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Comissão
de Exame da Literatura e Espectáculos
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Televisão
| Fundação Calouste Gulbenkian
A saída de António Ferro do SNI, em 1949, marca
o fim de um ciclo de vida do regime. A excessiva centralização do Estado em
algumas figuras foi-se tornando um bloqueio para o próprio sistema. A
complexidade dos problemas que o Estado passou a enfrentar, levaram Salazar a
reforçar os mecanismos de preparação das próprias decisões. Em 1950, é
criado o cargo de Ministro de Presidência para o coadjuvar na coordenação
interministerial e no despacho dos serviços administrativos, tendo a seu cargo,
o SNI. Este facto aparentemente insignificante altera a lógica interna deste
aparelho de Estado. As figuras públicas que o dirigem superiormente deixam de
coincidir com as que possuem visibilidade pública. O cinzentismo domina agora a
política cultural. O primeiro a ocupar o cargo foi João Lumbrales, que pouco
intervém no SNI. O mesmo não acontecerá quando Marcelo Caetano que assumirá
o cargo em 1955, procurando logo introduzir profundas mudanças neste organismo.
António Eça de Queiróz, desde 1950,
desempenha o cargo de director interino do SNI, limitando-se a prosseguir a obra
de Ferro. Durante o seu mandato é institucionalizado o apoio do Estado ao
Teatro, com base no modelo aberto pelo Fundo de Cinema Nacional (1948). Pouco
tempo depois, a 1 de Março de 1951, é substituído por José Manuel da
Costa. Tratava-se de um funcionário de carreira, o qual mais uma vez se
limita a gerir a situação encontrada, concentrando as suas energias na
melhoria da eficiência do sistema censório. Surgem então duas destas
iniciativas. A primeira foi a criação da Comissão de Exame da
Literatura e Espectáculos para Menores, em 1952, satisfazendo uma exigência
há muito reclamada por sectores
católicos, nomeadamente pelo Padre Moreira das Neves que a integrará, desde o
início, como representante da Igreja Católica. Por insistência dos membros
desta Comissão, em 1956, será publicado a Dec-Lei 40.572, de 16.4.56, que
criou a Federação Portuguesa dos Cineclubes, completada no ano seguinte com o
Dec. 41.062 que restringia a circulação de filmes em formato reduzido (16 mm e
8 mm), cabendo ao SNI a incumbência da inspecção e fiscalização dos
cineclubes. A segunda medida relevante foi a integração no SNI das Casas de
Portugal, que logo as transformou em tentáculos da sua acção no estrangeiro.
Em 1953, o SNI promove na Feira Popular de Lisboa
talvez a maior exposição sobre a obra do regime, com excepção da Exposição
do Mundo Português (1940). No Pavilhão do Estado, o maior que alguma vez foi
na mesma construído, organiza-se uma "Exposição -Documentário sobre os
XXV Anos no Governo da Nação" de Salazar, que constituíu o ponto alto
destas comemorações.
Paralelamente, assinale-se, por tudo o que
significou, a iniciativa do ministro das Obras Públicas, Arantes e Oliveira, em
ter lançado um levantamento da cultura popular do país. Em Outubro de 1955,
publica um Dec-Lei, no qual, em colaboração com o Sindicato Nacional dos
Arquitectos e o impulso entusiasta de Keil do Amaral, manda proceder à realização
de uma vastíssimo Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa no continente.
Eduardo Brazão sucedeu a José Manuel a 6
de Fevereiro de 1956, sendo mais explícito quantas às novas orientações a
seguir pelo SNI, por influência directa de Marcelo Caetano. A preocupação foi
agora a de renovar a equipa que estava à frente dos serviços de censura,
dominada desde o início da ditadura por militares.
O desenvolvimento dos movimentos de descolonização
são uma ameaça que o regime não pode ignorar. Goa, Damão e Diu são
reclamados pela União Indiana. Os territórios em África começam a ser
questionados. Neste sentido, o SNI reforça a sua componente de propaganda da
política do regime. A produção editorial é incrementada.
Em 1957 começam as
emissões regulares de Televisão, o novo meio comunicação onde o regime
aposta em força na ocupação dos tempos livres da população.
A importância económica do turismo torna-se um
facto incontornável, sobretudo devido às divisas que gerava, numa altura que
elas são cruciais para sustentar os grandes investimentos públicos em
infra-estruturas. É então criado o Fundo de Turismo (1953) que ainda hoje se
mantém.
A matriz da política cultural de António Ferro
que assentava na difusão da cultural popular como reencontro dos portugueses
com a sua identidade cultural e que tinha nas manifestações rurais a sua máxima
autenticidade, é subtilmente abandonada. A nova de política cultural que
emerge inspira-se na preconizada em França por André Malraux. Passa a competir
ao Estado a popularização da cultura erudita (a sua democratização)
difundindo-a sobretudo entre as camadas urbanas. As temáticas rurais são
secundarizadas em favor de outras mais próximas do imaginário de populações
urbanizadas. Significativamente, o Teatro do Povo é substituído pela Companhia
Nacional de Teatro Popular, que passa a representar peças mais
"eruditas" numa tentativa de captar públicos mais "cultos",
mas também a resposta ao número crescente de críticos da "cultura
popular" fabricada por este organismo. Tendência que se irá acentuar no
período seguinte.
O contexto em que o Estado apoiava ou intervinha
na cultura, a partir de 1957, mudou de forma radical. O SNI deixou de ser o
principal organismo a que os artistas recorriam ou esperavam incentivos.
Ao seu lado surge agora a Fundação
Calouste Gulbenkian, com meios económicos muitissimo mais abundantes,
e orientada para a promoção de uma cultura cosmopolita.
As iniciativas culturais promovidas pelo SNI,
como os seus prémios, passam a ser marcadas por uma crescente imagem de
decrepitude e reaccionarismo, o que se tornará pouco atractivo para a projecção
dos mais inovadores artistas e intelectuais portugueses.
Carlos Fontes
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