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Na
complexa situação política entre
1974 e 1979, a preponderância dos militares
na sociedade portuguesa surge como uma referência incontornável. Com ou
contra eles, apoiando uma ou outra das suas facções, se posicionavam as
diversas forças políticas.
Ora, a facção preponderante no MFA, a partir de
Setembro de 1974, assume como objectivo político a criação de uma sociedade
socialista, de inspiração marxista. Nesta, a cultura popular, numa visão
essencialmente basista, é encarada não apenas a expressão da identidade
nacional, mas sobretudo como um factor de mobilização do povo para os novos
desígnios que lhe eram traçados. A animação
cultural, sob a forma de “campanhas” procura não apenas promover a
alfabetização, mas também o esclarecimento político e a dinamização da
cultura popular como instrumento de mobilização.
A
criação
da Secretaria de Estado da Cultura (SEC), em 1975,
no âmbito do recém criado Ministério
da Comunicação Social, representou o ponto alto desta mobilização ideológica,
ao criar-se um organismo público com funções de coordenação da política
cultural numa sociedade em transição para o socialismo. Era urgente não
apenas mudar as mentalidades, mas dinamizar o país para os grandes desígnios
da Revolução em curso. Ela surge da junção de dois organismos com
duas tradições administrativas muito diversas:
A Secretaria de Estado dos Assuntos
Culturais e Investigação Científica. Criada em 19 de Agosto de 1974 foi
substituída em Dezembro de 1974, pela Secretaria de Estado da Cultura e da
Educação Permanente, ambas no âmbito do Ministério da Educação Nacional.
Representava a vertente patrimonial e erudita da área da cultura.
A
Direcção-Geral da Cultura Popular e
Espectáculos da SEIT. Criada em 1968, na sequência das reformas
marcelistas, tinha a seu cargo o
licenciamento e fiscalização dos recintos de espectáculos e de divertimento público,
a censura, classificação e autorização dos espectáculos (os célebres ”Vistos”),
os espectáculos tauromáquicos, o apoio à cultura popular (bandas de música,
ranchos folclóricos, etc).
A
estrutura criada em Agosto de 1975 era demasiado elementar, limitando-se às
seguintes unidades orgânicas: Comissão Interministerial da Cultura; Gabinete
de Programação Cultural; Comissão de Classificação Etária dos Espectáculos;
Direcção-Geral de Acção Cultural DGAC);Direcção-Geral de Espectáculos(DGE);
Direcção-Geral do Património Cultural(DGPC); A entidade que maior influência
tinha era sem dúvida a DGAC, nomeadamente pelos apoios financeiros que concedia
e pelas acções que promovia nos sectores mais estreitamente associados às facções
mais radicalizadas do MFA.
Internamente,
a SEC vivia, como todo o país, numa enorme indefinição institucional,
sobretudo devido à presença no seio de grupos políticos muito radicalizados,
com fortes apoios externos. O mais pequeno acontecimento era logo motivo de
manifestações pró ou contra numa comunicação social igualmente
partidarizada. Procurando reforçar os mecanismos de controlo, em Setembro de
1976, passa para a dependência do Conselho de Ministros. Entretanto vai
assumindo novas atribuições, assim como novos meios, facto que aumenta a
turbulência interna. Com a extinção da Junta Nacional de Educação em
Fevereiro de 1977 são-lhe transferidas para a algumas das suas secções. Uma
reforma importante ocorre em Agosto deste ano, quando é finalmente publicada da
sua lei orgânica. As indecisões persistem quanto à sua integração na
estrutura governativa. Após ser reconfirmada a sua dependência da Presidência
do Conselho de Ministros, passa
pouco depois para o âmbito do Ministério da Educação e Cultura, vindo em
1979 a integrar o extinto Ministério da Cultura e Ciência Nesta fase,
procurou-se conferir-lhe uma estrutura orgânica pautada por modelos
internacionais.
A
criação da SEC, em 1975, continuou
a assumir a política cultural, como um instrumento ao serviço do poder,
retomando muitos temas queridos da “Política do Espírito” de António
Ferro. As políticas que foram
pontualmente assumidas e publicitadas pelos seus dirigentes, frequentemente não
passam de mera retórica, sem qualquer correspondência com aquilo que acontecia
na realidade. Os discursos de natureza populista, não tinham em regra,
qualquer relação nem com os seus feitos, nem com a realidade, variando
conforme o auditório. As decisões tomadas nos vários organismos, resultavam,
na maioria das vezes, de uma
sucessão de conflitos e compromissos internos e externos, onde a pressão
da comunicação social desempenhava um papel relevante de mobilização dos
diversos actores. Haverá neste aspecto que relativizar a importância das decisões
dos dirigentes neste período: Maria de Lurdes Belchior (1974), João Freitas
Branco (1974/75), David Mourão Ferreira (1975-77), António Reis (1978), e os
secretários de estado dos governos de iniciativa presidencial, Maria Teresa Dória
Santa Clara Gomes (1978), David Mourão Ferreira (1978/79) e Helder Macedo
(1979).
Atendendo
ao carácter simultaneamente instrumental e popular desta política, não é
pois
uma mera coincidência que se tenha procurado re-animar em Belém, os espaços míticos
dos anos quarenta da política protagonizada por António Ferro e os seus mais
directos sucessores: o Museu de Arte
Popular, o Mercado da Primavera (então
denominado Mercado do Povo) e a Galeria
de Arte Moderna. .Muitos artistas fazem então profissão de fé por uma
arte ao serviço do Povo e para o Povo. Embora o entendimento destes conceitos
estivesse longe de ser consensual.
A
acção política mais marcante da SEC, resumia-se em grande parte em conceder
substanciais apoios aos artistas ao serviço do povo, aos centros
culturais regionais e a associações culturais locais, a ranchos folclóricos,
bandas de música, grupos de teatro amador ou “independentes”, mas também,
a diversas iniciativas como festivais, exposições e outros, que estavam
envolvidas em acções de mobilização das populações para a Revolução em
curso.
Apesar
desta vertente populista, seria um grosseiro erro pensar que toda a cultura em
Portugal estava à mesma confinada.
Pelo contrário, num país aberto como nunca ao
mundo e o que nele se passava se reflectia no panorama internacional,
pulularam também múltiplos movimentos de renovação em todos os domínios
culturais.
Malgrado
todas as mudanças, os grandes problemas de fundo da sociedade portuguesa
mantinham-se. O atraso económico, as crónicas carências de recursos,
agravados com o regresso de centenas de milhares de “retornados”, e os
bloqueios externos à emigração, uma inflação e desemprego galopantes,
voltam de novo a recolocar a questão da modernização. A única saída que reúne
um crescente consenso é a da
integração na CEE.
No
final dos anos setenta, a cultura popular é cada vez mais identificada com o
passado. O discurso da modernidade é o único que passa a seduzir as camadas
mais jovens.
Carlos Fontes
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