PORTUGAL
Lado Negro de Portugal
Os portugueses adoram, entre
eles, dizer mal do país. Qualquer coisa negativa é interpretada como a
manifestação da decadência do país, o abandono de antigos valores tidos
por fundamentais. A partir do século XIX, as elites intelectuais, passaram a
profetizar também catástrofes colectivas. Apenas os judeus tem um desporto nacional
equivalente.
As visões negras sobre
Portugal, ao longo dos séculos, sofreram poucas oscilações. Entre o século
XV e 1974 tiveram quase sempre como pano de fundo a
questão da "Missão dos Portugueses no
Mundo" e a manutenção do seu Império.
Quer a "Missão" quer o Império se traziam "glória", implicavam
igualmente sacrifícios e
miséria para gerações de portugueses.
1. Críticas à Expansão.
Os primeiros discursos sobre o lado negro de Portugal surgiram no século XVI e
decorriam de
uma avaliação negativa das consequências da expansão que ainda estava em
curso.
Criticava-se o despovoamento do
país e o abandono de antigos valores cristãos. Os portugueses seduzidos
pelas riquezas orientais começavam a esquecer-se da "missão divina" que os
levara a expandirem-se pelo mundo.
Estas críticas reforçam a
ideia que sempre que os portugueses se afastam da sua "missão",
cavam a sua perdição. Gil Vicente foi um dos primeiros a
enunciar esta relação, repetida a partir daqui até princípios do século
XVIII.
2. Doloroso Despertar.
Após a restauração da Independência (1640), os portugueses fazem um
balanço muito negativo da "União Ibérica": o país está
empobrecido, o Império está quase todo nas mãos de outras potências
europeias, a fabulosa armada portuguesa desaparecera, a intolerância
religiosa generalizara-se.
Portugal reconhecia-se, pela primeira
vez, atrasado em relação às grandes potências europeias (Inglaterra,
França, Holanda ), o que representava uma enorme desvantagem na competição
que tinha que travar a nível mundial. Este atraso deixa o país em péssimas
condições para enfrentar uma guerra que se esperava longa com a Espanha, a
Holanda e a França.
O Estado, dominado por fidalgos
ignorantes, mostrava-se incapaz de dar o impulso que o país
carecia.
Apesar das críticas, os
portugueses mostram uma enorme confiança nas suas capacidades, e profetizam
para si próprios um futuro radioso - o Vº. Império, nas palavras do
Padre António Vieira. De novo, voltou-se ao discurso da "Missão
Divina" dos portugueses - a difusão do cristianismo -, sob a batuta da
Igreja Católica (portuguesa).
3. Causas do Atraso.
No século XVIII, os portugueses têm clara consciência que estão
atrasados em relação à Europa. Existe um relativo consenso sobre as causas
deste atraso: uma nobreza ociosa e perdulária, mas também a Inquisição,
os jesuítas e uma infinidade de frades. António Ribeiro
Sanches faz um diagnóstico demolidor da situação.
A Igreja é apontada como a
principal causa do atraso. Impedira com a Inquisição a entrada
de novas ideias, e continuava a ensinar falsas ideias através da Companhia de
Jesus. A Intolerância religiosa persistia, afastando do país todos os que o
podiam fazer progredir.
Os recursos económicos eram
consumidos e esbanjados por hordas de frades, freiras e clérigos de todo o
tipo. Um terço do país pertence à
Igreja Católica.
Embora as criticas tenham sido
ferozes, todos os que as faziam concordavam num ponto: se fosse aplicado a Portugal um
programa de modernização, não apenas os atrasos seriam superados, mas
também o Império seria salvo. A confiança no país continuava a ser enorme.
Marques de Pombal, com uma clara visão
programática irá procurar modernizar o país de modo a não perder o seu
Império.
4. Decadência.
O período entre 1807 e 1821 constituiu um verdadeiro trauma para os
portugueses de Portugal. A familia real partiu para o Brasil, e transformou a
colónia na metrópole. O Rio de Janeiro tornou-se na capital de Império
Português. Enquanto o Brasil se desenvolvia, Portugal mergulhava na
barbárie. Foi preciso uma revolução (1820) para obrigar D.João VI a
voltar, o que fez contra a sua vontade. Portugal estava destruido por anos de
guerra e nada aqui parecia fazer sentido.
Os portugueses (intelectuais) ao longo de todo o século XIX e depois durante
a Iª. República (1910-1926) confrontam de forma obsessiva Portugal com o seu
passado e as grandes potências do tempo.
No primeiro confronto, perante
um passado assumido como glorioso, retiram a ideia que o país
vive numa fase de completa decadência. O povo não tinha energia, alma ou
força anímica para sair da letargia em que se arrastava. Intelectuais como Antero de Quental, Eça de Queirós ou Oliveira
Martins, afirmam que o país estava condenado a uma morte
lenta, por falta de energias vitais.
No segundo confronto,
constata-se de novo que era preocupante o atraso de Portugal face às grandes potências
europeias. Este atraso, nomeadamente na
sua dimensão tecnológica, significava que o país não tinha condições
para manter militarmente o que restava do seu Império. Esta fraqueza
tornou-se insuportável após o Ultimatum Inglês (1890). Portugal não
se imagina então sem o seu Império. Vencer o atraso tornou-se um
imperativo nacional - o regime monárquico passou a ser visto como um
obstáculo ao desenvolvimento (a Monarquia será derrubada em 1910)
.
As causas profundas da
decadência eram atribuídas à corrupção dos costumes, incompetência das
elites dirigentes, uma organização social retrógrada e à influência
negativa da Igreja. A única saída possível será através de uma profunda regeneração
dos costumes e das instituições, o que só seria possível caso ocorresse uma enorme catástrofe ou
revolução. Só esta regeneração salvaria o Império e o país. Uma
promessa sempre adiada, pelos sucessivas governos "regeneradores".
A Iª. República pouco alterou esta ideário, conduzindo o país para uma guerra mundial
(1914-1918) sob o pretexto de salvar o que restava do Império. Os custos
desta operação tiveram como consequência o aumento da miséria da população, conduzindo ao
descrédito e ao fim da própria República.
5. Fatalismo.
Nos discursos oficiais durante a
ditadura (1926-1974), os portugueses eram apresentados
com um povo pobre, mas com um enorme orgulhoso no seu vasto Império colonial, que lhes
garantia a Independência e importância no
contexto internacional.
O seu atraso económico era o preço que tinham que pagar
pela manutenção do Império, mas também pela continuação da sua
"missão histórica " civilizacional, a sua independência, etc. Os
sacrifícios eram demasiado altos, mas as recompensas divinas enormes. O
ditador Salazar é muito claro a este respeito: Portugal, tal como as
grandes potências da Europa Ocidental, só podia subsistir enquanto
identidade histórica, se mantivesse a sua matriz cristã e imperial. Depois da 2ª. Guerra Mundial,
Salazar manteve esta posição ideológica num contexto internacional adverso,
o que
condicionou ainda mais o desenvolvimento do país. Desta forma, o lado negro de
Portugal - a miséria em que vivia a maioria da população - era
assumido o custo que havia que pagar pela defesa dos valores "ocidentais".
6. Mudança.
Com o fim do Império, em
1975,
os portugueses ficaram reduzidos
à sua dimensão europeia. Pela primeira vez desde 1415 os seus problemas
estão centrados num território continental e dois arquipélagos (Madeira e
Açores). Embora com a democracia se sintam libertos para
criticar e mudar as situações, continuam a mergulhar no lado negro de
Portugal construindo as visões mais pessimistas sobre o seu futuro colectivo.
A tentação para adiarem a resolução dos problemas continua a ser a norma.
Na última década ressurgiu a questão da
Identidade de Portugal e a da inviabilidade do próprio país, repetindo-se
sem grande novidade velhos temas. A discussão sobre o Império está
agora ausente das discussões, deixou de condicionar as soluções. As recordações saudosistas
sobre os tempos gloriosos da pátria (Descobertas) apenas entusiasmam alguns.
O problema é agora tratado como algo de natureza histórica.
Os males que actualmente afligem os portugueses são muito concretos:
a ineficiência do sistema de educação, saúde, segurança social,
justiça, ordenamento do território, etc. Nada de novo neste domínio, a não ser o facto de
serem agora sistemas extremamente caros, mas com fracos resultados. Como no passado,
os portugueses continuam a lamentar-se que o Estado está povoado de incompetentes e corruptos, mas aparentemente continuam sem
energia para acabar com esta situação.
As mudanças em relação ao
passado são todavia profundas.
As questões tem agora uma
dimensão tangível, assim como as soluções. Já não se discute a questão
do Império, mas da falta de eficiência do sistema criado nos últimos trinta
anos. Este facto faz toda a diferença.
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