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Com
a chegada ao poder, em 1980, da Aliança Democrática, liderada por forças de
direita, abre-se uma ruptura com o poder dos militares e o modelo de sociedade
consagrado na Constituição de 1976. O que se traduziu numa profunda inflexão
na política cultural que vinha sendo seguida.
A
SEC é reformada em Abril de 1980, mais
tarde falar-se-á de uma verdadeira refundação. Consagrou-se uma nova dependência
institucional - o Conselho de Ministros, de modo a acentuar o seu carácter político.
A reforma então decretada foi a mais longa de todas, mantendo-se praticamente
sem grandes alterações até 1989.
Numa
clara substituição dos discursos políticos anteriores, a tónica é agora
colocada na defesa do património
cultural, em especial o
de natureza edificada, assim como no acesso
do povo à cultura erudita, omitindo-se a questão de lhe facultar meios
para desenvolver a sua própria cultura.
Embora
muito fragilizados, rapidamente os novos dirigentes da SEC procuram pôr fim a
todas as estruturas que haviam sido criadas para apoiar e difundir a cultura
popular, ou conotadas com acções de mobilização das populações em defesa
da Revolução. Entre as primeiras medidas adoptadas figurava a drástica redução
dos apoios aos centros culturais
regionais, às associações locais, mas também, se inicia o
processo de desactivação das instalações na zona de Belém, símbolos
por excelência da anterior política cultural.
O
período entre 1980 e 1982, apesar de todos compromissos foi claramente de
ruptura, com as orientações anteriores. Vasco
Pulido Valente (1980/1981), com uma gestão autoritária,
teve nele uma acção decisiva
nesta viragem. Brás Teixeira (1981)
mais aberto a compromissos, procura no plano teórico, substituir o debate sobre
a cultura popular pelo da identidade cultural do país. O fim do Império
despertara a questão em muitos intelectuais
no tempo.
A
Globalização
Apesar
da profunda crise económica que Portugal atravessa quando entra na década de
oitenta, a Globalização não deixa
por isso de se manifestar entre nós, nomeadamente pela via das expectativas de consumo.
O
processo da constituição de mega-grupos internacionais de multimédia e da
publicidade, assente numa homogeneização das necessidades que conduziu à
“estandartização universal” dos produtos, encontraram entre nós condições
propícias para a sua difusão. Em Portugal, àquilo que então se assiste é
precisamente à ávida procura de produtos internacionais, em especial nas novas
catedrais do consumo, os centros comerciais e os hipermercados.
Em
todos os domínios culturais, o fenómeno repetia-se, assistindo-se à
secundarização das produções nacionais face às de origem estrangeira. Nas
artes plásticas um movimento de jovens críticos, obtém então algum sucesso
mediático, quando procura sustentar que na avaliação das obras de autores
nacionais, os únicos valores de referência deviam ser a
modernidade e o cosmopolitismo.
Na música ligeira, as novas camadas de público orientam-se de forma hegemónica
para os criadores internacionais.
No teatro, as peças de autores portugueses diminuem de tal forma, que a SEC
reforça nos critérios de presidiam ao financiamento dos grupos de teatro, a
representação de peças destes autores.
Este
consumo é acompanhado por uma procura e uma oferta de informação sem
precedentes. Assistiu-se não apenas, como veremos, à difusão dos
mini-computadores (1983), mas também das rádios e até das televisões
“piratas”, à proliferação de parabólicas, mas também de todos os
mecanismos de reprodução, sejam para fotocópias ou cassetes. Os fluxos e as
redes de informação densificaram-se, espelhando esta abertura à comunicação.
Após Janeiro de 1986, com a entrada de Portugal na CEE, sofre uma aceleração
todo o processo.
A
tendência para a integração numa economia global, por via do consumo,
acentua-se com o crescimento imparável dos fluxos turísticos. A sua dimensão
não deixou de se reflectir em todos os domínios da sociedade, nomeadamente
pelo seu peso económico. Em 1980, por exemplo, entraram em Portugal cerca de
2,7 milhões de turistas, mas em 1994, este valor atingia já cerca de 10 milhões,
valor que era superior à própria população residente. Quatro anos depois
superava a barreira dos 15 milhões.
A trajectória que conduziu a uma política cultural assumidamente internacional
teve o seu inicio simbólico na XVII
Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura, do Conselho da Europa (1983),
proposta por Lucas Pires, então
ministro da Cultura e da Coordenação Científica. O país procurava criar na
Europa um imagem moderna, consentânea como tudo o que implica o seu pedido de
adesão à CEE. A esta tarefa, entregou-se igualmente Coimbra
Martins. Devido a resistências internas, mas também à falta de recurso
económicos, a sua acção foi muito limitada. O que não impediu que durante o
seu mandato fossem incrementadas as exposições e representações no
estrangeiro. O objectivo político de afirmação da cultura portuguesa na
Europa reunia então um largo consenso, o rumo estava traçado. O impulso
decisivo foi dado pouco antes da entrada de Portugal na CEE (1 de Janeiro de
1986).
O
novo governo de direita chefiado por Cavaco
Silva, deu neste sentido instruções precisas, à nova Secretaria de
Estado, Teresa Patrício Gouveia(1985-1989).
A promoção da
cultura portuguesa no estrangeiro era uma das grandes prioridades do governo. Numa
opção claramente liberal, declara-se
desde logo que era intenção do Estado deixar de intervir na promoção dos
eventos culturais, limitando-se apenas a apoiar os seus agentes e criadores,
nomeadamente através da construção de infra-estruturas e a promover os meios
destinados à sua divulgação. A forma como foram concretizados estes princípios
e objectivos ao longo dos anos, não foi isenta de compromissos vários.
Evitou-se entrar em grandes conflitos, numa altura que a comunicação social
atribuía uma crescente importância a tudo o que se passava com a cultura.
Neste sentido, continuaram a persistir organismos, como a DGAC, mas também
processos de apoio às artes, claramente desfasados das orientações políticas
globais.
No
plano das realizações, sucedem-se uma catadupa de grandes projectos culturais
de âmbito internacional, que tiveram como expoentes máximos a
Europália (1991) na Bélgica, Lisboa
Capital Europeia da Cultura (1994) e a Expo98
(a candidatura foi apresentada em 1989!). No entanto, não podem ser também
descuradas as múltiplas exposições no estrangeiro, assim como o incremento
dos apoios destinados a uma maior presença de galerias e artistas em certames
internacionais.
Investem-se
então enormes somas na valorização do património cultural edificado, mas
sobretudo, na criação de infra-estruturas para a fruição e realização de
eventos culturais, nomeadamente os capazes de receberem eventos de dimensão
internacional.
A
globalização trouxe consigo também, como muitos sociólogos têm referido, o
despertar de impulsos subterrâneos, conduzindo ao aparecimento de uma
multiplicidade de racionalidades locais, éticas, religiosas ou sexuais. Este
fenómeno foi acompanhado pela crise do Estado como sistema regulador e
representativo de uma dada comunidade. Entre as causas desta crise tem sido
apontado o desenvolvimento de uma cultura que privilegiou o individualismo ou o
império do particular enaltecido pela
modernidade, mas também, reclamada pelos novos mecanismos de exploração
capitalista. O Estado deixa de ser encarado como uma referência colectiva, para
ser visto como uma estrutura político-burocrática desligada da esfera de
interesses dos indivíduos que procuram agora, novas referências em termos de pretensas
e de sentido.
No
caso português, nos anos 80, em concomitância com o refluxo dos movimentos
populares, assistiu-se também ao abandono das associações políticas e
sindicais, revelando o crescente alheamento da vida pública como se encontra
estruturada. Paralelamente, e em contraponto, emerge com grande visibilidade pública,
manifestações em prol da autonomia local, mas também de uma cultura popular
de matriz provinciana, cujos valores estão em nítida oposição à imagem da
cultura portuguesa que o Estado procura afirmar internacionalmente. É curioso
constatar que quando mais se reduzia o desfasamento entre os artistas
portugueses e os seus congéneres estrangeiros, mais a cultura “Pimba” se
afirmava.
Neste
contexto, se para o poder a cultura popular se tornou uma questão irrelevante,
o mesmo estava longe de ser verdade para a população, aderindo em massa às
suas manifestações mais rurais e brejeiras, numa nítida contraposição à
cultura dominante.
Carlos Fontes
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