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Expansão,
Emigração e Mentalidades A história de Portugal,
pode sem grandes exageros ser dividida em três grandes períodos: 1143
-1414; 1415-1974, 1975-1985, 1986 até ao presente.
O primeiro corresponde ao
período de formação, Independência e afirmação do país no
contextos dos reinos europeus. Foi nesta altura que se definiram também
algumas alianças estratégicas, nomeadamente com a Inglaterra, de forma
a garantir apoios externos contra o expansionismo do reino de Castela.
O segundo período, o que
agora no interessa, foi marcado pela expansão para África, depois para
a Ásia (India, China, Japão, etc), América (Brasil) e Oceania
O último foi marcado
pelo fim do Império (1974) e o recentramento do país na Europa, do
qual resultou, em 1986, a adesão à CEE (actual União Europeia).
1.Sob o signo do Império
É evidente pela sua
enorme duração o penúltimo período foi aquele que maiores marcas
deixou no país, constituíndo ainda hoje a maior parte das suas referências
históricas e culturais. Império e
Pobreza.
As conquistas em África, iniciadas a partir de 1415, acabaram por
conduzir à criação de um vasto Império que irá condicionar durante
séculos a vida dos portugueses.
A manutenção deste Império,
sobretudo depois do século XVI, implicou a criação no país e fora
dele de uma gigantesca organização política, económica e social:
(1) A economia do
país passou a estar directa ou indirectamente ligada aos recursos
coloniais. A própria existência de Portugal como Estado independente,
passou a ser associado à manutenção das colónias.
(2) as
estruturas administrativas, políticas, militares, religiosas em
Portugal passaram a ser equacionada em função da questão da manutenção
das possessões ultramarinas. O mesmo se poderia dizer das alianças políticas
internacionais, a sucessão de políticas internas, etc.
(3) A manutenção de um
tão vasto Império por um pequeno povo europeu, implicava a existência
de uma permanente reserva de indivíduos mobilizáveis para as colónias.
A população dos campos e dos arquipélagos dos Açores e Madeira,
foram pelas suas características as principais vítimas. Durante séculos
assistiu-se a uma permanente saída de portugueses para destinos tão
diversos como Cabo Verde, Brasil, India, Angola, China, Malaca, etc,
etc.Muitos faziam-no por dever de ofício (militares, funcionários políticos
e administrativos do Estado), outros para tentarem a sua sorte
(comerciantes, aventureiros, ou simples emigrantes, etc), mas muitos
foram também compelidos a partirem: exilados, cadastrados, prostitutas,
orfãos, etc. Um grande número dos que partiram jamais regressou a
Portugal, e quando o fizeram estavam em geral velhos e cansados.
(4) Esta hemorragia da
população tornou-se numa das principais causas do atraso do país. A
emigração desbaratava o seu capital mais precioso - a população-,
mas também estimulava um contínuo adiar da resolução dos problemas
reais do país. A prioridade das prioridades foi sempre a manutenção
das colónias. As populações emigravam para fugir à pobreza, mas ao
fazê-lo agravavam a própria pobreza do país, dado que o amputavam da
suas energias de renovação. Ao longo de séculos, em muitas aldeias e
vilas, os que acabavam por ficar eram sempre os mesmos: mulheres, crianças
e velhos. Mentalidade de
negreiros.
Muitas das actividades a que estes portugueses se
dedicavam nas colónias, acabaram por influenciar também a sua visão
da realidade, o tráfico de escravos foi uma delas.
Entre o século XV e o século
XVII, os portugueses foram os principais negreiros no oceano do Atlântico,
sendo apenas suplantados no final do século XVII pelos eficientes
negreiros ingleses. Tal facto não passou impune. Deixou marcas
profundas na mentalidade de muitos portugueses, nomeadamente na forma
como tendem a desvalorizar o trabalho (1), a envolverem-se em
actividades de lucro imediato e na especulação financeira(2), ou em
investimentos em áreas onde predomina o trabalho pouco qualificado (4),
secundarizando a questão dos métodos e da organização do trabalho na
melhoraria da eficácia e eficiência do próprio trabalho(5).
Não foram apenas os
negreiros os responsáveis desta mentalidade retrógada, que influenciará
negativamente o desenvolvimento do país. O Estado português teve também
a sua cota de responsabilidades no processo. Na verdade, desde o século
XV que as elites dirigentes, em particular a nobreza e os seus altos
funcionários, viviam das rendas das possessões ultramarinas. Na sua
maioria estavam intimamente ligados ao tráfico de escravos,
especiarias, pedras preciosas, assim como à exportação da população
para as colónias, em condições miseráveis. Esta prática acabou por
gerar entre o alto funcionalismo público uma mentalidade parasitária,
que o distanciou da população, sendo esta encarada como um objecto de
exploração. Estes funcionários nunca se assumiram como estando ao
serviço da população, mas interiorizaram a ideia de que esta só
existe apenas para os servirem. Esta mentalidade acabou por se
expandir por todo o Estado e pelas elites do país.
A lógica de
funcionamento e manutenção do Império acabou por condicionar o
desenvolvimento de uma verdadeira cultura de cidadania. Durante séculos
proliferou em Portugal os exemplos de políticos, funcionários e
intelectuais com a mentalidade de antigos negreiros, tendo como único
objectivo o saque da Res-Pública (coisa pública).
2.A Libertação Colonial
O processo de independência
das colónias em 1974 e 1975 representou uma verdadeira libertação do
país. Marcou em primeiro lugar o fim de toda uma emigração
compulsiva, mas também de toda uma estrutura montada para atender às
exigências militares, políticas, económicas das colónias. O fim do
Império foi também o inicio do desmoronamento de toda uma mentalidade secular
que vivia da exploração das colónias e da população exportável.
Portugal, em 1974, era um
país muito pobre no contexto europeu. Apresentava um conjunto de
indicadores deprimentes, tais como: elevadas taxas de analfabetismo,
pobreza endémica, sistema de saúde precário, redes viárias e de
comunicações caducas, um funcionalismo público centralista e parasitário,
despesas militares que absorviam a maior parte dos recursos do país,
etc. 3.
Persistência de mentalidades Sem o Império,
os portugueses viraram-se finalmente para si próprios e a Europa onde
nunca deixaram de estar. Não era possível continuar a adiar mais os
problema do país. O fardo do período colonial deixou a suas marcas,
nomeadamente a persistência de um aparelho administrativo centralista e uma
mentalidade retrógada, caracterizada pelo desprezo pelo trabalho e a
inovação dos métodos produtivos.
Malgrado todas as mudanças políticas, o Estado
continuou a ser encarado por muitos funcionários e políticos,
como um instrumento rapina da população, à qual se recusam a prestar
contas. O processo
foi facilitado pela estatização da economia que se seguia a 1974. O Estado,
alimentado pelos contribuintes e dispondo agora de novos recursos económicos em
virtude das nacionalizadas, tornou-se uma território apetecível grupos de
parasitas. O Estado
não tardou a engordar, enchendo-se de dirigentes e funcionários, provocando um brutal aumento das despesas públicas.
Multiplicaram-se também o número de fundações, institutos, empresas
públicas ou de capital público. Foi neste ambiente que proliferou a
parasitagem à margem de qualquer controlo democrático. Os Partidos Políticos,
infiltrados de parasitas, não tardaram em bloquear a
participação dos cidadãos por forma a manter o campo livre para o
saque. Em muitas áreas como a saúde, justiça, segurança ou a
educação, assistiu-se ao assalto do Estado por grupos profissionais, que numa
lógica de afirmação do seu poder corporativa, que não tardaram em criarem no seu
interior uma série de "estatutos especiais" que lhes garantem
privilégios e benefícios à custa da maioria da população.
O tecido empresarial português, que
durante séculos viveu à sombra do Estado, continuou a basear a sua
competitividade na exploração dos baixos salários dos trabalhadores.
A entrada de Portugal na CEE
(actual União Europeia), em 1986, marcou o inicio de um novo ciclo na história
do país. Os seus resultados tiveram contudo efeitos contraditórios.
Ao contrário do que seria de
esperar, abrandou o processo de
desagregação da mentalidade que predominou no país durante séculos. Por
outro, potenciaram-se as condições para a inevitabilidade de uma profunda
mudança na sociedade portuguesa. Por força dos grupos instalados no aparelho
de Estado, uma parte muito significativa dos fundos comunitários e dos investimentos públicos
acabaram por ser desviadas para alimentar vastas clientelas, não tendo qualquer
repercussão na melhoria das condições de vida das populações. Os
resultados destes enormes investimentos acabaram por ficar muito aquém das
expectativas. Prisioneiro
das diversas corporações, o Estado,
continuou a prestar serviços mediocres na justiça, saúde, educação, etc. O crescimento das
despesas não parou de aumentar para alimentar bandos de parasitas do erário
público, que reclamaram sempre novos direitos, esquecendo os seus deveres. O
ponto de ruptura ocorreu após 2004, quando o Estado se viu incapaz de controlar
as despesas públicas. Uma boa parte do orçamento do Estado continuava a ser
canalizada para alimentar bandos de parasitas. No ano seguinte, a mentalidade
retrógada manifestou-se então com todo vigor, quando grupos
profissionais como militares, magistrados, deputados, médicos, autarcas, gestores
públicos e muitos outros, vieram para a rua reclamaram a continuação de
"estatutos especiais", privilégios injustificados ou benesses
resultantes do saque dos utentes dos serviços onde trabalham. Os interesses corporativos
são claramente assumidos como superiores aos interesses colectivos. O momento
é histórico, pois pela primeira vez está em confronto duas visões do país:
uma retrógada, assente no saque da população por corpos especiais de
funcionários, a outra apostada na transparência e na modernidade. . 4.
Inevitável Mudança. Apesar
de tudo, após trinta anos de
regime democrático, o balanço é fracamente positivo. Portugal melhorou de forma surpreendente todos os
seus indicadores económicos, sociais, culturais, etc.
Contudo, o
aumento da concorrência interna e internacional, sentidoa partir de finais dos
anos noventa,
minaram por completo a já fraca sustentabilidade das estruturas
económicas e sociais. As despesas do Estado aumentaram continuaram a aumentar mais do que as receitas. É
hoje muito claro que o país não
pode continuar a manter estruturas
e mentalidades herdadas do período colonial. Se o fizer não tarda em tornar-se
num Estado pária no contexto da UE. A única alternativa que resta é combater as corporações de parasitas instaladas no aparelho de Estado,
atacar sem rodeios os seus privilégios, a incompetência, o laxismo e o
desperdício, difundindo uma cultura da exigência, transparência e
responsabilidade. Este
não é um caminho fácil, dada as
resistências que irão surgir entre as elites dirigentes, para as
quais a população foi sempre encarada como objecto de exploração. Só que os
tempos mudaram e Portugal também.
Carlos Fontes
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