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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Moderna - II (Século XVIII) 

Educação e Formação nas Colónias Portuguesas

Desde finais do Século XVII que nas possessões ultramarinas, como o Brasil, Angola ou Goa, se haviam já constituído estruturas próprias de formação profissional, inicialmente privilegiando as actividades militares e missionárias, mas depois esboçando mesmo um sistema organizado  de formação. As inexistência de estruturas corporativas facilitou muitos dos avanços que aqui se verificaram em termos da criação de aulas, oficinas-escolas, ou mesmo escolas de grande mérito.

1. Brasil

As estruturas de educação e formação no Brasil, no século XVIII acompanharam o ritmo de crescimento dos núcleos populacionais desta colónia, mas também as necessidades do seu vasto território. A chegada da corte em 1807 altera por completo o ritmo da evolução anterior. Num curto espaço de tempo foi replicado no Brasil as mesmas estruturas educativas e administrativas existentes em Portugal. O Brasil tornou-se o centro do Império Português.

1.1. Engenharia, Arquitectura, Artilharia, Geómetras, Topógrafos. A defesa do território brasileiro, com uma superfície superior à da Europa, foi um dos grandes projectos portugueses do século XVIII. A formação de oficiais especializados nas diferentes áreas tornou-se numa prioridade, sobretudo depois de 1668, quando se abriram nas mais importantes cidades do Brasil "aulas" de engenharia e arquitectura, como referimos ( consultar ). O movimento prosseguiu ao longo de todo o século XVIII. Para se ter ma ideia do que ocorreu, basta dizer que no princípio deste o século, mais de 50% dos engenheiros portugueses estavam no Brasil, em virtude da magnitude das obras que aí se realizavam..

À Aula de Fortificações e Arquitectura do Rio de Janeiro (1698), acrescentou-se uma "aula de artilharia" (19/8/1738).  Esta aula foi transformada, em 1792, na "Academia Militar do Rio de Janeiro, onde se ensinava fortificação, geometria prática, aritmética, desenho, francês e as primeiras letras. A sua criação ocorreu dois anos depois da sua congénere de Lisboa. Destinava-se à instrução das praças dos regimentos de linha e das milicias aquartelados na região. Em 1810, como veremos, será transformada na prestigiada Academia Real Militar do RJ.

Em 1758 surgia um nova escola de fortificação em Belém do Pará. Em Salvador foi criada uma Aula de Fortificação e Artilharia (1774). No final do século XVIII, em todos os regimentos da capitania de S. Pedro do Rio Grande do Sul, foram criadas aulas de instrução primária e de engenharia militar, dadas por um oficial superior nomeado para o efeito.

O príncipe regente futuro D. João VI, em 1799, ordenava do Palácio de Queluz que o governador da capitania de S. Paulo - Manoel de Melo Castro e Mendonça - estabelece-se uma "cadeira de Aritmética, Geometria e Trignometria" para "formar moços capazes de medir as sesmarias e bons geometras e topógrafos aptos a levantar planos, plantas e fazer descrições exactas dos territórios e rios". 

O governador embora no ano seguinte ainda não conseguisse concretizar esta ideia, dava conta que estava em marcha novos projectos: uma Academia Militar e aulas de Cirurgia, Farmácia, História Natural, Botânica e Química. Foi no seguimento destes projectos que foram criadas a Academia Militar do Rio de Janeiro e a Academia Médico-Cirúrgica de S. Paulo. 

A Academia Militar no início ensinava fortificação, geometria prática, aritmética, desenho, francês e as primeiras letras. Destinava-se à instrução de praças do regimentos de linha e de milícias aquarteladas. D. João VI, em 1810, transformou-a na Academia Real do Rio de Janeiro, com um curso de 7 anos de duração, destinado a formar ofíciais de artilharia e engenharia, e ainda oficiais de engenharia geógrafos e topógrafos que pudessem ser aplicados na administração de minas, portos, canais, pontes, calçadas. A Academia contava com 13 professores, com o estatuto de professores da Universidade de Coimbra.  

O número destas aulas ou escolas de engenharia e arquitectura criadas no Brasil, no século XVIII, ainda não está apurado.

A fixação da família real trouxe um forte impulso à formação militar. Foi então criada em Janeiro de 1808 a Academia Real dos Guarda-Marinhas , com a companhia, professores, arquivo e biblioteca de Lisboa. Estabeleceram-se inicialmente no Mosteiro de S. Bento no Rio de Janeiro (8). A direcção da escola ficou a cargo do contra-almirante Dantas Pereira. Em 1839 foi transformada na Academia Naval Brasileira. 

A Academia Real da Marinha foi criada, em 1810, segundo o modelo da Academia existente em Lisboa. Destinava-se a formar oficiais de artilharia e engenharia, a preparar topógrafos e geógrafos, através de amplos currículos que incluíam entre outras matérias de física, química, mineralogia e história natural. A partir de 1823 a Academia passou a admitir alunos civis.  

1.2. Medicina, Cirurgia e Farmácia

As aulas de anatomia, cirurgia e farmácia estavam no século XVIII razoavelmente difundidas em colégios e hospitais. Funcionavam também nas próprias residências dos médicos diplomados nas principais cidades e vilas do Brasil. Na Bahia, por exemplo, o cirurgião-mor do 4º Regimento de Milícias José Dantas, em 1799, ministrava um curso de anatomia e cirurgia nas sua própria casa. Finda a aprendizagem os candidatos submetiam-se ao exame do físico-mor ou seu delegado no Brasil.

O grande avanço nesta área deu-se em 1801, quando foi criada a Academia Médico-Cirúrgica de S. Paulo. Em 1804 realizavam-se os primeiros exames de cirurgia no Palácio do Governador, perante as autoridades locais, incluindo o bispo diocesano. " Os estudantes submeteram-se a provas de angiologia e fisiologia", os primeiros seis médico-cirurgiões formados no Brasil (7). O examinador foi o físico-mor (médico-mor, funcionário da coroa).   

D. João VI, em 1808, cria a Escola de Cirurgia da Bahia, transformada, em 1816, na Academia Médico-Cirúrgica da Bahia (1816), e a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro, depois transformada na Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro (1813). Nestas escolas não apenas estudavam alunos nascidos no Brasil, mas também oriundos de outras colónias portuguesas, como Angola e S.Tomé e Principe.

1.2. Ensino no Hospitais

Como ocorria em Portugal, os hospitais, nomeadamente os das misericórdias e os militares funcionavam verdadeiras escolas para a formação de médico práticos: os hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e Hospital Real Militar do Morro do Castelo, em 1790, tinham aulas de anatomia e cirurgia. No Hospital de Vila Rica, em 1801, foi criada uma cadeira de cirurgia, anatomia e arte de obstetricia, sendo nomeado para a reger o cirurgião-mor do Regimento de Minas Gerais (Antonio Vieira Carvalho). O mesmo acontecia, em 1808, no Hospital Militar e no Hospital Santa Casa da Misericórdia da Bahia.

Desde o século XVI, os colégios da Companhia de Jesus funcionavam frequentemente como boticas e hospitais, onde eram ministrados conhecimentos de cirurgia e farmacopeia. 

1.3. Ofícios Artísticos. O crescimento económico do Brasil, exigiam um grande número de artistas e artesãos para o mais diversos ofícios. Muitos, como vimos, eram recrutados em Portugal, em particular nos orfanatos, mas outros eram formados nesta colónia. A companhia de Jesus já no século XVII possuía uma rede verdadeiras escolas de artes e ofícios.

O grande progresso nesta área, deu-se em 1807, quando por iniciativa do Conde da Barca, foi criada uma Escola Real de de Ciências, Artes e Ofícios destinada à formação de artifices. No decreto da sua fundação, podem ler-se palavras bem elucidativas dos objectivos que se pretendiam atingir com esta Escola.

   "Este Continente (...) precisa de grandes socorros de estética para aproveitar os produtos cujo valor e preciosidade podem vir a formar do Brasil o mais rico e opulento dos reinos conhecidos", e "Fez-se (...) necessário aos habitantes o estudo das belas-artes com aplicação referente aos oficios mecânicos, cuja pratica, perfeita e utilidade depende dos conhecimentos teóricos daquelas artes".

A escola frutificou. D. João VI depois do seu regresso do Brasil, sonhou com a instalação de uma congénere em Lisboa, "da qual (pudessem) sair oficiais hábeis nas diferentes artes para fazer cessar a necessidade de os buscar em nações estrangeiras"[1]    

1.4. Ensino Comercial e Industrial. A primeira grande escola comercial do Brasil data de 1808, seguindo o modelo da Aula de Comércio criada em Lisboa em 1758. Por Alvará de de 15 de Julho de 1809, era criada a Aula de Comércio do Rio de Janeiro. Na mesma altura eram fundadas outras em Pernambuco e na Baia, mas não começaram logo a funcionar devido à falta de professores. No Rio de Janeiro as aulas tiveram inicio, em 1810, sendo ministradas pelo lente José António de Lisboa, natural do Brasil (6).  

Não tardaram a surgir no Brasil, escolas profissionais similares às existentes em Portugal, como a escola de serralheiros, oficiais de lima e espingardeiros, em Minas Gerais (1812).

1.5. Colégios dos Jesuítas.  O ensino das primeiras letras e a preparação paras o acesso às Universidades estava confiada, desde o século XVI, à Companhia de Jesus. Em meados do século XVIII, no Brasil, contava com 20 colégios, 12 seminários, 1 colégio feminino em Salvador da Baia, 1 recolhimento feminino no Maranhão, 25 residências e 36 missões, sem contar com um grande número de seminários menores e escolas de alfabetização (5). 

1.5.1 Reforma de 1759. Por ordem do Marques de Pombal, em 1759, os jesuítas são expulsos de Portugal e das suas colónias. A instrução pública passou a ser uma incumbência do Estado, assegurada pelos seus funcionários. Os mestres leigos passaram a mestres-régios ou mestres do rei. Designação que se manteve até 1889, altura em que foi implantada a República no Brasil.

1.6. Estudos em Portugal.

Os estudantes que pretendiam frequentar cursos superiores, tinham que se deslocar para a Europa. O seu número foi muito significativo. Na Universidade de Coimbra temos alguns destes registos de estudantes oriundos do Brasil: 13 no século XVI (4); 354 no século XVII; 1.753 no século XVIII; No século XIX, ainda se registaram 892 estudantes. O período que registou maior número de estudantes do Brasil entre 1720 e 1820. Dos 1.887 contabilizados, cerca de 1.000 vieram estudar cânones, 300 medicina, 200 teologia e cerca de 300 artes (5).

1.7. Academias.  As primeiras academias literárias e cientificas surgiram no Brasil no inicio do século XVIII. Entre as mais conhecidas destacam-se a Academia dos Esquecidos (Baia,1724), Academia dos Felizes (Rio, 1736), Academia dos Selectos (Rio, 1752), Academia dos Renascidos (Baia, 1759), etc. O espírito das luzes está bem patente nas sociedades científicas e literárias no Rio de Janeiro, em 1772.

2. Angola

As áreas de formação foram muito similares às do Brasil. Em qualquer dos casos tratava-se de criar as estruturas para assegurar o domínio de duas enormes colónias.  

Após o fim da guerra da Restauração (1640-1668), iniciam-se em todas as colónias portuguesas vastas campanhas de obras, tendo em vista a sua defesa. Neste sentido é criada em Luanda uma Aula de Fortificação (1699).

O Governador-Geral de Angola D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho foi o responsável pela criação de um sistema de formação, do qual se destacam:

    - A Aula de Geometria e Fortificação, referida num oficio de 20 de Julho de 1764, criada dois meses depois de assumir a pasta[2]. No dia 1 de Janeiro de 1765, comunicava já inicio das aulas, tendo a frequência de 24 oficiais e sargentos.

Este ensino prosseguiu, não sem grandes modificações, conforme podemos saber averiguar. Assim já em 29 de Setembro de 1790, era de novo fundada uma Aula de Geometria, destinada ao ensino de matemática, sobretudo para oficiais e sargentos. O Curso funcionava numa dependência do Palácio do Governador -Geral, e estava a cargo do Segundo-tenente de Artilharia, António Manuel da Mata. 

A partir de 1795, na cidade de Luanda passou a funcionar uma Aula de Aritmética, Geometria e Trigonometria, destinada á preparação de topógrafos e contabilistas. Trata-se de uma extensão da Aula de 1764 ou um novo ramo de ensino ? . O que sabemos é que a 19 de Agosto de 1799, o principe regente D. João voltava de novo a estabelecer em Luanda uma cadeira de Aritmética, Geometria e Trigonometria. Em 1808, o governador -geral António Saldanha da Gama, restabelecia de novo na cidade de Luanda a Aula de Matemática, sendo seu professor o primeiro -tenente de artilharia, Francisco de Paula e Vasconcelos. A frequência desta Aula parece que terá sido muito elevada. 

   - Escolas-Oficinas.  Escolas semelhantes às que Marquês de Pombal instituiu em Portugal foram criadas em Angola. "Os aprendizes destas oficinas atingiram tal perfeição que conseguiram montar na província uns estaleiros já bastante bons, onde foram construídos alguns navios relativamente grandes, destacando-se um, que veio a ser muito conhecido e que ostentava o nome da cidade: - Luanda"[3]

No final do século, surgia a primeira Escola Médica em Luanda, por ordem de D. Maria I, datada de 24 de Abril de 1789, sob a designação de Aula de Medicina e Anatomia. As aulas iniciaram-se a 11 de Setembro de 1791, tendo como lente e director o Dr. José Pinto de Azeredo. A primeira formatura ocorreu a 28 de Novembro de 1794, e realizou-a João Manuel de Abreu, que já havia estudado farmacopeia em Portugal. Resultado desta actividade formativa, surgia já em 1799, uma importante obra medicina tropical, intitulada "Ensaios Sobre Algumas Enfermidades de Angola", da autoria de José Pinto da Costa. Esta Escola tem sido justamente considerada a origem dos estudos superiores neste país.

3. Goa

Em 1699 é criada uma aula de fortificação.

Em Construção ! 

Carlos Fontes

Navegando na Educação

Notas:

[1] citado por J. A. França, in,

 [2] Esta Aula já havia sido ordenada a sua criação em 1699, por Ordem Régia, como se pode aferir de um Oficio datado de 28 de Novembro de 1764.

[3] Martins dos Santos, História do Ensino Em Angola. Edição dos Serviços de Educação. Angola. 1970.pag.87. Ver tab. Silva Correia.