O estatuto dos imigrantes
correspondia até há
bem pouco tempo ao de párias nos países de acolhimento. Não só lhes eram
negado quaisquer direitos ou deveres políticos, como se lhes exigia que se
mantivessem apolíticos e passivos. O que se passava à sua volta não lhes
dizia respeito. Intrometerem-se na vida dos nacionais era, em muitos casos,
correr o risco de serem expulsos. A situação mudou. Hoje o
acesso à cidadania dos imigrantes tornou-se num dos problemas centrais na
maioria das sociedades europeias.
1. O acesso à cidadania da
totalidade da população foi o resultado de uma dura conquista. A maioria da
população impôs através de violentas revoluções o reconhecimento da igualdade
dos direitos e dos deveres, acabando com todas as discriminações e
situações de privilégio. A cidadania contudo, ficou confinada ao nacionais,
ou seja, àqueles que tinham nascido no território pátrio ou eram filhos de
nacionais e haviam sido registados como tais. Os outros eram os estrangeiros,
aos quais se exigia que não interferissem nos assuntos internos de um país que
não lhes pertencia. Os imigrantes eram entre os estrangeiros, os mais
penalizados, devido à sua precaridade económica.
2. Ora, no final do século XX,
um novo combate político surge no horizonte da humanidade. Os imigrantes e seus
descendentes lutam agora para lhes seja reconhecido o acesso à cidadania nos
países que os escolheram e onde pretendem viver permanentemente.
3. Os Estados sempre procuraram
negar a questão dos direitos e deveres dos imigrantes, sob dois pretextos
fundamentais: a) os imigrantes acabariam por regressar mais cedo ou tarde ao seu
país de origem. Neste sentido, nunca poderiam ser considerados verdadeiramente membros
de uma dada colectividade; b) Os que ficassem acabariam por ser assimilados
pelos naturais, adoptando a nova cultura e ascendendo progressivamente a um
plena cidadania.
O acesso à cidadania estava
assim reservado apenas aqueles que se identificassem com a cultura e tradições
de uma dada sociedade. Para um imigrante ser aceite como cidadão noutro
país implicava esquecer ou renegar a cultura do seus antepassados. A tradição
política europeia pressupunha que existisse, no interior de cada Estado, uma
grande homogeneidade
cultural das suas populações. A força de um Estado revelava-se na sua unidade
cultural, política e religiosa. Eram com grande dificuldade que os estados
europeus conviviam com situações onde coexistam diferentes culturas e tradições.
O Estado devia identificar-se com a Nação e a Cidadania com
a Nacionalidade. Em quase todos os país fizeram-se verdadeiras chacinas das
suas minorias para afirmar este princípio.
Na segunda metade do século XX,
alguns países europeus, como a Inglaterra a a Holanda, onde era enorme o
número de imigrantes, procurou-se introduzir um processo de participação
cívica diferenciado -o multiculturalismo. Na prática tratava-se de consagrar
uma separação entre os naturais e os estrangeiros, garantindo que todos tinham
os seus direitos e os seus deveres, embora na prática muito diferenciados entre
si.
Os EUA, por razões históricas,
acabou por desenvolver uma aplicação própria deste princípio. Embora os
imigrantes possam valorizar as suas origens, a sociedade americana é contudo
pouco tolerante em relação à afirmação das diversas culturas nacionais. De
forma hegemónica são impostos os mesmos valores e símbolos de identidade
nacional, embora em privado ou em situações pontuais as culturas nacionais das
diferentes comunidades de imigrantes se possam manifestar. O que predomina
é sempre a mesma cultura, embora cada um possa reclamar uma origem racial
diferente.
4. Na maior parte dos países
europeus, o problema que se
começou a colocar a partir dos anos 80 do século XX, foi que a maior parte dos
imigrantes não regressou aos seus países de origem e decidiu fixar-se nos
países de acolhimento. Acontece que estes imigrantes não renegaram ou
esqueceram as suas origens nem a sua cultura, não se deixando assimilar. O seu
elevado número contribuiu para lhes dar uma enorme força social e económica,
embora sem tradução política. Estes imigrantes não tardaram em exigir
também direitos políticos, queriam participar na vida da sociedade onde
decidiram viver. Acontece que rapidamente constatam que lhes são levantadas inúmeras barreiras.
Não tardam em arranjar diversos meios para ultrapassar estes obstáculos
(organização em associações, participação em associações sindicais, etc).
A situação tornou-se
particularmente explosiva quando os imigrantes da 2ª. ou 3ª. geração se
viram excluídos deste acesso à plena cidadania. Nada justificava semelhante
exclusão. É
neste ponto que surge verdadeiramente a questão política dos imigrantes.
A questão continua em aberto e urge encontrar uma resposta satisfatória,
no respeito dos princípios consignados na Declaração Universal dos Direitos
do Homem.
5. A verdade é que embora possamos colocar em
causa a ligação entre o Estado e a Nação, a Cidadania e a Nacionalidade,
não podemos contudo cair na solução simplista de negar alguma validade a estes nexos.
As soluções apontadas e
experimentadas estão longe de serem satisfatórias.
A questão não passa todavia
pela simples concessão de cidadania (naturalização) a todos os imigrantes,
pois estaríamos a contribuir para a desagregação das sociedades. Na verdade
de nada serve conceder a cidadania a pessoas que depois não identificam
com o país que formalmente são cidadãos. Este situação conduz à própria
desvalorização da cidadania e contribuiu para a desagregação social. Nenhuma
sociedade pode sobreviver sem o empenho e intervenção dos seus membros no
sentido de a melhor e desenvolver. De
pouco também serve atribuir a cidadania em função da residência permanente
dos imigrantes. Embora seja um dado fundamental a ter em conta, a verdade é que
nada garante um identificação mínima com a própria sociedade. Elemento
essencial para a sua sobrevivência e coesão.
Pensamos que a solução está
num compromisso dinâmico entre os imigrantes e os países de acolhimento.
Os
primeiros quando escolhem um país para viver, não podem ignorar a sua língua,
cultura e leis, e neste sentido devem respeitá-lo e contribuir para o seu
desenvolvimento.
Os diferentes países que acolhem
os imigrantes não podem também esquecer-se
que estão a receber seres humanos que possuem uma identidade própria e que
portanto devem ser respeitados como pessoas.
É na conjugação e equilíbrio
destes dois elementos que a questão da cidadania dos imigrantes dever ser
equacionada.
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