O Dilema de Alice

 

Habituamo-nos a pensar, desde Platão que, a política é por excelência o domínio das ideias, onde estas funcionam como referências colectivas que orientam a construção e o funcionamento das organizações públicas. A teoria política acaba de ser enriquecida com inovadores contributos. As organizações do Estado português, são agora definidas numa sucessão acções pontuais, sem que exista uma ideia prévia do que se pretende fazer.

Rui Vieira Nery, o co-autor desta inovadora teoria, é o nosso empírico-insatisfeito Secretário de Estado da Cultura. Este técnico de musicologia em funções de político, desde Outubro de 1995, que têm a seu cargo, a denominada área das artes, com excepção das artes plásticas e da fotografia que ficaram na dependência de Manuel Maria Carrilho, o Ministro.

Para nos situarmos no cerne da questão, convém esclarecer o contexto onde é aplicada e sobretudo, alguns dos seus resultados, ainda que provisórios.

Constituem eixos programáticos da política cultural do actual governo, no campo das artes a reestruturação das entidades públicas que as tutelam. Nos últimos cinco anos, contam-se já 15 reestruturações, com idênticos propósitos. A média de vida de algumas leis orgânicas, não ultrapassa os 16 meses!

Vezes sem conta, a reestruturação da produção cultural do Ministério tem sido anunciado que há-de começar pela autonomização do Teatro Nacional de S. João (TNSJ), Teatro Nacional D. Maria II(TNDMII), Companhia Nacional de Bailado(CNB), Teatro S. Carlos(TNSC) incluindo a Orquestra Sinfónica Portuguesa(OSP), terminando na Orquestra Clássica do Porto.

Ao fim de 20 meses de adiamentos sucessivos, em fins de Junho, espera-se aprovar as primeiras leis orgânicas, sobre as restantes, depois se verá.

Entretanto, no funcionamento interno destes organismos, assistesse ao recrudesceder cíclico dos velhos problemas, sem que nada os pareça ter alterado

O TNDMII, a julgar pelos recentes protestos internos e as manobras para afastar Carlos Avillez, aproximou-se da dimensão esquizóide há anos apontada por Agustina Bessa Luis e Ricardo Pais para o caracterizar. Apesar de uma mais eficaz promoção, o público continua a diminuir.

O TNSC está melhor, sobretudo depois do aumento de remunerações do Coro (acima dos 10%) e da promessa de tornar funcionários públicos os músicos da OSP. A ideia de uma companhia de ópera residente foi abandonada, em favor da aquisição ou montagem pontual de óperas e récitas. O elitismo voltou a ser consagrado. Para rentabilizar os crescentes custos fixos, realizem-se ou não espectáculos, aguarda-se também que seja reposto um orçamento idêntico ao que o TNSC teve antes de 1992.

Na Orquestra Clássica do Porto, rebatizada de Nacional, os músicos com estatuto precário, queixaram-se ainda há pouco de não haver dinheiro para lhes pagar. E já se fala em transformá-la, numa orquestra sinfónica! Isto apesar de não se resolver uma questão de fundo, que é a inexistência uma sala adequada para as suas actuações.

A honra do convento, salva-a e bem, Ricardo Pais no TNSJ, com o apoio empenhado do Ministro.

Veremos se depois da autonomização destes organismos, os crónicos problemas estruturais se mantém.

Para o apoio à música, teatro e dança independentes, foi anunciada a criação do Instituto Português das Artes dos Espectáculo(IPAE), o que implicará a extinção do Instituto Português das Artes Cénicas, do Instituto Português do Bailado e da Dança, assim como a desagregação de parte da Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC) e da Fundação de S. Carlos, sendo esta extinta.

Para estudar e elaborar a sua lei orgânica foi nomeada uma comissão instaladora, em fins de 1995, que desde logo assumiu a incumbência da distribuição de subsídios nesta área, apesar de ter outra finalidade.

Após 20 meses à excepção da IGAC, criada a 8 de Abril, as restantes entidades, desde 1995 que aguardam a sua anunciada extinção, numa total ausência de objectivos e completa desmotivação dos seus funcionários.

No dia memorável de 6 de Junho de 1997, no jornal Público, Rui Vieira Nery, surge a clarificar a situação há muito confusa, enunciando a aplicação de um novo principio político: a lei orgânica do IPAE ainda não foi aprovada, porque a mesma resultará do que sobrar das outras reestruturações!

Apetece perguntar o que tem andado a fazer durante este tempo as comissões instaladoras do IPAE, dado que foram nomeadas para elaborar a mencionada Lei.

Assumindo como existente um organismos que não passa de uma Comissão Instaladora, numa lógica de efeitos mediáticos, não se coibiu todavia de ir extraindo ao IPAE rebentos e lançando outros para o limbo. Seis exemplos, ilustram esta forma particular de gestão pública.

Criou-se em fins de Abril o primeiro Centro das Artes do Espectáculo, em Évora, onde é encenador Mário Barradas, o actual presidente da Comissão Instaladora do IPAE. Será o primeiro, de uma série de outros, que surgirão de acordo com as disponibilidades financeiras do Ministério e eventualmente desaparecerão com elas. Fica por esclarecer se estamos perante mais uma tentativa de reeditar os "Centros Culturais", iniciados em 1975, ou se é apenas mais expediente para aumentar o financiamento do CENDREV?

O Observatório dos Espectáculos que o IPAE herdou da ex-Direcção-Geral dos Espectáculos (DGESP), destinava-se à análise das tendências no mundo dos espectáculos. Possui verbas inscritas no PIDDAC até 1998, tem-nas gasto, mas da sua actividade não existem sinais.

O Projecto Palcos, que o IPAE herdou de Coimbra Capital da Cultural, destina-se a fazer o levantamento dos recintos para espectáculos do país, como se os mesmos fossem desconhecidos do próprio Ministério, que tinha até 1996 a incumbência pelo seu licenciamento. O Projecto, seja como for, possui verbas do PIDDAC até 1998. Tem-nas gasto, mas os resultados do dito levantamento, talvez nem em 1999 surjam à luz do dia. Entretanto, uma equipa estuda há mais de um ano o que irá fazer.

A divulgação cultural, que o IPAE herdou da ex-DGESP, tem-se praticamente limitado a comemorar os dias mundiais do teatro, da criança, da dança, em breve da música. A ausência de qualquer política de informação e divulgação cultural é comum a todo o Ministério

O Projecto de Itinerância no qual assentava, desde 1986, a política de descentralização cultural em colaboração com as autarquias foi, em 1996, suspenso. Contudo, as verbas inscritas no Orçamento, continuaram a ser aplicadas ao sabor das necessidades do momento.

Nos apoios á adaptação e remodelação de recintos culturais que o IPAE também herdou da ex-DGESP, durante 1997 serão distribuídos sob a forma de subsídios cerca de 1,3 milhões de contos. Foi publicada uma Portaria que define os novos critérios para a distribuição de dinheiro. O que continua a não existir é uma política para os recintos culturais no país que, evite que muitos deles após terem sido apoiados sejam transformados ou demolidos para outras finalidades.

Para gáudio de todos, nesta área pode firmar-se que os subsídios aumentaram, mas os resultados, esses parecem estar a diminuir. Em 1996, por exemplo, o teatro profissional, apesar ter tido um aumento nos subsídios de mais de 100 mil contos, diminuiu mais de 100 mil o número de espectadores. Talvez, o problema não esteja no simples aumento dos subsídios, seja de outra natureza. Mas essa é outra história.

Como não sabe onde quer ir, Rui Vieira Nery, debate-se com o problema de Alice, qualquer caminho lhe convém, dado que não escolheu nenhum.

97.6.14

Carlos Fontes


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