1. Uma das acusações mais
frequentes à Lei Orgânica do IPPAR, em 1997 (Dec.-Lei 120/97, de 16 de Maio)
foi a do seu pretenso "gigantismo", apesar das suas novas funções serem
mais limitadas do que as consignadas em legislação anterior.
Ao longo das polémicas que envolveram a sua
formulação da nova Lei, surgirem críticas de vários quadrantes, sobretudo de competências
que o IPPAR estaria a usurpar:
- O Instituto Português de
Arqueologia (IPA), queixou-se que o mesmo interferia nas escavações, na gestão
dos sítios arqueológicos, etc. A sua recente Lei Orgânica reflecte esta
ambiguidade na delimitação das competências
- O Instituto Português dos
Museus, há muito que tinha guerras surdas com o IPPAR. Em alguns museus, os
funcionários pertencem ao IPPAR, mas trabalhavam para o IPM. A nova Lei Orgânica
não veio alterar esta confusa situação.
- A Direcção -Geral dos
Monumentos e Edifícios Nacionais, manteve um longo braço de ferro, durante a
elaboração desta Lei, para ficar com os monumentos classificados. A solução
de compromisso encontrada, está longe de ser pacífica.
Porquê esta ânsia de ficar
com tudo, quem frequentemente era acusado de não ter capacidade de resposta
para gerir o património que lhe estava confiado?
A questão da expansão do
Ministério da Cultura na área do património não esclarece tudo. Haverá
que ter em conta também a história mais recente deste organismo. Há muito
que nele se assiste a continuas amputações nas suas funções.
2. Com o 25 de Abril de 1974, o
património foi talvez a área que mais cresceu na cultura, pelo menos foi a
que constituiu um corpo autónomo mais sólido. As restantes já existiam
desde os anos trinta, sem grandes mudanças de fundo.
A Direcção-Geral dos Assuntos
Culturais, criada no âmbito do Ministério da Educação Nacional, em 1971,
foi a sua grande matriz. A lei-organica estabelecida pelo Dec-Lei 582/73, de 5
de Novembro, largou no papel, não na prática, a sua esfera de competências.
A área do Património, concentrava-se quase numa única Divisão, a Divisão
do Património Cultural.
Depois de Abril, surgiu a Direcção-Geral
do Património Cultural. A extinção da Junta de Educação Nacional,
trouxe-lhe também novas competências em matéria de salvaguarda de
bibliotecas (?), arquivos (?) e museus (?).
Até 1980 começou iniciou-se a
sua fase heróica de absorção de competências e monumentos: arquivos,
bibliotecas, museus, academias, arqueologia, etnologias, monumentos e palácios
nacionais, arquivos fotográficos, conservação e restauro, galerias de arte
moderna, artes plásticas, tudo o que cabia no quadro do património era da
sua alçada.
3. A criação do Instituto
Português de Património Cultural (Dec-Lei 34/80, de 2 de Agosto), foi a
consagração desta orientação. Mas não tardou que se inicia-se também a
fase das amputações, nas áreas das bibliotecas, arquivos, museus,
fotografia, artes plásticas, arqueologia, num ritmo que se tem vindo a
acelerar:
- A Biblioteca Nacional,
autonomizou-se logo em 1980
- A Torre do Tombo em 1985
- A Biblioteca Geral, o Arquivo
e Museu de Arte Sacra da Universidade de Coimbra, todos se separaram em 1986,
para se integrarem Ministério da Educação.
- Os arquivos foram integrados
no Instituto Português de Arquivos em 1988
- As atribuições e competências
em matéria de salvaguarda do património bibliográfico em 1988.
4. Face a um quadro legal já
desajustado da realidade, em 1990 foi sujeito a uma nova restruturação (Dec-Lei
216/90, de 3 de Junho). Passado pouco tempo, o IPC sofre novas amputações:
- No ano seguinte, com a criação
do Instituto Português de Museus (IPM), são-lhe retirados os museus.
- O Arquivo Nacional de
Fotografia saiu também para o IPM em 1991.
- O Instituto José de
Figueiredo saiu igualmente para o IPM em 1991.
5. Face às mudanças
entretanto ocorridas, o IPC transforma-se no Instituto Português do Património
Arquitectónico e Arqueológico - IPPAR (Dec-Lei 106-F/92, de 1 de Junho). Dois
anos depois, nova reestruturação (Dec-Lei 316/94, de 24 d Dezembro), de modo
a poder incorporar a valência de "restauro" de "bens imóveis",
passando ater sob a sua alçada o Instituto José de Figueiredo (?).
6. A última restruturação,
em 1997, deu-lhe mais uns cortes, para além da arqueologia que passou para o
IPA, ficou sem a Escola Superior de Restauro e o apoio administrativo às
Academias(?).
Outras áreas, como a realização
de exposições estão paulatinamente a ser desagregadas. As exposições de
artes plásticas ficaram reduzidas às organizadas na Galeria D. Luis, no Palácio
da Ajuda. Entre 1988 e 1995, sob a direcção de Mafalda Santos, tiveram ainda
o seu canto de cisne, depois de 1996 foram simplesmente abandonadas.
Para a sua sobrevivência, os
funcionários do IPPAR só podem agora bater-se, por aumentar as suas áreas
de controlo, através da integração de novos monumentos e sítios
classificados. Olhando para trás já pouco resta do antigo IPC, por onde
passava quase tudo em termos de património, embora com resultados sempre aquém
das e expectativas.
7. Todos parecem estar de
acordo num ponto: o IPPAR é melhor a classificar, do que a preservar ou a
promover o que classificou.
Que faz o IPPAR aos cerca de de
3.000 monumentos e sítios classificados? Á excepção dos cerca de 700
monumentos nacionais, muito pouco. Mesmo nestes, são constantes as críticas
ao seu abandono por todo o país.
A preservação é feita, em
regra depois de uma forte pressão da opinião pública, quando os monumentos
ameaçam já a ruína.
Em termos de divulgação, não
existe qualquer programa minimamente estruturado. A maioria dos monumentos
nacionais não está sequer assinalada. Não existem placas que o
identifiquem, publicações que elucidem os visitantes. Os programas de animação
são uma raridade.
A articulação com itinerários
turísticos ou com as escolas, ainda não passaram da sua fase pioneira e da
carolice.
Ora, é aqui que o IPPAR,
continua a falhar. Com a classificação sucedem-se as expectativas de
intervenções concretas para preservar os monumentos ou sítios
classificados. Passada a fase do registo e identificação no cadastro,
sucede-se, regra geral, o abandono.
Nesta perspectiva, as críticas
aumentam e em novas restruturações, sucedem-se as amputações, na procura
de uma gestão mais eficiente para o património. Os próximos a sair, será
provavelmente os palácios e outros monumentos mais concorridos do país.
Apesar das iniciativas que alguns relevam, fruto em grande parte dos seus
responsáveis directos, a estrutura do IPPAR revela-se incapaz de estabelecer
um programa coerente de animação e valorização patrimonial.
O problema, talvez seja de
outra natureza, isto é, passe pelo tipo de gestão que é prosseguida
totalmente desadequada da dimensão que estes organismos atingiram e das
expectativas que o património que lhes está confiado suscita.
A nova lei orgânica ao acabar
com o conselho consultivo do património (?), veio aumentar as dúvidas sobre
o que sobre a trajectória que irá ser prosseguida.
Carlos Fontes
97.6.29 |