Colombo: Italiano ?
Dívidas no "Codicilo de 1506"
A
história desta falsificação conta-se em poucas palavras:
Colombo
um dia antes de morrer, a 19 de Maio de 1506, na cidade espanhola de Valhadolid,
mandou escrever um novo Testamento
, onde nunca refere a sua origem
genovesa, nem sequer manifesta
qualquer ligação a Itália ou a italianos. Este Testamento está
devidamente autenticado por um notário, com testemunhas, data, etc.
O testamento anterior, como é nele referido, teria sido redigido em 1502, tendo
ficado guardado no Convento de las Cuevas ao cuidado do frade Gorricio
(italiano), mas acabou por desaparecer. Os
falsários genoveses trataram
rapidamente de acrescentarem um apêndice (codicilo) ao Testamento de 1506, onde surge uma relação pessoas
a quem Colombo teriam emprestado dinheiro (1). Trata-se de uma folha solta que foi acrescentada a um documento oficial. Esta
folha de papel não está assinada, não tem testemunhas, o próprio nome do
notário é diferente do que fez o Testamento. Em suma, a relação de
dividas não possui elementos jurídicos que possam confirmar a sua autenticidade.
O alegado notário
diz que as transcreveu de um documento escrito pelo próprio Colombo, o qual
teria que o ter escrito muito antes de falecer. Havia muito tempo que o mesmo
não tinha condições físicas para o fazer.
Não se percebe
porque o notário que fez o seu Testamento não foi o mesmo que transcreveu as
dívidas. Para aumentar as suspeitas de falsificação, o documento fala de
Colombo como já tivesse morrido, pois se lhe refere como o que "Foi"
das Indias, no entanto alegadamente teria sido escrito quando ainda estava vivo.
Estamos perante mais uma típica falsificação italiana.
As
alegadas dívidas de aparecem no Apêndice ao Testamento de 1506, o conhecido "Codicilo"
(7 ), são uma completa aldrabice. A maioria dos contemplados são
genoveses, embora para não
levantarem suspeitas têm quase todos ligações a Portugal.
1.
"(...)
a los herederos de Gerónimo del Puerto, padre de Venito del Puerto, chanceller de Génova, veinte ducados o su valor"
As
dívidas terão sido contraídas por volta de 1482, a um Gerónimo del
Puerto, pai de Venito. Acontece que estas dívidas já haviam sido paga em 1470,
como se pode verificar nas Actas genovesas (2 ). Os falsários italianos
entraram aqui em contradição consigo mesmos. Apesar
das dividas terem sido pagas, 36
anos depois Colombo fazia questão que os seus herdeiros as voltassem a pagar
com juros ! Não
constata que os herdeiros de Gerónimo (ou Jerónimo de Porto) alguma vez tenham
recebido o que quer que fosse. O seu nome
deste chanceller
está aqui para ligar Colombo a Génova. Tudo não passa de uma aldrabice.
2.
"A Antonio Vazo, mercader ginovés, que solía vevir
en Lisboa, dos mil e quinientos reales de Portugal, que son siete
ducados poco más, a razón de treszientos e setenta y cinco reales el ducado". O mercador vivia em
Lisboa, a divida terá sido contraída antes de 1484. O pagamento devia ser feito em dinheiro
português 22 anos depois !. Nas Actas genovesas, onde os falsários
italianos foram buscar este mercador consta um notário com este nome 1448 (3 ),
o qual pelos vistos terá vindo também para Lisboa, onde se tornou
mercador.
Depois de ligar Colombo a Génova, os falsários ligam-no aqui a
Lisboa através de um mercador genovês.
3. "A
un judío que morava a la puerta de la judería en Lisboa, o a
quien mandare un sacerdote, el valor de medio marco de plata ".
A
dividida era anterior a 1484. Os
judeus foram aqui "expulsos" em 1496. Em 1506 não existiam
portanto judeus em Lisboa, no entanto Colombo refere-se-lhe como estando
ainda vivo. Para cúmulo, diz que quem lhe mandar um sacerdote (padre católico)
recebe o dinheiro que era para o judeu ! O que é que o padre iria fazer ao
judeu ?
A que judeus se estaria
Colombo a referir ? Aos cerca de 50 mil judeus
que na cidade se converteram ao cristianismo? Quem seria este judeu ? Os falsários italianos, mostram-se neste ponto,
confusos sobre a situação dos judeus em Portugal.
4.
"A los herederos de Luis Centurión Escoto, mercader ginovés,
treinta mil reales de Portugal, de los cuales vale un ducado trescientos
ochenta y cinco reales, que son setenta y cinco ducados poco más o menos".
A
divida era anterior a 1484. Não se conhece em Portugal rastos destes
mercador, embora aqui existissem pessoas com este apelido (Escoto). Estamos perante mais um pagamento feito
em dinheiro português aos herdeiros de um mercador genovês, de origem
portuguesa. A folha
de Assereto associa Paulo Negro à Casa Centurión, num negócio que terá
sido iniciado em 1478, mas que não se efectivou.
O objectivo dos falsários
persiste em associar Colombo aos mercadores genoveses residentes ou com
negócios em Lisboa.
5.
"A esos mismos herederos y a los herederos de Paulo Negro, ginovés,
cien ducados o su valor; han de ser la mitad a los unos herederos y la otra a
los otros. ".
A
divida foi contraída antes de 1484. Em italiano deveria chamar-se Paolo
Nero, mas aqui aparece mencionado na sua forma portuguesa. O nome de Paulo, não
aparece na sua forma castelhana (Pablo), mas portuguesa (Paulo), o que parece
indiciar a impossibilidade de lhe dar outra origem. Na verdade, existiam em
Italia nesta época, judeus de apelido negro de origem portuguesa, o que já foi
assinalado no século XVIII. O nome era
muito comum em Portugal desde o século XII ( 4). Metade do dinheiro vai para uns
herdeiros e a outra para outra. Quem pertence uma e outra metade ? Os
falsários não precisaram os nomes dos supostos herdeiros, a fim de evitarem
puderem serem desmentidos. O modelo de actuação foi sempre o mesmo.
6.
"A Baptista Espínola o a sus herederos, si él es muerto, veinte
ducados. Este Baptista Espínola es yerno del sobredicho Luis Centurión. Era
hijo de Miçer Nicolao Espínola de Locoli de Ronco, y por señas él fue
estante en Lisboa el año de mil cuatrocientos ochenta y dos".
Outra personagem que
vivia em Lisboa, e que seria genro de Luis Centurion. A dívida de Colombo remontava a 1482. Há registos que
por volta de 1472 que seu irmão António Spinola negociava em
trigo em Lisboa. Quando obteve a carta de naturalização, a 28/5/1490, já
morava na Ilha da Madeira. Eram filhos do mercador genovês Nicolo Spinola estabelecido em Lisboa.
Dada
a existência de registos destes mercadores nos arquivos portugueses, os
falsários italianos não tiveram outro remédio senão neste caso de serem mais
precisos na identificação das pessoas e das dividas, se é que alguma vez
existiram.
Uma
coisa é certa: Durante anos mais de 20 anos Colombo nunca se
importou em pagar o que quer que fosse aos genoveses. Só se lembrou deles em
1506, poucos meses antes de falecer, e mesmo neste caso limitou-se a
mencioná-las para os seus herdeiros a pagarem. Este é mais um dos muitos exemplos das
falsificações italianas.
Este
facto não prova que as dividas de Colombo tenham existido, mas que os
falsários sabiam da apenas da existência destas pessoas em Portugal. O seu
objectivo era dar credibilidade à falsificação de certos documentos, ligando
as personagens entre si. Tudo o
mais era secundário.
Ninguém
reclamou estas dívidas durante a vida de Colombo, nem existem registos que as
mesmas tivessem sido saldadas. Os documentos são cópias de originais que
desapareceram, estão repletos de contradições, anacronismos, falsidades, etc.
Testamento
de 1506
Carlos
Fontes
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