Carlos Fontes

 

 

  

Cristovão Colombo, português ?

 

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Colombo: Italiano ?

 

 

 

Dívidas no "Codicilo de 1506"

 

 

A história desta falsificação conta-se em poucas palavras:

Colombo um dia antes de morrer, a 19 de Maio de 1506, na cidade espanhola de Valhadolid, mandou escrever um novo Testamento , onde nunca refere a sua origem genovesa, nem sequer manifesta qualquer ligação a Itália ou a italianos. Este Testamento está devidamente autenticado por um notário, com testemunhas, data, etc.

O testamento anterior, como é nele referido, teria sido redigido em 1502, tendo ficado guardado no Convento de las Cuevas ao cuidado do frade Gorricio (italiano), mas acabou por desaparecer.  

Os falsários genoveses trataram rapidamente de acrescentarem um apêndice (codicilo) ao Testamento de 1506, onde surge uma relação pessoas a quem Colombo teriam emprestado dinheiro (1). Trata-se de uma folha solta que foi acrescentada a um documento oficial.  

Esta folha de papel não está assinada, não tem testemunhas, o próprio nome do notário é diferente do que fez o Testamento. Em suma, a relação de dividas  não possui elementos jurídicos que possam confirmar a sua autenticidade.

O alegado notário diz que as transcreveu de um documento escrito pelo próprio Colombo, o qual teria que o ter escrito muito antes de falecer. Havia muito tempo que o mesmo não tinha condições físicas para o fazer.

Não se percebe porque o notário que fez o seu Testamento não foi o mesmo que transcreveu as dívidas. Para aumentar as suspeitas de falsificação, o documento fala de Colombo como já tivesse morrido, pois se lhe refere como o que "Foi" das Indias, no entanto alegadamente teria sido escrito quando ainda estava vivo. Estamos perante mais uma típica falsificação italiana. 

As alegadas dívidas de aparecem no Apêndice ao Testamento de 1506, o conhecido "Codicilo" (7 ), são uma completa aldrabice. A maioria dos contemplados são genoveses, embora para não levantarem suspeitas têm quase todos ligações a Portugal.

 

1.  "(...) a los herederos de Gerónimo del Puerto, padre de Venito del Puerto, chanceller de Génova, veinte ducados o su valor"  

 

As dívidas terão sido contraídas por volta de 1482, a um Gerónimo del Puerto, pai de Venito. Acontece que estas dívidas já haviam sido paga em 1470, como se pode verificar nas Actas genovesas (2 ). Os falsários italianos entraram aqui em contradição consigo mesmos. 

 

Apesar das dividas terem sido pagas, 36 anos depois Colombo fazia questão que os seus herdeiros as voltassem a pagar com juros ! Não constata que os herdeiros de Gerónimo (ou Jerónimo de Porto) alguma vez tenham recebido o que quer que fosse. 

 

O seu nome deste chanceller está aqui para ligar Colombo a Génova. Tudo não passa de uma aldrabice.

2.  "A Antonio Vazo, mercader ginovés, que solía vevir en Lisboa, dos mil e quinientos reales de Portugal, que son siete ducados poco más, a razón de treszientos e setenta y cinco reales el ducado".

O mercador vivia em Lisboa, a divida terá sido contraída antes de 1484. O pagamento devia ser feito em dinheiro português 22 anos depois !. Nas Actas genovesas, onde os falsários italianos foram buscar este mercador consta um notário com este nome 1448 (3 ), o qual pelos vistos terá vindo também para Lisboa, onde se tornou mercador. 

Depois de ligar Colombo a Génova, os falsários ligam-no aqui a Lisboa através de um mercador genovês.

3.  "A un judío que morava a la puerta de la judería en Lisboa, o a quien mandare un sacerdote, el valor de medio marco de plata ".

A dividida era anterior a 1484. Os judeus foram aqui "expulsos" em 1496. Em 1506 não existiam portanto  judeus em Lisboa, no entanto Colombo refere-se-lhe como estando ainda vivo. Para cúmulo, diz que quem lhe mandar um sacerdote (padre católico) recebe o dinheiro que era para o judeu ! O que é que o padre iria fazer ao judeu ?  

A que judeus se estaria Colombo a referir ? Aos cerca de 50 mil judeus que na cidade se converteram ao cristianismo? Quem seria este judeu ? Os falsários italianos, mostram-se neste ponto, confusos sobre a situação dos judeus em Portugal. 

4.  "A los herederos de Luis Centurión Escoto, mercader ginovés, treinta mil reales de Portugal, de los cuales vale un ducado trescientos ochenta y cinco reales, que son setenta y cinco ducados poco más o menos". 

A divida era anterior a 1484. Não se conhece em Portugal rastos destes mercador, embora aqui existissem pessoas com este apelido (Escoto). Estamos perante mais um pagamento feito em dinheiro português aos herdeiros de um mercador genovês, de origem portuguesa. A folha de Assereto associa Paulo Negro à Casa Centurión, num negócio que terá sido iniciado em 1478, mas que não se efectivou.

O objectivo dos falsários persiste em associar Colombo aos mercadores genoveses residentes ou com negócios em Lisboa.

5.  "A esos mismos herederos y a los herederos de Paulo Negro, ginovés, cien ducados o su valor; han de ser la mitad a los unos herederos y la otra a los otros. ".

A divida foi contraída antes de 1484. Em italiano deveria chamar-se Paolo Nero, mas aqui aparece mencionado na sua forma portuguesa. O nome de Paulo, não aparece na sua forma castelhana (Pablo), mas portuguesa (Paulo), o que parece indiciar a impossibilidade de lhe dar outra origem. Na verdade, existiam em Italia nesta época, judeus de apelido negro de origem portuguesa, o que já foi assinalado no século XVIII. O nome era muito comum em Portugal desde o século XII ( 4).

Metade do dinheiro vai para uns herdeiros e a outra para outra. Quem pertence uma e outra metade ? Os falsários não precisaram os nomes dos supostos herdeiros, a fim de evitarem puderem serem desmentidos. O modelo de actuação foi sempre o mesmo.

6.  "A Baptista Espínola o a sus herederos, si él es muerto, veinte ducados. Este Baptista Espínola es yerno del sobredicho Luis Centurión. Era hijo de Miçer Nicolao Espínola de Locoli de Ronco, y por señas él fue estante en Lisboa el año de mil cuatrocientos ochenta y dos".

Outra personagem que vivia em Lisboa, e que seria genro de Luis Centurion. A dívida de Colombo remontava a 1482. Há registos que por volta de 1472 que  seu irmão António Spinola negociava em trigo em Lisboa. Quando obteve a carta de naturalização, a 28/5/1490, já morava na Ilha da Madeira. Eram filhos do mercador genovês Nicolo Spinola estabelecido em Lisboa.

Dada a existência de registos destes mercadores nos arquivos portugueses, os falsários italianos não tiveram outro remédio senão neste caso de serem mais precisos na identificação das pessoas e das dividas, se é que alguma vez existiram.  

Uma coisa é certa: Durante anos mais de 20 anos Colombo nunca se importou em pagar o que quer que fosse aos genoveses. Só se lembrou deles em 1506, poucos meses antes de falecer, e mesmo neste caso limitou-se a mencioná-las para os seus herdeiros a pagarem. Este é mais um dos muitos exemplos das falsificações italianas.

Este facto não prova que as dividas de Colombo tenham existido, mas que os falsários sabiam da apenas da existência destas pessoas em Portugal. O seu objectivo era dar credibilidade à falsificação de certos documentos, ligando as personagens entre si. Tudo o mais era secundário.  

 

Ninguém reclamou estas dívidas durante a vida de Colombo, nem existem registos que as mesmas tivessem sido saldadas. Os documentos são cópias de originais que desapareceram, estão repletos de contradições, anacronismos, falsidades, etc.

 

  Testamento de 1506   

 

Carlos Fontes

 

  Notas:

( 1 )Testamento y Codicilo de Cristóbal Colón, Pedro de Ennoxedo, 1506. Estas dividas aparecem no final do documento, como um apêndice.

( 2 ) Na Acta de 22/9/1470 anuncia-se uma divida e um processo em Tribunal. Na Acta de 28/9/1470 o pai de Colombo e o próprio Colombo são condenados a pagar 35 liras a Ieronimo de Portus. Na Acta de 31/10/1470 declara-se em Tribunal que a divida foi paga. 

( 3) Acta de 20/41448.

( 4 ) Maria José Ferro Tavares, Os Judeus em Portugal no Século XV. Vol.I. UNL-FCSH. Lisboa.

(7 ) Em Janeiro de 1502, estando em Sevilha, mandou fazer do seu Livro de Privilégios, três cópias em pergaminho e quatro em papel. Duas foram dadas a Nicolò Odorigo, uma das quais foi roubada em Itália por Napoleão Bonaparte, razão pela qual se encontra em Paris. A terceira cópia em pergaminho ficou na Cartuxa de Sevilha e acabou por desaparecer. Cfr. Armas, Antonio Romeu de - Nueva Luz sobre las Capitulacíones de Santa Fé de 1492. CSIC. Madrid, 1985. p.82 

 

 

 

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Carlos Fontes

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