tornável em qualquer côr, em si contém todos os elementos e chama-se menor mundo. Eu a nomearei por seu nome, para o qual o vulgo chama ovo, isto e, o ovo dos filósofos. Parte-a pois, em quatro partes, e cada uma das partes decompôem-se não igual e devidamente, mas de tal maneira que não se encontre nele, nem divisão nem repugnância e terás o propósito do Deus outorgante, todo este modo é universal. Mas eu o partirei em obras espirituais. Parte-o pois em quatro, por dois modos se faz bem , e sem corrupção, quando tiveres água do ar, e ar do fogo e o fogo da terra, então terás cumprido a arte. Põe pois a substância do ar por descrição, a terra por humidade e quentura, até que se convenham e se ajuntem, sem serem desacordados e se separem, então ajunta-lhe duas virtudes obrantes, água e fogo, e então será a obra acabada. E se meteres água far-se-á branco, e se juntares o fogo, far-se-á vermelho Deus outorgante". Texto adaptado da edição do "Segredo dos Segredos" do Pseudo-Aristóteles (versão do Séc. XV). A subordinação do conhecimento cientifico à religião marcou durante
toda a Idade Média o pensamento científico. Para este subordinação do conhecimento à religião contribuiu também, a desagregação do sistema de ensino da antiguidade clássica. Quando no séc. V se desagrega o Império romano do Ocidente, as instituições de ensino romanas, começaram a ser substituídas por mosteiros. Os mosteiros tornaram-se nos principais centros difusores do conhecimento. Os clérigos serão também durante muito tempo os únicos letrados. Doravante o ensino é cada vez mais mediado pela interpretação da Bíblia. Carlos Fontes Continuação: Séculos XI a XV
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