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A análise da prática das
organizações públicas tem mostrado que, não se pode separar nas mesmas a política,
a sua cultura organizacional e as patologias dos seus dirigentes. O Ministério
da Cultura (MC) merece neste capítulo uma atenção especial, sobretudo para os
próximos capítulos que se anunciam.
Desde que foi criado, em Outubro
de 1995, vive numa permanente bicéfalia não assumida, revelando agora outras
manifestações psico-sociológicas. Manuel Maria Carrilho, o filósofo em funções
de ministro, vem revelando ansias desmesuradas de protagonismo político, como
foi notório durante a visita de Jorge Sampaio ao Parque Arqueológico do Coa. É
caso para perguntar- o que faz correr Carrilho?
Não lhe é conhecido, até
finais de 1995, qualquer percurso político relevante. Dos seus poucos actos públicos
regista-se apenas a participação na reforma dos programas de Filosofia, em
1990, pela mão de Fraústo da Silva. Face aos protestos que gerou quase de
imediato o Ministério da Educação a abandonou. No ano seguinte, num lugar
subalterno nas listas do PS, foi ainda candidato a deputado, mas o PS obteve então
dos seus piores resultados eleitorais de sempre. Talvez por tudo isto, não seja
agora de estranhar que, após ter sido nomeado Ministro, se tenha envolvido,
como ninguém no Governo, na publicitação das suas ideias e convicções políticas
de esquerda. A sua actividade mais notória tem consistido na denúncia da
pesada herança legada pelo cavaquismo, pondo em destaque a fragilidade das
estruturas culturais e a má gestão que era prosseguida. Onde, contudo, se
sente visivelmente mais á vontade é nos ataques à oposição roçando o
insulto pessoal.
Este desejo profundo de afirmação
na cena pública, tem-no levado a concentrar na sua pessoa, ou num grupo
restrito de assessores e dirigentes subalternos, áreas definidas como estratégicas
pelo Governo.
Ainda só passaram 20 meses de
governo, mas os sinais desta simbiose são já evidentes, em diversas áreas da
cultura, como a do Direito de Autor e a dos Audiovisuais. Se a não tivermos em
conta, os resultados da actual política cultural são algo bizarros, senão
incompreensivos.
Direito de Autor
A tutela do Direito de Autor,
até 18 de Março de 1997, estava concentrada na Direcção-Geral dos Espectáculos (DGESP),
herdeira da antiga Direcção-Geral dos Espectáculos e Direito de Autor. A política
de Carrilho consistiu não apenas em a extinguir, mas em desmembrar, nesta área,
as suas funções.
Para reforçar o controlo da
mesma centralizou tudo numa única pessoa. O eleito é o único dirigente
previsto na lei orgânica que criou o Gabinete de Direito de Autor (Dec-Lei ,
57/97, 18 de Março). Todos os restantes funcionários deste serviço são
afectados pontualmente em regime de requisição ou destacamento. No limite,
quando este dirigente fôr de férias, este serviço público encerra as portas.
Por incrível que pareça, compete
ao mesmo entre outras, as tarefas de conceber, estudar e acompanhar as medidas
legislativas a adoptar em termos de Direito de Autor e direitos conexos, para além
da representação de Portugal nas instâncias nacionais e internacionais (UE,UNESCO,
OMPI, etc).
Criou também um Conselho de
Direito de Autor, regulamentado pelo citado diploma, mas atribuiu a este funções
meramente consultivas no Ministério.
Na Inspecção-Geral de
Actividades Culturais que sucedeu à DGESP, a 8 de Abril de 1997, ficaram numa
forma desarticulada, o registo de obras literárias e artísticas, as licenças
de representação, a autenticação de fonogramas, a legalização de
videogramas, e em breve, a fiscalização da aplicação das taxas compensatórias
da cópia privada.
A este conglomerado, sob a
coordenação do próprio Ministro juntar-se-á a prazo, uma sociedade para
distribuir as taxas arrecadadas pelos os autores, interpretes e produtores. Se
pensarmos no valor estratégico que este governo atribuiu a esta área,
nomeadamente nas medidas apontadas no Livro Verde para a Sociedade de Informação,
somos levados a concluir que, ou as medidas contidas no mesmo não passam de
simples propaganda, ou qualquer coisa de estranho se passa no meio disto tudo.
Face a este descalabro, tem vindo
a tomar algumas medidas visando ganhar apoios, sobretudo no meio dos autores. A
mais importante foi sem dúvida, a tentativa de aprovar o diploma que passará a
regular a aplicação de taxas sobre a cópia privada, em detrimento da há
muito reclamada, regulamentação das sociedades de gestão de propriedade
intelectual. A principal beneficiária destas operações acaba por ser a
Sociedade Portuguesa de Autores(SPA), sobre a qual o Estado se demite de
qualquer fiscalização, mas não como seu fiscal privativo. Com esta medida
angariou uma ilusória base de apoio clientelar sem resolver nenhum problema de
fundo.
Audiovisual
A forma como encarou o audiovisual
revela a mesma matriz de actuação. Também aqui já começou a pulverizar tudo
o que encontra, sendo no entanto mais notória, para a opinião pública, a ausência
de uma estratégia.
Sem forças para enfrentar os
"lobbies" do Partido na área da comunicação social, nomeadamente o
grupo de Arons de Carvalho, concentrou a sua acção no multimédia, até pelos
efeitos mediáticos que este tema desperta. Ao fazê-lo, na definição da lei
orgânica do Ministério deixou de fora os meios de comunicação social,
nomeadamente a televisão que assume hoje um papel central para qualquer estratégia
no sector audiovisual. Adiou apenas a questão.
A sua aposta, centrou-se no
desenvolvimento da industria multimédia em Portugal. Para o efeito, em Dezembro
de 1996, nomeia um seu assessor - José Costa Ramos - como coordenador da
Iniciativa Mosaico, a quem cabe esta magna missão. A primeira tarefa consistiu
no lançamento de um estudo que seria realizado pelos diversos organismos do MC,
sobre o impacto das tecnologias de informação e comunicação em cada sector.
Os resultados nunca apareceram. Com evidentes propósitos mediáticos é
anunciado, pouco depois, a celebração de um acordo com as empresas para a
produção de produtos multimédia, mas os resultados desta operação nunca
foram revelados. Algumas acções tem sido contudo, mais frutíferas, como a criação
na Internet de um "site" do MC e do projecto "Terravista",
lançado quando Guterres visitou Cabo Verde (Fevereiro de 1997). Ultimamente,
destaca-se a criação de um Fundo Público de Capital de Risco para as empresas
multimédia (Abril), e a abertura nos monumentos e museus nacionais de
"lojas" de CD-Roms que se encontram à venda em qualquer hipermercado!
Para financiar estes e outros
projectos, esta estrutura informal - a Iniciativa Mosaico-, é dotada com verbas
que atingem cerca 1 milhão de contos até 1999!
Só que na área do audiovisual,
parece que houve muita gente que esperava mais do que o prometido diálogo. As
iniciativas entretanto lançadas pelo MC, acabaram também por aumentar, ainda
mais, a confusão instalada.
Na Tóbis, as coisas
precipitaram-se. José Fonseca e Costa atreveu-se a criticar o IPACA e a política
prosseguida no audiovisual. Fê-lo por duas vezes de forma contundente, em Abril
e Dezembro de 1996. Carrilho, leu e não gostou. Em Abril de 1997 demite-o,
nomeando o seu assessor José Costa Ramos para chefiar a equipa que irá estudar
a reestruturação da Tóbis. Entretanto, como é habitual, começou a denúncia
da gestão ruinosa que vinha sendo prosseguida.
Fartos de esperarem, eis que
surge em Maio de 1997 a denominada Plataforma para a Criação de uma Industria
Audiovisual, reunindo 11 associações do sector. Em Junho colocam ao
Primeiro-Ministro a questão da ausência de uma estratégia nacional para o
sector, assim como a pulverização de entidades públicas que o tutelam sem
qualquer coordenação. Face aos protestos, legitimados pelas próprias pelas
medidas consignadas no Programa de Governo é aprovada a criação de uma Comissão
Inter-ministerial para o Audiovisual, Cinema e Telecomunicações. Cabe ao MC a
condução do processo. Carrilho chama de novo José Costa Ramos para coordenar
a dita Comissão. Dadas as implicações do que agora está em jogo, as medidas
que no MC vinham sendo tomadas começam a ser suspensas, nomeadamente a nova lei
do cinema, para já não falar da recente lei orgânica do IPACA que pode
sofrer, no final de tudo, uma nova alteração.
No IPACA, torna-se cada
vez mais evidente o vazio de objectivos. A sua acção tem-se centrado na denúncia
da gestão anterior, sem todavia, entretanto haver sinais de qualquer melhoria
na eficiência dos serviços. Tudo parece continuar com os mesmos problemas crónicos,
mudando apenas o discurso.
Em qualquer dos casos, para quem
denunciou o centralismo e a fragilidade das estruturas herdadas, caminha a
passos largos para deixar pior tudo o que encontrou.
97.6.14
Carlos Fontes
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