2. Frei
Bartolomeu de las Casas
A maior parte da
documentação que possuímos de Colombo, como os seus textos mis extensos, são cópias feitas por Frei
Bartolomeu de las Casas (Sevilha, 1474 - Madrid, 1566). Os originais
desapareceram. Durante décadas teve acesso não apenas aos seus
manuscritos, mas também à biblioteca de Hernando Colon. Depois da sua
morte, em 1539, a biblioteca passou para o convento de S.Pablo em Sevilha, onde
esteve entre 1544 e 1552. Las Casas teve a oportunidade de a consultar e dispor
da documentação conforme quis.
A sua vida está
ligada à família de Colombo. Em 1507, estava e Roma, onde se encontrou com
Bartolomeu Colon irmão de Colombo, que aí se encontrava para defender junto do
papa os privilégios do seu sobrinho, Diego Colon.
Foi para Hispaniola,
na mesma altura que Diego Colon assumiu o cargo de governador de Hispaniola
(1509). Este concede-lhe terras e um encomienda (um grupo de indios para
explorar), junto da sua corte, em La
Concepción. No ano seguinte, faz-lhe uma grande festa, por ser o
primeiro sacerdote que cantava uma missa nas Indias. Não tardaram a ficar amigos
intimos,
Las Casas
mudou-se para Cuba, em 1513, como capelão e conselheiro de Pánfilo
de Narváez, que havia empreendido com Diego
Velázquez a conquista da população da Ilha.
A brutalidade do sistema que aqui encontrou, levam-no a revoltar-se contra o
extermínio que os espanhóis estavam a fazer nas Indias.
A amizade entre os
dois não parou de se aprofundar. Em 1516, Diego Colon escreve-lhe queixando-se
da corte espanhola. Três anos depois, em Junho, estando a corte em Barcelona
elaboraram o célebre projecto de
povoar com indios uma extensa região da Terra Firme. Devido a exigências impostas por Hernando
Colon,
que reclamava o governo desta região, o
projecto comum não foi aceite pela corte (2). Conseguiu todavia um
aprovação de um outro mais limitado, que se circunscrevia à costa da
Venezuela e Colombia, cuja colónia veio a resultar num tremendo fracasso. Os
espanhóis estavam apenas interessados no saque, não no povoamento as Indias.
Las Casas
defendia que a mão de obra
india devia de ser substituída por escravos negros. Um facto que o tornou
num dos promotores da introdução da escravos negros nas indias, revelando uma
total cumplicidade com os negreiros portugueses, que controlavam o tráfico na costa ocidental de
Àfrica.
Las Casas manteve
sempre um enorme amizade para com Diego Colón, encarando as perseguições da
corte espanhola lhe fazia como parte do mesmo plano maléfico de extermínio da
Humanidade. Nesse sentido irá apoiá-lo nos vários processos (Pleitos) que este moveu contra a corte
espanhola e defender os privilégios da sua família, dispondo inclusive de uma cópia dos
Pleitos com a coroa.
Em 1536, a família
Colombo foi finalmente espoliada de todas as suas honras e privilégios que
haviam sido concedidos ao Almirante nas Capitulações de Santa Fé. Desagradado do comportamento da corte espanhola, Las
Casas passa ao ataque e escreve várias obras, como a Brevísima
relación de la destrucción de las Indias (1552), onde denúncia o
extermínio dos indios pelos espanhóis.
Era tudo menos um historiador imparcial.
1. Ocultação
Las Casas estava convencido que
Fernando de Aragão, não era apenas
hostil para Colombo, mas planeava privar Diego Colon da herança
do seu pai (cfr.Las Casas, II, p.324-327).
Sabia como ninguém das acusações
de traição que na corte lhe faziam. Fiel à família Colombo, não lhe passava
pela cabeça atraiçoa-la revelando a verdadeira identidade do almirante.
Como lhe haviam
dito, a melhor origem que convinha a Colombo era ser identificado como italiano.
Nesse sentido, colaborou, como Fernando Colón, na invenção de uma
pseudo-correspondência entre Colombo com Toscanelli, envolvendo um italiano - "Lorenzo
Birardo" , que vivia ou residia em Lisboa (Las Casas, Livro I, cap.2, Tomo I)
É
fácil perceber o inestimável apoio que deu à construção da mentira que envolve a
biografia deste navegador. Os historiadores têm descoberto inúmeras falsificações
no textos de Colombo que são reconhecidamente deste frade dominicano.
Las Casas concebeu
inclusivamente todo um discurso messiânico para afastar os espanhóis da Indias,
considerando nula a doação que lhes havia feito Alexandre VI. Colombo, era na suas palavras
um predestinado, tendo sido conduzido às Indias por Deus para que a fé cristã
pudesse aí ser difundida.
Neste sentido, as Indias deviam ser entregues ao Papa,
acabando com a destruição da Humanidade em que os espanhóis estavam a
praticar. Este discurso coincide com o de Colombo no fim da vida, quando
passa a afirmar que recebeu as Indias de Deus e depois as deu aos reis
espanhóis.
2.
Diários de Bordo
O
original do Diário de Bordo da primeira viagem (1492-93), escrito por Colombo, foi o primeiro documento importante a
desaparecer. Ele fora obrigado a entregar o original aos reis católicos para que estes
fizessem uma cópia, tendo o mesmo sido devolvido a Colombo.
Las Casas,
entre 1523-1526, faz um resumo do mesmo em Santo Domingo, que utiliza na sua História das Indias (1527-1529), e que foi também utilizada por Hernando
Colon, na Historia del Almirante (1537-1539). Las Casas expurgou, neste
resumo, o Diário de Bordo de tudo o que podia Colombo. A verdade é que o
original desapareceram sem deixar rasto. O resumo de Las Casas sofreu depois
várias alterações feitas pelo próprio Las Casas e por Hernando Colon. As duas citações do mesmo texto,
feitas por ambos, não
coincidem.
O Diário de Bordo da segunda viagem
(1493-1495) desapareceu. Hernando Colon consultou-o para a sua História del
Almirante, sendo as suas referências aproveitadas por Las Casas (1553) na sua História das Indias.
O Diário de Bordo da terceira viagem
(1498) desapareceu. Las Casas consultou-o (1523-1526), utilizou-o na História
das Indias (1530-1534), e depois numa nova versão do factos (1553-1554).
Hernando Colon consultou a versão de Las Casas. O certo é que o Diário
desapareceu.
O Diário de Bordo da quarta viagem
(1502-1504) esteve a cargo do português - Diego Mendez de Segura. Foi consultado
por Hernando Colon e por Las Casas. O Diário acabou por também desaparecer.
3. Historia de las Índias
Obra escrita por Las Casas, entre 1527 e 1559, numa altura
que a família de Colombo estava a ser espoliada pela corte espanhola. Foi nesta
altura que visitou Lisboa (Janeiro de 1547), onde nasceu Diego Colon e está
sepultada Filipa Moniz Perestrelo esposa de Colombo.
Embora Las Casas tenha estado na
posse de toda a documentação de Colombo, a verdade é que quando se tratou de
referir a sua origem, apoia-se num cronista português do século XVI - João de
Barros - que nunca o conheceu.
Las Casas tem a consciência que a
chave do segredo da sua origem, não estava em Espanha, mas em Portugal. Outra
leitura não é possível fazer.
A obra só
foi publicada em 1875-1876, tendo os manuscritos sofrido ao longo de três séculos
muitas alterações. Esta obra de Las Casas está repleta de inexactidões e
contradições, não sendo de excluir a intervenção de vários falsários, mas
uma boa parte das quais se devem ao seu autor. O seu principal objectivo foi sempre o de defender a família Colombo. É por esta razão que
esta obra deve ser lida com muitas reservas.
Notas
de Leitura:
- Predestinado. Colombo, segundo Las Casas, era um predestinado. Deus lhe conferiu a
missão de descobrir o "Novo Mundo" para a Espanha, para que esta
difundisse aqui o cristianismo. Este reino perdeu a legitimidade para governar
as Indias, quando se envolveu na escravatura dos indios. O próprio Colombo foi
castigado por também o ter feito.
- Nome: "Colón" significa "povoador", o primeiro
povoador de cristãos do Novo Mundo.
- Identidade. Las Casas começa por afirmar que era genovês, embora diga que
Colombo se assumia como natural de Portugal. A única prova que apresenta
para afirmar que era genovês estava na "História Portuguesa" (sic) de João de Barros.
Nas Décadas da Ásia o cronista português diz que Colombo era genovês porque muitos o diziam
no seu tempo, não porque tivesse provas para o afirmar.
- Naturalidade: Las Casas, baseado nuns versos em latim de Bartolomeu
Colon, feitos em Londres e datados de 13/2/1480 deixa entender que Colombo era natural de "Terra Rubra"
(Hist. Indias, Livro, I, Cap.19), mas, como Hernando Colon, não sabia precisar onde a mesma ficava. Os
versos constavam num Mapa-Mundi que Bartolomeu mostrou a Enrique VII e que levou
para Inglaterra em 1488.
- Nobreza. A forma como Colombo se comportava e muitos outros aspectos revelam que
seria de origem nobre e não plebeia. Las Casas afirma que os seus antepassados
remontavam todos à Antiga Roma (antes do século IV). Neste caso, limita-se a
repetir aquilo que Hernando Colon afirma. Opõe-se à ideia que pudesse ser um
plebeu, tecelão ou taberneiro.
- Formação. A formação teórica e prática demonstrada por Colombo,
nomeadamente em cosmografia, cartografia, fabrico de instrumentos nauticos,
matemática ou latim, era
incompatível com a sua suposta actividade de artesão, corsário ou simples
aventureiro. Escrevia de modo tão perfeito que podia viver a fazê-lo. Afirma que estudou
em Pavia, dominando a lingua latina, um facto segundo ele muito apreciado
na "História Portuguesa" de João de Barros...
- Formação nautica. Las Casas é muito mais
explicito ao afirmar que a formação nautica de Colombo foi feita com os portugueses, nomeadamente nas
expedições em Àfrica. Insiste na ideia que tinha provas documentais que Colombo
ou o seu irmão Bartolomeu Colon foram com Bartolomeu Dias ao Cabo da Boa
Esperança (Hist.Indias, Livro I, cap.27).
- Pré-Descoberta da América. Las
Casas estava firmemente convencido que Cristovão Colombo já estivera nas Indias
(América), e utilizou este conhecimento para as vender aos reis espanhóis.
- Fontes Italianas. Recusa a informação dada pelos italianos, porque
nada esclarece e é contraditória com os factos.
- Fontes Portuguesas: João de
Barros, Garcia de Resende e outros cronistas portugueses são abundantemente
citados. As Décadas da Ásia, de João de Barros são largamente citadas e tomadas
como modelo.
4. Brevísima
relación de la destrucción de Africa (1556)
A
obra foi escrita como resposta a todos aqueles que o acusavam de atacar a
destruição dos indios pelos espanhóis, esquecendo o que os portugueses haviam
feito aos guanches (Canárias), aos mouros e negros em África. Las Casas faz
uma breve história comentada das descobertas portuguesas de Africa, incluindo
os Açores, Madeira e as guerras pela conquista das Canarias. Termina em 1488,
com a chegada de Bartolomeu Dias a Cabo da Boa Esperança, seguindo no essencial
João de Barros.
Nas
expedições portuguesas a Congo, mas sobretudo ao Cabo da Boa Esperança
introduz referências, muito citadas, a Colombo e ao seu irmão Bartolomeu.
Afirma o seguinte:"En estos viajes y descubrimientos, o en alguno dellos,
se halló el Almirante D. Cristóbal Colón y su hermano D. Bartolomé Colón,
según lo que yo pude colegir de cartas y cosas escritas que tengo de sus
manos".
A prova do que afirma, está no acesso que os
mesmos tinham aos
dados dos cosmógrafos portugueses.
5. Destruição da Documentação
Las Casas deixou os seus arquivos ao
Colegio de San Gregorio (Valladolid), onde viveu os últimos anos de vida. António de Herrera y Tordesillas (1549 - 1626), o cronista das Indias
Espanholas, foi autorizado pela Corte a tomar posse da documentação de Las
Casas,tendo-se encarregado de a dispersar e a fazer desaparecer na sua
maior parte. Desta forma pensava poder escrever uma história das Indias
Espanholas à sua vontade.
a) Hernando Colon
A primeira biografia de Colombo
foi escrita pelo seu filho. A obra serviu de base às notas biográficas
elaboradas por Las Casas, e está repleta de erros, mutilações e
falsificações. Tratou-se neste caso, não de exaltar os feitos dos espanhóis,
mas de os denegrir, lançando a confusão sobre a origem de colombo. Mais
b) Colombo noutras Geografias
A Colombo tornou-se num problema
para os espanhóis, um verdadeiro complexo (4). Para os italianos,
sobretudo, os genoveses, virou uma fonte absurda de prestígio.
Os portugueses procuraram ocultá-lo,
nomeadamente para que esconder as questões que envolvem as familias que o ligam
a Portugal, mas também para evitar que o mesmo fizesse sombra aos grandes
navegadores como Bartolomeu Dias, Duarte Pacheco Pereira, Vasco da Gama ou Pedro
Alvares Cabral.
O seu renome internacional ficou a
dever-se primeiro aos ingleses e depois aos norte-americanos, que o elevaram a
uma dimensão divina.
No século XVII, os ingleses procuram
apropriar-se da figura de Colombo. Francis Bacon, na Nova Atlantida (1626), honra-o com uma estátua. Milton no Paraiso Lost (1667) eleva-o à
categoria de imortal.
Esta admiração inglesa recebe uma
forte impulso quando, em 1662, chega a Londres - Catarina de Bragança -, cujos
familiares em Espanha eram agora os herdeiros dos títulos de Colombo. Catarina
só regressou a Portugal, em 1693,mas antes disso os cortesãos portugueses
passaram para a corte inglesa muitos segredos sobre a verdadeira identidade
deste navegador.
Charles Molloby, na sua obra - De
Jure Maritimo et Navali,or a Treatise of affairs maritime and of commerce,
editado em Londres, em 1682, afirma que Colombo era um piloto inglês que se
exilara em Génova. Uma história que dá conta do problema que se sabia existir
sobre a origem deste navegador.
Depois da independência dos EUA, em
1776, Colombo tornou-se numa das figuras mais populares e mitificadas deste
país. A influente comunidade italiana, a partir do século XIX, procurou por
todas as formas moldar a história oficial, construindo para tal uma verdadeira
floresta de mentiras e falsificações. |