Expansão e
Emigração na Cosmovisão dos Portugueses
1.
A História de Portugal até 1974 só pode ser apreendida como o processo de
dispersão de um povo, primeiro através da expansão marítima, depois motivado
pelo esforço de colonização, terminando num enorme movimento emigratório. Este
processo de dispersão durante 6 séculos, deu origem a uma ideologia que estruturou o “Ser
Português”.
Ao
contrário da história da maioria dos países do mundo, a história de Portugal
não está centrada num território concreto, mas encontra-se dispersa pelo mundo. Embora
as suas fronteiras terrestres tenham sido definidas
muito cedo (século XIII), o que sucedeu a partir do século XV foi a saída
forçada ou voluntária de milhões de português da sua pátria. A maioria
nunca voltou ao seu país de origem.
Portugal
entre 1415 e 1974 funcionou como uma verdadeira base de apoio logístico para
esta dispersão. Daqui partiam ininterruptamente pessoas,
navios, armas, instruções para todo o mundo. No século XVI é o
primeiro Estado global do mundo, tendo possessões em todos os continentes
conhecidos. No século seguinte, entre 1640 e 1668, sustenta uma guerra mundial
lutando em todos
os continentes, contra espanhóis, árabes, ingleses, holandeses, franceses,
italianos, etc., nas quais procura não apenas afirmar a sua Independência, mas também reorganizar o
Império que havia sofrido enormes perdas
durante o domínio espanhol (1580-1640).
Desde
cedo o Estado português projectou a sua acção em termos globais numa crónica
manifestação de ambição desmedida, ou "mania das grandezas".
Os navegadores portugueses mal chegavam a um lugar, logo se afirmavam seus
senhores. Desta forma. os mapas do mundo feitos pelos portugueses estavam cheios
de símbolos de Portugal. Em 1494 dividem o mundo com os espanhóis (Tratado de
Tordesilhas). Após o regresso de Vasco da Gama, em fim de Agosto de
1499, o rei D. Manuel I assumiu-se
desde logo o título de “Senhor da Conquista, Navegação e Comércio da
Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”.Os
cartógrafos enchiam os mapas do mundo com os símbolos de Portugal
Se
tivermos em consideração a sua população, podemos afirmar que nenhum outro país teve um Império Colonial com semelhante dimensão. Só a colónia do Brasil
era 95 vezes maior do que a metrópole (século XVIII).
A dimensão desta
"empresa", mantida durante séculos, tinha obviamente que deixar
marcas profundas na cultura do povo português.
Mapa do Mundo.
A vermelho zonas onde a presença portuguesa está ligada à expansão. A
amarelo onde a presença está sobretudo ligada a grandes movimentos
migratórios em diferentes épocas históricas. A verde locais onde existiram
importantes comunidades de portugueses judeus.
.
As conclusões deste texto são fruto de
múltiplas leituras de obras sobre Portugal, nas quais procurei identificar tendências,
imagens e impressões que nos pudessem a caracterizar o "ser
português". Não se trata de um estudo histórico, mas uma visão mais
próxima das abordagens compreensivas da filosofia.
2.
O
nosso ponto de partida é que este
movimento de dispersão acabou por moldar o modo como os
portugueses passaram a ver o mundo e a si próprios.
A cosmovisão que daqui
surgiu não precedeu a dispersão, mas surgiu como uma forma ideológica de lhe
dar coerência e deste modo contribuiu para a perpetuar.
Os historiadores contentam-se em geral em apresentarem
de forma atomística as razões desta dispersão. O factor geográfico e
uma ambição desmedida das elites governantes são elementos comuns a
muitos autores para explicar este movimento, mas também algumas circunstâncias históricas
particulares. No século XV referem-se as que estiveram na origem da expansão (procura de cereais, ocupação da
nobreza, etc); No século XVI as que levaram à criação do Estado da
India (domínio do comercio das especiarias, evangelização do Oriente, etc); No séculos XVII/XVIII da
criação da Colónia do Brasil; no século XIX do regresso às colónias de
África (independência do Brasil, ausência de uma missão histórica) e no século XX a emigração
massiva (abandono dos campos, atrasos estruturais, etc)..
a)
Um país adiado. Há algo em comum a todos estes
movimentos. Os portugueses sempre procuraram fora do seu país a
solução para os seus problemas internos. Como notou António José Saraiva, em vez de se
empenharem em desenvolver Portugal, preferiram investiram em expedições, conquistas além-mar ou mesmo
na emigração. Ora, à medida que prosseguiram nesta prática foram-se tornando
cada vez mais pobres e dependentes do
exterior.
Portugal
tornou-se, ao longo dos séculos, num país
sempre adiado, onde os que saíram esperam um dia regressar para aqui viverem os seus
últimos dias. Descansarem após uma longa batalha fora da terra que os viu
surgir. O português, nas palavras de Jaime Cortesão, quando se trata de erguer
o seu país revela uma enorme indolência. "O nosso grande mal é uma
doença da vontade cujos sintomas se chamam o desalento, o pessimismo, o
abandono fatalista, uma inerte cobardia e a falta de confiança no esforço
próprio" (cf. J.C., Da Renascença Portuguesa e seus Intuitos, A Águia.
1912 )
Portu50Atribuída
a Gil Vicente. 1506. Inscrição: 0.
MVITO. ALTO. PRI(N)CIPE. E. PODEROSO. SE(N)HOR. REI. DÕ. MANVEL.I. A . MANDOV.
FAZER. DO OVRO. I .DAS.PARIAS. DE. QVILOA. AQVABOV. E.CCCCCVI
A Custódia de
Belém foi feita com a primeira remessa de ouro vinda do Oriente. Simboliza a
missão evangelizadora de Portugal.
.
b)
Espírito de Missão. A componente económica foi decisiva na expansão, mas
a componente religiosa teve também um papel muito importante. A expansão era
apresentada como uma missão divina que havia sido
atribuída por Deus aos portugueses. O "Milagre de de
Ourique", envolvendo a figura do primeiro rei - D. Afonso Henriques -,
foi apresentado durante séculos como a "prova" que os portugueses
tinham na terra uma dimensão divina, profética. Eram o povo escolhido por Deus
para levarem a cabo uma obra que os faria transcenderem-se na sua condição. Cabia-lhes combater os infiéis, difundir o cristianismo e
criarem um Império cristão. Inúmeros textos entre os séculos XV e
XVIII, como Os Lusíadas de Vaz de Camões, repetem até à exaustão
este discurso.
A Igreja desempenhou na expansão portuguesa, um papel fundamental. Externamente mostrava que a obra dos portugueses servia os interesses do
Ocidente (cristão), ao combater os infiéis, defendendo uma Civilização
universal. Internamente mentalizava largos
estratos da população, nomeadamente os mais pobres para a importância de
defenderem a suposta "missão" do país.
A
Coroa Portuguesa, em meados do século XV adquiriu o privilégio de poder nomear
bispos e fundar igrejas na costa africana. Este privilégio - Padroado - no
século XVI estende-se a toda a Ásia. Os missionários estavam sob a
responsabilidade do rei, funcionando como seus agentes na obra de
evangelização/conquista. A Igreja Católica portuguesa participa na expansão
como uma força colonizadora, permitindo estender a influência de Portugal
muito para além do seu poder militar. Os missionários eram a força
avançada do Estado português.
No
século XVII dá-se uma mudança brusca nesta acção evangelizadora. Os
protestantes ingleses e holandeses, apoiados nas suas esquadras armadas,
aliam-se aos muçulmanos, indus, budistas e animistas no Oriente para expulsar
os católicos, o mesmo é dizer, os portugueses. Foram enormes as matanças
nestas guerras religiosas entre europeus no Oriente. Como se isto não
bastasse,
a Santa Sé,
sob pressão de outras potências católicas (franceses e espanhóis) limita o poder do Padroado, tendo criado
um organização própria - a Sagrada Congregação para a Propaganda da Fé
(1622). A resistência do Padroado implicou enormes investimentos do Estado
português. Em todo o caso, a sua acção foi-se reduzindo progressivamente,
estando no final do século XX confinado a Macau.
A
contrapartida deste apoio da Igreja teve consequências brutais para Portugal. A Igreja passa a
actuar como uma força que impede o desenvolvimento interno, pois o mesmo
poderia relegar para segundo plano a "Missão dos Portugueses".
Entre os séculos XVI e XVIII, a Inquisição persegue de forma sistemática
banqueiros, mercadores, comerciantes, artesãos, artistas, etc. Ao seus olhos
tratam-se de hereges, representam um tendência contrária à
acção de "evangelização". Os únicos que são tolerados são
os mercadores estrangeiros, dado que gozavam da protecção dos seus países. Ideólogos, como o Padre António Vieira, como
consolação para tantos sacrifícios colectivos, promete aos mais crédulos
dos portugueses - o Quinto Império, o último que a humanidade conhecerá.
Este seria a recompensa por terem abandonado as suas terras, abandonado as suas
famílias, suportado tanta miséria e e sacrifícios, mas sobretudo por se terem
dispersado pelo mundo na defesa do cristianismo. Este projecto só possível
devido às elevadas taxas fertilidade da população portuguesa.
O que lucravam os padres portugueses ? Tudo !
Dinheiro, prestígio junta Santa Sé, influência no mundo, etc.
Cada
português é aos olhos da Igreja um difusor do cristianismo, devendo anular-se nesta sagrada
missão. Um ideia que tende a gerar sentimentos fatalistas, e uma confiança
absoluta na vontade (insondável) de Deus mais do que na própria
vontade.
Cartaz
do ditador Salazar. Anos 30 do século XX.
A
propagada da ditadora apresentava Salazar como um guerreiro, um salvador
após uma longo período de desvario e opressão, mas também como defensor
intransigente da civilização cristão no mundo.
c)
Virtudes Guerreiras. Há um dimensão de incrível crueldade na História de
Portugal. A expansão e a colonização foram uma obra do Estado e da Igreja,
tendo a população sido reduzida durante séculos à condição de simples
instrumento ao serviço do Império. Não havia cidadãos, mas soldados ou súbditos. O Estado era dirigido
por um elite de fidalgos ou burgueses e burocratas com mentalidade de
fidalgos,. que se posicionavam muito acima
da população, explorando-a da mesma forma que saqueavam as colónias. Possuir um cargo no Estado tornou-se sinónimo de
enriquecer sem trabalhar.
Ao
longo de séculos milhões de pessoas foram arrancadas às suas terras e enviadas pelo
Estado para os lugares mais distantes do mundo. Está por fazer a contabilidade dos que
perderam a vida em guerras, naufrágios, vítimas de doenças em expedições
oficiais.
O desprezo que os oficiais portugueses tinham pela vida dos seus
soldados foi algo que espantou historiadores como Charles Boxer. Estes eram
frequentemente usados como "carne para canhão" nas muitas guerras ou
missões de soberania em que eram obrigados a participar.
O
número de navios portugueses que nos séculos XVII e XVIII se afundavam era
comparativamente superior aos registados nas frotas inglesas, holandesas e
francesas. Uma das razões está ligada à facto dos portugueses descurarem os cuidados na
construção, manutenção e
preparação da sua tribulação dos navios. Durante séculos os comandantes dos navios
eram recrutados entre fidalgos e não entre experientes marinheiros, como
acontecia nos países do norte.
O
mesmo desprezo pela vida humana repetia-se no
tratamento que os portugueses tinham para com outros povos, o que explica a forma
empenhada como se entregaram ao
tráfico de escravos. Com os Ingleses (séculos XVII-XVIII), os
portugueses foram entre os séculos XV e XIX os principais negreiros da Europa.
Entre
1415 e 1974 raros foram os períodos da história que os portugueses não estivessem em guerra numa qualquer parte do mundo ou a preparem-se par tal.
O espírito
(fidalgo) das elites que governam
o Estado valoriza sobretudo os actos guerreiros, a audácia, destreza, improviso
e a afirmação da virilidade em todas as circunstâncias, frequentemente
descurando os contributos da técnica e da organização superar os obstáculos.
Incorporação
de Soldados. 1939.
d)
Princípio do Dever. A expansão e colonização portuguesa foram uma
obra essencialmente da Corte/Estado, implicando uma crescente complexidade com um elevado
número de variáveis incontroláveis. Apesar
disso, o Império perdurou no tempo.
Qual era afinal o elemento que unia todo o
Império? O que fazia com que os portugueses, espalhados pelo mundo, muitas
vezes sem grandes contactos entre si, se mantivessem fiéis ao compromisso com o
Império ?
Tratava-se
de um conjunto de valores que estavam interiorizados nos diferentes
corpos administrativos e militares, e cujo princípio essencial era a obediência ao
rei (Estado). Todos os portugueses estavam aos serviço do Império e só
nessa condição justificavam a sua existência. Todo um povo ao longo de
sucessivas gerações foi mentalizado para obedecer e assumir a obediência como
algo honroso.
A
manutenção do Império exigia o espírito de submissão ao poder por parte dos
seus diferentes servidores. Este elemento é posto em evidência por um anónimo
do século XVI, que escreveu o conhecido "Primor e Honra da Vida
Soldadesca no Estado da India". Escreve este autor: "A nação
portuguesa é naturalmente inclinada a quatro virtudes particulares, convém
saber, constância da Fé, lealdade ao rei, esforço próprio, piedade e
misericórdia". Esta obediência era um dever sagrado, um imperativo que acaba por anular a própria individualidade.
É
curioso constatar que nos
inquéritos internacionais, ainda no anos 80 do século XX, os portugueses e os
israelitas eram os únicos povos ocidentais que se distinguiam por apreciarem pouco o individualismo.
O
Estado é uma entidade omnipresente, do qual se espera tudo e a quem todos
recorrem. Os
que estão à frente do Estado, assumem-se não como servidores do povo, mas como
os seus senhores, furtando a qualquer explicação dos seus actos. A ausência de um
espírito de cidadania na população é um tema recorrente na política
portuguesa.
Cartaz
destinado aos Emigrantes. 1975. A emigração era então assumida como algo que
estava na natureza dos portugueses, tal como a migração anual está na
natureza das andorinhas.
3.
O fenómeno da emigração andou sempre
colado ao da expansão e depois à colonização, embora tenha passado praticamente despercebido até à independência do
Brasil (1822). Como foi entendida a emigração a partir do século XIX?
A Igreja e
o Estado não aceitaram de bom grado a emigração, tendo em conta os destinos
preferidos pelos emigrantes, como o Brasil ou os EUA, pois estavam fora da
esfera de influência do Estado ou da Igreja. A
emigração para África nunca entusiasmou os portugueses, sendo a mesma muito
reduzida quando a comparamos com a que se registou em relação a outros destinos
(Brasil, França, EUA). Esta é uma das razões, porque ao longo do século XIX
e princípios do século XX, os emigrantes são ridicularizados na figura do
"brasileiro". O único aspecto positivo que alguns vêem na
emigração é a importância económica das remessas que os mesmos enviam para
Portugal.
Face
à incapacidade de inverter a debanda da população para o estrangeiro, nos anos cinquenta do século XX, a
emigração começa a ser vista na mesma linha de continuidade da expansão portuguesa.
O português ao emigrar cumpre uma missão histórica: assinalar a presença de
Portugal no mundo, reconstituindo em cada lugar o país que abandonou. Com
o emigrante começa a ir também o padre, o professor, a comida portuguesa, etc.
No
princípio dos anos 70 Portugal era um país miserável, mas onde o regime
ditatorial se continuava a afirmar fiel a uma missão histórica iniciada no
século XV, que tinha por objectivo criar um vasto Império Cristão !
4.
O fim o Império
que começou a ser desmantelado em 1974, mas cujo processo só foi
concluído em 1999, poderia ter constituído uma ruptura com o passado.
Na verdade, estavam criadas as condições objectivas para que os portugueses fechassem um
longo ciclo histórico e iniciassem um novo período na sua história colectiva.
Contudo, não houve uma efectiva libertação mental, nem ocorreu uma efectiva des-construção
da ideologia elaborada ao longo de séculos para manter o Império Colonial. O que aconteceu foi
que velhos mitos ligados ao Império continuaram a persistir.
a)
Desígnios Nacionais. O
fim do Império poderia ter significado o fim de todas as ilusões sobre a
"missão " civilizacional dos portugueses, mas tal não
aconteceu.
A
Igreja Católica portuguesa sem colónias perdeu a sua grande Obra Civilizacional,
mas não tardou a procurado
uma outra divina "missão", mas sem grande êxito.
Após uma fase de alguma desorientação centrou-se em Fátima, o
"Altar do Mundo". Até 1989, com João Paulo II, combaterá a ameaça
comunista. Seguiu-se novo vazio que a "Nova Evangelização" ainda
não logrou preencher. A verdade é que para a Igreja nada voltou a ser como dantes.
O
enorme vazio que se seguiu a 1974/1975 tanto há esquerda e á direita
deu origem a inúmeras fantasias sobre a dita "missão" que daria
sentido a um país que muitos procuram convencer-nos que o perdeu. Tem-se
apontado múltiplos desígnios nacionais, mas nenhum tem suscitado grandes
entusiasmos. Ao longo das últimas décadas.recuperou-se Fernando
Pessoa, divulgou-se Agostinho da Silva, tendo atingido grande popularidade
Eduardo Lourenço. O mito de um destino colectivo parece continuar vivo,
capaz de alimentar delirantes fantasias esotéricas (António Quadros, António
Telmo, etc). Cada um a seu modo procurou traçar o "destino de
Portugal", reelaborando o tema do "Império" português
no mundo.
Em
2006, um conjunto de intelectuais "saudosistas" retomou o tema de "Portugal como Problema" (obra anunciada
para 6 volumes), tendo em vista identificar a "essência daquilo que
somos numa sucessão interminável de discursos proféticos, a fim de
identificar o novo "destino" que ainda não cumprimos.
Como
no passado, as
elites que gravitam à volta do aparelho de Estado ainda que sem o Império que as
alimentou durante séculos, não tem parado de reinventarem novas formas de exploração.
As elites que controlam o Estado continuam a tratar a população, como subditos e não como
cidadãos.
b)
País Adiado. Trinta anos depois do fim do Império, quando se questiona a
trajectória política do país e se revela o esgotamento do modelo económico
que foi seguido, como se nada
mais houvesse para fazer, ressurgem os discursos dos que procuram fora do país
a solução para os problemas internos.
Os
europeístas concentram agora as suas atenções no novo pacote dos fundos
comunitários vindos de Bruxelas. Espera que com a sua boa aplicação os crónicos
problemas internos sejam superados. O fenómeno não é novo. Em pleno estado de
desespero, em 1977, o pedido de adesão à CEE funcionou como verdadeiro
remédio e pôs os
portugueses a sonhar com o fim dos seus problemas. A entrada em 1986, com a vinda de milhões foi a
confirmação que ainda existiam novas "índias", "brasis" ou
"áfricas". Contudo, 20 anos
após a adesão à CEE, os portugueses reconhecem que a maior parte de dinheiro que
receberam para ajudas ao seu desenvolvimento apenas serviram para adiar a resolução dos seus
crónicos problemas. Em 2006, uma parte significativa da população continua a
emigrar, como se nenhuma alteração tivesse ocorrido na sociedade portuguesa
nas últimas décadas.
Para
cúmulo, nos últimos anos voltou a formar-se um grupo de iberistas que preconiza a auto-dissolução de
Portugal como remédio para todos os nossos problemas. Trata-se de um
fenómeno marginal, patológico, mas não deixa de ser um sinal dos
tempos.
c
)Princípio do Dever. Ao
contrário do passado os portugueses deixaram de encarar o dever (obediência ao
rei, Estado ou à Igreja ) como um compromisso honroso. Sem "missão
divina" para cumprir, nem Império para defender, o princípio da
autoridade está em crise. A única coisa que persiste é a propensão para
cumprir ordens mais do que para mandar. O que levou o filósofo José Gil
a escrever que os portugueses (Portugal) tinham medo de existir, receio em
afirmar-se. Uma doença que os leva a condescenderem com actos que mereciam a
ser reprovação, abdicando desta forma dos seus direitos e deveres de
cidadania.
d)
Virtudes Guerreiras.
Muitas das virtudes guerreiras que durante séculos entusiasmavam os portugueses
deixaram de ser vistas como honrosas. A primazia dada à acção sobre o
pensamento foi posta em causa. A
força como um valor particularmente enaltecido deixou de ser apreciada. Os
portugueses passaram, ainda que timidamente, a questionar a letra bélica do seu
hino. As touradas tem hoje um público reduzido. Em consequência desta nova
atitude, assistiu-se ao aumento das criticas sobre os exagerados gastos das
forças armadas. Os negros resultados educativos no
contexto europeu tornaram-se uma vergonha nacional.
Uma
nova realidade está contudo a impor-se. Sem colónias, o país está a conformar-se
lentamente à sua dimensão no mundo, percebendo que não tem nenhuma
"missão divina" para cumprir e que no essencial continua a ser um
país adiado, com inúmeros problemas estruturais para solucionar.
O
"destino" dos portugueses é agora bem terreno, e depende em grande
parte daquilo que eles próprios fizerem pelo país onde vivem. Terminou a
época do "milagres" e dos "destinos providênciais".
Carlos Fontes |