1. Num país cujo analfabetismo atingia, ainda em 1991,
cerca de 1,505 milhões de portugueses (15,3%), os índices de leitura são
forçosamente muito baixos. Não admira as frequentes referências há ausência
de livros nos lares, o que muitos atribuem a razões culturais e outros
aos baixos rendimentos familiares. Ultimamente aponta-se a exiguidade da
maioria dos espaços de habitação que não permitem que os jovens tenham
condições mínimas para passarem os tempos livres na leitura, em casa, sós
ou em grupo. Nas escolas as bibliotecas são, em geral, espaços
desprezados. O regime de funcionamento por turnos, ao deixar os alunos
grande parte do tempo fora delas, acaba também por concorrer para os
desincentivar desta prática.
Para este panorama, que nos coloca na cauda da Europa
em matéria de hábitos de leitura, contribuiu de forma decisiva desde a década
de setenta, o fascínio pela televisão.
Os problemas de resistência à leitura percorrem todo
o século XIX em Portugal. As políticas culturais desde os anos trinta,
dificilmente puderam ser desligadas dos problemas educativos. A célebre
"política do espírito" dirigida por António Ferro, entre 1933
e 1949, não deixou considerar a promoção do livro como uma das suas
vertentes.
2. Depois do 25 de Abril de 1974, a omnipresente questão
da integração dos organismos da "cultura" na "educação"
traduz a mesma atitude. Foi então das raras questões onde o consenso era
alargado sobre a necessidade de se institucionalizar a promoção do
livro.
A Direcção-Geral do Património e a Direcção-Geral
de Acção Cultural, ambas criadas em Agosto de 1975 (Dec-Lei 409/75, de 2
de Agosto) cordenaram até 1980, esta embrionária politica do livro política.
As suas acções concretas reduziram-se à atribuição de subsídios e
divulgação dos grandes vultos da nossa cultura.
Em 1980, sucedeu-lhes o Instituto Português do Livro(Dec-Lei
59/80, de 3 de Abril), tendo à sua frente até 1985, Alçada Baptista.O
IPL prosseguiu também na distribuição de subsídios para edições,
aquisição de livros, estudos, prémios, ou para a presença de editores
e livreiros em feiras e exposições.
O Instituto Português do Livro e da Leitura (Dec-Lei
71/87, de 11 de Fevereiro), que herdou as funções do IPL, tinha uma missão
mais específica na coordenação da política do Livro não escolar e da
leitura pública. No quadro das políticas fontistas prosseguidas pelos
governos de Cavaco Silva, desde logo centrou a sua acção actividade na
criação e remodelação de infra-estruturas, com particular
destaque para as bibliotecas municipais e livrarias. Colocou-se também a
tónica nas feiras dos Palops e na Alemanha.
Em 1992, foi criado o Instituto da Biblioteca Nacional
e do Livro e da Leitura (Dec-Lei 106-E/92, de 1 de Junho), em resultado da
integração da primeira entidade. Nenhuma alteração à política traçada
em 1986 foi feita.
Cinco anos depois foi substituído pelo Instituto do
Livro e das Bibliotecas, procedendo-se à autonomização da Biblioteca
Nacional. As medidas anunciadas por Carrilho estão ainda numa fase de
concretização. Alguns resultados preocupantes começam todavia já a
surgir em diversos sectores.
3. As bibliotecas públicas como distribuidoras
e detentoras de conteúdos, constituem o polo essencial para a promoção
do livro e da leitura. A rede das fixas e itinerantes tem vindo a
crescer, fruto da acção de várias entidades, com em especial destaque
para a Fundação Calouste Gulbenkian, Ministério da Educação, Câmaras
Municipais e desde 1987, do Ministério da Cultura.
O apoio da FCG às bibliotecas públicas desde 1958
representaram o maior esforço jamais empreendido nesta área. Nos anos
80, a FCG começou a abandonar as bibliotecas itinerantes a favor do apoio
à constituição e remodelação de bibliotecas fixas, em geral, geridas
pelas câmaras municipais, com base em protocolos. Embora longe da dimensão
e impacto que tiveram em épocas passadas, em 1987 possui neste regime,
182 bibliotecas fixas e 12 bibliotecas itinerantes (em tempos chegaram a
ser 62). Esta mudança orientação é semelhante à que ocorreu no ME e
no MC. Pelas autarquias passam hoje os projectos mais importantes em
termos de bibliotecas públicas.
O Programa da Rede de Leitura Pública ( Dec-Lei
111/87, de 11 de Março), lançado pela então Secretaria de Estado da
Cultura em colaboração com as autarquias, foi dos que maiores apoios
gerou nos últimos 20 anos. Até Outubro de 1995 foram inauguradas 52
bibliotecas municipais, num total de 103 contratos-programas
estabelecidos. Durante a vigência do governo socialista foram inauguradas
mais 11 bibliotecas e formalizados mais 3 novos contratos-programa. Todo o
Programa está a ser repensado.
Em Janeiro de 1996, o MC e o ME anunciaram a intenção
de lançarem um programa conjunto destinado a criar e remodelar a rede
de bibliotecas escolares. Em Setembro foi constituído, no ME um
Gabinete para esse fim. Consta mesmo das Grandes Opções do Plano do
Governo para 1997. Na base desta acção conjunta estavam duas razões de
peso: o sucesso da Rede de Leitura Pública e a constatação que a grande
maioria dos seus leitores eram estudantes do ensino básico e secundário.
Num universo constituído por cerca de 11 mil escolas oficiais, nestes níveis,
foi anunciado que a experiência começaria, ainda em 1997, por 90
escolas. Por enquanto, ainda não se passou das meras intenções.
Apesar do aumento das bibliotecas públicas e da
escolaridade da população, o número dos seus leitores está longe de
acompanhar o seu incremento. Pelo contrário, quanto mais se abrem, menor
parece parece ser o número dos seus leitores. Segundo o INE, as
bibliotecas públicas, em 1994, foram frequentadas 2,611 milhões de
leitores, menos 300 mil que em 1974, ou menos de 800 mil que em 1980
A montagem de videotecas, fonotecas, multimédia e
mesmo de ludotecas nas bibliotecas públicos, poderá eventualmente atrair
a estes espaços mais jovens, resta saber se fomentará novos leitores. A
prova não está feita, apesar de alguns casos pontuais, devidamente
empolados apontarem nesse sentido.
4. As livrarias estão a desaparecer, esta é a
constatação mais fácil de fazer. Com este nome existem hoje menos de
200 em todo o país. Números certos ninguém os tem. A causa desta situação
estava segundo os livreiros, os clubes de livros e as empresas de venda
por correspondência, na concorrência dos hipermercados. Eles praticavam
preços demasiado baixos para os consumidores.
O Ministro da Cultura resolve interferir no mercado.
Elaborou uma proposta confusa, mas que foi aprovada em Conselho de
Ministros - o Dec-Lei 176/96, de 21.9 que estabeleceu o Preço Fixo nos
livros. Na prática nada se alterou. Os hipermecados, sob o
pretexto que vendem menos, passaram a exigir aos editores maiores
descontos que, em alguns casos atingem os 50%. Os editores para manter as
margens de lucro aumentam o preço de capa dos livros. As livrarias
continuam a ter a mesma concorrencia e a fecharem. Os consumidores acabaram
por sair prejudicados do negócio. A crise persiste no sector.
Os apoios à modernização das livrarias, prosseguem
agora enquadrados pelo Despacho Ministerial de 106 /96, 11 de Novembro. Os
resultados são diminutos se levarmos em conta que o ritmo de
desaparecimento das livrarias ainda não abrandou.
5. O número de editoras tem vindo a diminuir ano após
ano, embora deste 1994 se registem tendências ainda difíceis de
interpretar. O número de títulos publicados que não param de aumentar,
registaram atém 1994 as tiragens globais de exemplares praticamente
estagnadas. Depois desse ano, por falta de elementos ainda não se sabe
ao certo o que está a acontecer. Em qualquer dos casos, duas tendências
são há muito claras:
A maioria das editoras, constituídas por pequenas
empresas, pouco pode hoje aspirar além da edição de obras com pequenas
tiragens, sustentadas por subsídios públicos ou apoios particulares. O
seu mercado de distribuição está também a reduzir-se a feiras e a
clientes institucionais. O mercado dos Palops, depois de 1974, tem sido
mais uma miragem que uma realidade.
Ao grupo cada vez mais restrito de médias e grandes
editoras, as leis da sobrevivência económica começam a impor a
predominância de obras generalistas ou "best sellers"
internacionais , dados os grandes investimentos promocionais que exigem e
as características dos novos circuitos de distribuição (hipermercados,
quiosques, vendas por correspondência, etc.). Não é pois por acaso, que
neste domínio as multinacionais tem um peso crescente.
5. A distribuição é também um dos polos
essenciais da promoção do livro. Como na edição, a realidade aponta
para um claro controlo do sistema por parte de empresas multinacionais. O
individualismo característico dos nossos editores, marginaliza-os
igualmente deste processo. As centrais de distribuição de pequenos
editores pertence ainda ao terreno da utopia.
O Despacho Ministerial 106 /96, veio conceder apoios a
empresas distribuidoras que queiram abranger as zonas do país mais
carenciadas. A julgar pelos os investimentos feitos, os resultados
esperados são nulos.
6. A promoção dos autores portugueses no
estrangeiro, constitui talvez a principal aposta deste Governo em matéria
de livro. A presença de Portugal como país-tema, na Feira de Frankfourt
(Outubro de 1997), irá certamente ser apresentada, como uma das suas
grandes iniciativas. Esperamos que assim seja, pelos resultados alcançados.
Nesta encruzilhada, a promoção do livro e da leitura
continua a passar afinal de contas pela escolarização da população e
pela melhoria da qualidade de funcionamento das escolas, isto numa altura
que novos desafios já se colocam, nomeadamente os resultantes da
massificação das tecnologias de informação e comunicação.
1997.6.26.
Carlos Fontes
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