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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Contemporânea - (Séc.XIX)

Ensino nos Asilos e Orfanatos

Neste século a questão dos orfãos, expostos, marginais, mendigos e até as prostitutas foi encarada numa nova perspectiva : todos deveriam ser retirados das ruas e através do trabalho empreendida a sua regeneração, dando a cada um oficio que lhes permitisse viver sem ser pela mendicidade, que passou a ser proibida. A nova ordem que proclamou os cuidados higiénicos e preventivos, "limpava" a sociedade de todos aqueles que não se enquadravam nos padrões de comportamento burgueses:  as prostitutas foram encerradas em "Casas", os loucos em  hospitais, os delinquentes menores em casas de correcção , os mendigos ou indigentes em Asilos, e até os mortos vão parar aos "cemitérios públicos"...

O Estado fixava para cada um o seu lugar, tendo em vista a ordem geral do pais e o seu progresso. Pina Manique compreendeu esta vocação do Estado moderno e criou uma instituição que foi o modelo dos Asilos do século XIX.  O liberalismo veio difundir esta doutrina e a impôs em todo o pais no plano legislativo.

As primeiras medidas Liberais consistiram numa mudança de instituições: as antigas casas religiosas são transformadas em Asilos, sendo sustentadas na sua maioria por benfeitores particulares. Os mendigos, prostitutas , menores delinquentes, orfãos, crianças abandonadas todos parecem fazer parte da mesma categoria social, e não raro são metidos nos mesmos estabelecimentos. Só lentamente se começou a fazer a distinção e a procurar-se novas formas de enquadramento da diferentes situações. O Asilo abrangia de inicio todas estas situações, depois, na década de 60, surge o conceito de "Asilo -Escola", e de "Casa de Detenção e Correcção" para menores, depois a noção de escola-prisão impõe-se.

Em 1834 por iniciativa do ministro Agostinho José Freire, é criado um organismo oficial para superintender na assistência publica - Conselho Geral de Beneficência -, na sequencia do qual é será criado a "Associação das Casas de Asilo da Infância Desvalida". 

Os Asilos para as crianças abandonadas, orfãos ou indigentes, e mendigos tiveram uma expansão relevante neste século, impulsionados a partir de 1835 com a proibição da mendicidade nas ruas. A importância dos Asilos neste século está longe de ter tido o devido realce. Em todos os Asilos para menores, o trabalho e a formação profissional tiveram sempre uma importancia central na sua missão. Ao longo do século XX , uma vasta rede de Asilos de menores cobriam as principais cidades do país e representavam um verdadeiro sistema de f.p. paralelo ao oficial. 

Algumas dos asilos mais importantes por localidades .

1. Em Lisboa situava-se naturalmente a maior concentração de asilos e casas de beneficencia, dos quais se destacam 11 estabelecimentos pela sua importância:

    O Asilo da Mendicidade de Lisboa foi o primeiro Asilo que foi criado em Portugal, e coube a iniciativa a Mouzinho da Silveira, ficando instalado no extinto Convento de Santo António dos Capuchos[1].  

    O Asilo da Infância Desvalida criado em 1834 pela imperatriz D. Amélia, Duquesa de Bragança, na Rua dos Salgueiros, antiga Rua dos Calafates.

   O Asilo do Lumiar, foi inaugurado em 1857, e foi criado por iniciativa de uma comissão local.

    O Asilo  D. Pedro V, no Campo Grande em 1853 para festejar solenemente o inicio do reinado de D. Pedro V, que se tornou desde logo no seu protector. O seu magnifico edificio ainda existe, e foi inaugurado em 18 de Outubro de 1857, sendo os seus Estatutos aprovados a 2 de Novembro de 1860. No inicio apenas recebia  crianças até à idade dos sete anos, com a morte deste monarca, os estatutos foram reformados em 1867, transformando-se no Asilo da Infância Desvalida do Campo Grande, podendo as asiladas permanecer até aos 18 anos[2]

O comercio de Lisboa contribuiu de fora decisiva para a manutenção deste Asilo.

      O Asilo da Ajuda criado em 1857 por iniciativa de D. Pedro V, destinava-se a recolher os orfãos de ambos os sexos, filhos das vitimas da cólera e da febre amarela que empestou na altura a capital, ficando instalado num edificio da Calçada da Tapada. A idade de admissão situava-se entre os 7 e os 18 anos, recebendo os orfãos para além da instrução primária, tinham uma formação diferenciada de acordo com o sexo. As raparigas eram preparadas para futuras criadas de servir, e os rapazes aprendiam um oficio mecânico.

    O asilo de Santa Catarina foi criado em 1856 e ficou instalado no extinto convento de S. João Nepumuceno.

    A Escola -Asilo de S. Pedro de Alcantara, foi criada em 1862, pelo Dr. Martinho, na Calçada da Ajuda, para rapazes e raparigas.

    O Asilo de Nossa Senhora da Conceição, instalado no Convento do Rato, apenas em 1871 teve os seus Estatutos aprovados. Era um recolhimento temporário para raparigas abandonadas, e estava sob a superintendência do Governador Civil de Lisboa. Além da Instrução Primária, as raparigas tinham também uma formação como criadas de servir, e em outros oficios domésticos. Raramente os Asilos do século XIX ultrapassam para as raparigas nestas actividades domésticas.

    O Asilo de S. João foi criado em 1862, por iniciativa de José Estevão Coelho de Magalhães, e albergava uma média de 50 orfãos e crianças desvalidas. Aquando da sua inauguração a 2 de Julho de 1862, teve a sua primeira sede na Rua dos Navegantes, para passar passar depois para a Travessa do Loureiro, no 8. Para além da instrução primária, ministrava ainda ensinamentos em actividades domesticas. Acentuando-se a f.p. ao longo do século. Com a reforma dos seus Estatutos em 1914, passou a contemplar o ensino de contabilidade, noções de escrituração comercial, dactilografia, caligrafia, lavores artísticos, arte aplicada, corte de roupa branca, desenho, culinária, enfermagem, musica[3]

    O Asilo dos Filhos dos Soldados criado em 1862 era o produto de um projecto datado de 1837. Neste ano Sá da Bandeira e Manuel da Silva Passos , pretenderam criar uma Asilo Rural Militar a instalar no extinto Convento do Varatojo para os filhos orfãos dos praças do exercito. Aí seriam ensinados em ofícios como a agricultura, carpintaria e a ferraria, actividades produtivas. A ideia não vingou. Em 1862 quando foi retomada, pretendia-se agora que dos asilados saíssem oficiais inferiores do exercito, bem como individuos aptos a exercer oficios necessários a mesmo, como músicos, coronheiros e espingardeiros. Em 1863 parte do Convento de Mafra era cedida para este novo asilo que aí foi inaugurado a 24 de Agosto de 1863.Dez anos depois o Asilo foi extinto, tendo saído até esta data 84 praças, sendo 66 dos quais admitidos como sargentos[4].

    O Asilo de D.Luis I, no antigo Convento das de N. S. da Conceição de Marvila, foi fundado por Manuel Pinto da Fonseca em 1874, e destinava-se a rapazes e raparigas.

    O Asilo - Oficina de Santo António, nos Anjos foi criado em 1892 por Luiz Pinto Moitinho, e destinava-se a crinaças desamparadas do sexo feminino. Este objectivo deste benfeitor " criar um Asilo no qual se ensinem ás crianças diversas industriais, que se podem denominar caseiras, que as abergadas depois possam praticar em seus lares, livrando-as dos labores das fábricas, onde a vida se estiola e mata"[5]. A sua primitiva Casa foi no Largo de Pombeiro, depois foi para o Paço da Rainha, e finalmente em 1895 ficou instalada nos Anjos, Bairro Andrade, onde se encontra ainda hoje. A aprendizagem destas crianças era muito variada, centrando-se sobretudo em oficios que pudessem ser desempenhados em casa: Trabalhos de cartonagem, obras de malha de lã, passamanteria e cirgueria, luvaria, alfaiataria, ourivesaria, brunido de prata, fabricação de pequenos objectos decorativos e trabalhos de cinzel, fabricação de estojos, cujas vendas revertiam para a manutenção do Asilo.

    O Asilo da Viscondessa de Silva Carvalho, para formar cridas de servir, estava instalado no extinto convento das Freiras Capuchinhas Francesas no Quelhas.

    O Asilo Industrial e Agricola D. Fernando II, foi inaugurado 10 de Junho de 1883, em Albarraque- Sintra, do qual era presidente perpétuo e principal protector o próprio D. Fernando II, apoioado pela Camara Municipal de Lisboa. Para além da instrução primária elementar e complementar, aqui os asilados aprendiam praticas agrícolas, noções gerais de escrituração mercantil, desenho e as artes ou oficios para que mostrassem inclinação. Em 1884 já o Asilo ameaçava vir a suspender a sua actividade a 12 crianças por falta de benfeitores, conforme o declara o seu director João Wager Russel Junior[6].   

2. No Alentejo sobressaiam no século XIX, duas importantes casas: a Casa Pia de Evora e a Colonia Penal de Vila Fernando.

3. No Porto e sua região destacavam-se vários estabelecimentos:

   O Asilo Portuense de Beneficência da Primeira Infância, foi criado em 1836, e era destinado a recolher orfãos e indigentes, com idades compreendidas entre 4 e 10 anos. Nos Estatutos de 1836, artigo 18., afirmava-se claramente que eram objectivos do Asilo, incutir nas crianças " a inclinação para o trabalho, que é o manancial da abundância e da prosperidade. Ensinar-se-á as meninas a  cozer, fazer meia, engomar , e mais prendas comuns, compatíveis com a sua condição , e idade". Em 1857, esta  instituição, unica no Porto, atravessava já uma profunda crise pela falta benfeitores. Neste ano saíam do Asilo mais 3 meninas para modistas e costureiras, 2 para criadas de servir, 1 para o Brasil, 1 para caixeiro, e 1 para calceteiro da Câmara Municipal do Porto[11]

    O Asilo Profissional do Terço, destinado a receber orfãos do sexo masculino, as quais se ensinava um oficio para o que possuía mestres e oficinas apropriadas

    O Asilo Manuel Pinto Mourão, instalado na Irmandade do Terço para educação de meninas orfãs

    O Asilo de S. João iniciou as suas actividades a 24 de Junho de 1892, com 12 internados.Procurarou-se desde logo incutir-lhes o gosto pelo trabalho ( sic),sendo para o efeito promovidas diversas visitas a fábricas e oficinas da cidade, projectando-se desde logo instalar oficinas "onde os ionternados aprendam a ganhar o pão de cada dia"[12].

    O Asilo criado pelo Barão de Nova Sintra, para ambos os sexos, no final do seculo;

 

4. Em Braga sobressaiam pela sua importância o Colégio dos Orfãos de S. Caetano e o Colégio da Regeneração .

   Em 1852 era fundado o Asilo de S. José de Braga

   O Colégio de S. Caetano em 1856 veio a sofrer um novo impulso na sua já brilhante acção . Por "Carta de Lei" de 18 de Julho deste ano foi estabelecido que o legado deixado em testamento por Joaquim José Ferreira da Veiga , fosse aplicado na criação e manutenção de um estabelecimento para nesta cidade educar e instruir pobres nas diversas artes e oficios o que já acontecia desde o século XVIII. Em 1866 foi estabelecido que neste colégio para além do ensino primário , haveria um ensino profissional com a duração de 4 anos, onde seriam ministrados cursos agrícolas e horticulas[13].Este Colégio em 1894 passou a ser administrado pelos Padres Salesianos, situação que se mantém até aos nossos dias.

    O Colégio da Regeneração de Braga ou Asilo de Braga, deveu-se á entusiástica acção do Pe. João Pedro Ferreira Airosa. Foi o Colégio inaugurado a 18 de Agosto de 1869, na Rua do Areal, nos subúrbios de Braga., destinou-se a recolher mulheres caídas , afim de as regenerar pela religião , a instrução e o trabalho. Após várias mudanças fixou-se no extinto Convento da Conceição, na Rua no Geraldo em 1880. Para além de ministrar a instrução primária, aqui se ensinava também as artes do desenho, musica, costura, bordados, engomagem, tecelagem e lavagem de roupa. Na cerca do edificio havia ainda o ensino pratico de horticultura e horicultura. As oficinas do Colégio  estavam equipadas por volta de 1892, com 6 máquinas de costura e 31 teares. Formação e produção eram aqui também uma constante. "O produto dos seus trabalhos ( das asiladas) tem sido apresentados nas Exposições de Braga, do Porto, de Lisboa e na Exposição Universal de Paris de 1889, sendo premiado em todas , o que demonstra á evidencia os bons frutos desta instituição humanitária e civilizadora"[14] . O colégio fabrica vários tipos de panos, assim como executava vários serviços para o exterior. Numa loja contigua ao mesmo, exponha-se para venda os produtos fabricados pelas asiladas.

 "A própria familia Real , durante o tempo que esteve em Braga, mandou lavar e engomar no colégio as suas roupas e fez diversas compras"[15]

Até ao ano de 1892 haviam sido recolhidas 508 asiladas, e até 1913, cerca de 1000 [16], numero que é bem elucidativo da dimensão desta obra.

5. Em Aveiro existia já desde 186 ... um Asilo-Escola Distrital, com oficinas próprias de marcenaria, alfaiate, e outras. E 1893 a Câmara Municipal ambicionava-o criar aí uma oficina de cerâmica, com o apoio do governo. Pois deste modo, poderia formar trabalhadores para as fábricas de porcelana de Vista Alegre, de faianças da Fonte Nova, bem como apoiar a formação de mais de 400 operários e numerosas oficinas da região. A Câmara avançava mesmo com o projecto da criação de uma aula de desenho industrial, com vista á formação de pintores e modeladores. Desta petição resultou a criação em Outubro deste ano da Escola Industrial e Comercial desta cidade.

    6. Em Coimbra, o Colégio de S. Caetano constitui uma das principais referencias cimeiras desta cidade. A sua fundação remontava a 1701, mas o seu período mais interessante ocorre a partir de 1841. Pela lei de 15 de Setembro de 1841 foi-lhe concedido o antigo Colégio da Sapiencia ou Colégio Novo, que pertencera aos Cónegos Regrantes de Santa Cruz, para aí se instalar este Colégio para orfãos de ambos os sexos, ficando conhecido pelo Colégio dosa Orfãos. Mas os princípios que o Colégio continuou a seguir eram os característicos dos séculos XVII e XVIII, quando funcionavam para recrutar futuros clérigos ou membros das ordens religiosas. Ora no século XIX eram cada vez menos as crianças que o pretendiam fazer. Acontece que estas crianças ou jovens  quando saíam deste Colégio, sem hábitos de trabalho entregavam-se a modos de vida que manchavam o nome do Colégio, denegrindo a sua reputação. Como aconteceu noutros Colégios também aqui em 1886 a 1889 se fizeram profundas alterações nos seus Estatutos, de modo a incluir a formação profissional no ensino ministrado no Colégio. Para o efeito foram cridas oficinas de Alfaiataria, de Sapataria e de Encadernação, os bons resultados não se fizeram esperar[17].

    O Asilo da Infancia Desvalida desta cidade foi criado em 1836, por obra de Elisio de Moura, ficando instalado no Colégio de Santo António da Pedreira.

  7. Em Angra do Heroismo, em 1857 foi criado o Asilo da Infancia Desvalida. Para além da instrução primária, os asilados aprendiam fora deste estabelecimento diversos oficios. Esta era uma pratica muito comum nos asilos que não tinham meios de manter as suas próprias oficinas.

8. Em Guimarães no ano de 1862 surgia o Asilo de Santa Estefania.

Para além destas cidades e localidades, destacaram-se ainda os Asilos de Leiria e Viseu.  

Em construção !

  Carlos Fontes

Navegando na Educação

Notas:

[1]Criado a 14 de Abril de 1834. Ver portugal. Dic. Hist., Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues. Vol.I-A-.1904. em 1887 foi publicado uma obra sobre o mesmo intitutlada "Souvenir de Lisboa. O Asilo da Mendicidade  em portugal. Impressão d uma Visita ao referido Asilo.

2]Consultar Portugal.Dic.Hist.vol.I-A, e "Notice Sur LAsyle de Dom Pedro V. Pour L Infance Indigente etabli á Campo Grand Prés de Lisbonne.1873.Lallement. Fréres. Imprimeur. Lisbonne.

3] Ventura Reimão, X Congresso Internacional de Protecção á Infancia. Lisboa. Outubro de 1931. O Asilo de S. João. Monografia.

4]António José da Cunha Salgado, Breves Apontamentso e Considerações Sobre o Asilo dos Filhos dos Soldados. Lisboa.1871

[5] Costa Goodolphim, Asilo-Oficina Santo António de Lisboa. Lisboa. 1905.pag.5

[6] Asylo Industriail e Agricola D. Fernando II para Rapazes Abandonadas. relatório Apresentado ao Governador Civil de Lisboa. 1884.

 [11] Relatório de Contas do Asilo Portuense de Beneficencia da Primeira Infancia. 1857

[12] Relatório e Contas da Gerência do Asylo de S. João do Porto. Porto.1894., parg.19

[13] O Decreto de 6 de Dezembro de 1866, regulamentou a a Carta Lei de 1856

[14] P. joão Pedro Ferreira Airosa, Colégio da Regeneração de Braga. Coimbra.1892. Congresso Pedagógico Hispanico- Portugues- Americano. Secção Portuguesa.,pag.5

[15] Pe. João Pedro Ferreira Airosa, ob.cit. pag.5

[16] Fortunato de Almeida , História da Igreja Em Portugal. 1970.Porto-Lisboa. Vol III.pag.433

[17] Manuel Dias da Silva, Colégio dos Orfãos de S. Caetano em Coimbra. Coimbra. 1892