Carlos Fontes


 

Quatro Rainhas, Quatro Conventos e Cinco Túmulos em Lisboa

 

Convento da Madre de Deus

Dona Leonor de Lencastre (1458-1525), esposa de D. João II

O convento da Madre de Deus foi mandado construir pela rainha D. Leonor, em 1509, para as freiras da Ordem de Santa Clara. A atual igreja foi edificada por D. João III (c.1550), tendo no seu interior alguns dos melhores exemplos do estilo barroco em Portugal. Possui um magnifico presépio de Machado de Castro. Alberga o Museu Nacional do Azulejo.

O túmulo de D. Leonor, em campa rasa, encontra-se à entrada da Igreja, para quem vem do claustro. Foi a fundadora das misericórdias.

 

 

Convento de S. João Nepomuceno

Dona Maria Ana de Austria (1683-1754), esposa de D. João V

Foi sepultada neste mosteiro, depois passou para o Mosteiro de S. Vicente de Fora. O que resta do antigo túmulo, os leões de suporte, a coroa e os putti, foram montados de forma poder reconstituir o conjunto inicial, e estão expostos nas ruinas do Mosteiro do Carmo.

Maria Ana de Austria, retrato atribuido a Pompeo Batoni. Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa

O antigo túmulo conservado no Museu do Carmo

A Igreja do convento ficava situada junto ao largo de S. João Nepomuceno, perto do miradouro de Santa Catarina.

O Mosteiro, edificado em 1737, pertencia à Ordem das Carmelitas Descalças alemãs. Extinto em 1834, foi entregue mais tarde ao Asilo de Orfãos Desvalidos de Santa Catarina, instituição fundada em 1861. Depois de 1910 a capela foi demolida. Em 1954 o edificio foi entregue à Casa Pia de Lisboa, que o transformou no Colégio de Santa Catarina.

 
 

 

Convento de S. Vicente de Paula

Dona Mariana Vitória de Bourbon (1718-1781), esposa de D. José I

O edificio primitivo data de 1719, e deveu-se a Frei Ascenso Vaquero, religioso andaluz. Pertencia à Ordem dos Mínimos (Ermitões de Frei Francisco de Paula).

O mosteiro e Igreja, na sua feição atual,foi patrocinado pela rainha consorte Mariana Vitória, foi projetado por Inácio de Oliveira Bernardes (1695-1781). As obras decorreram entre 1743 e 1765. A fachada da Igreja, com duas torres sineiras, da autoria de Gian Giacomo Azzolini, arquitecto italiano radicado em Lisboa (de 1752 a 1791, quando faleceu). O conjunto foi inspirado no Colégio Romano, de Francesco Barromini.

No seu interior, com seis capelas, podem admirar-se notáveis pinturas. Temos várias obras de Francisco Vieira Lusitano (1699-1781): Santo António Pregando aos Peixes (1763), Estigmatização de São Francisco (1763), A Virgem, o Menino e Santos. De Inácio de Oliveira Bernardes: Sagrada Família; A Coroação da Virgem; São Miguel Arcanjo. Por último de Joaquim Manuel da Rocha: Nossa Senhora da Conceição.

O belissimo teto da Igreja da autoria de Inácio de Oliveira Bernardes, onde se destaca São Miguel Arcanjo, com um coro de anjos.

Na sacristia, imagens santos desta ordem e um Cristo Crucificado.

Dona Mariana Vitória de Bourbon, casou-se com apenas 10 anos com D. José I. Foi sepultada, na capela-mor, ao lado de do Evangelho, num túmulo de marmore preto, em forma de sarcófago, é uma obra de Machado de Castro, estando classificado como monumento nacional.

 

 
 

Convento, Basílica e Palácio da Estrela

Dona Maria I (1734- 1816), esposa de D.Pedro III

A Basilica da Estrela foi o primeiro igreja no mundo dedicada ao culto do "Sagrado Coração de Jesus". Começou cum um voto da rainha (r.1777-1799): caso desse à luz um filho varão, mandaria construir um novo convento para a Ordem do Carmo (Carmelitas Descalças), uma decisão que terá pesado a forte influência do seu confessor - Frei Inácio de S. Caetano.

O criança nasceu, em 1761- D. José, principe do Brasil, mas faleceu em 1788, de variola. Quem herdou o trono de Portugal, foi o seu irmão D. João VI (1767-1826), o terceiro dos seis filhos da rainha.

Os terrenos, que pertenciam à Casa do Infantado, foram doados por D. Pedro III (-1786), tio e esposo de D. Maria I. As obras da basilica, convento e palácio para a rainha, começaram em 1778. No ano seguinte a rainha aprova a primeira planta, tendo as obras se prolongado até 1790. Estava prevista a criação de uma enorme praça (1).

Basílica

O projeto inicial foi da autoria de Mateus Vicente de Oliveira (1706-1785), canteiro, formado na Escola do Risco em Mafra, sob a direção de João Frederico Ludovici. O estilo é um barroco tardio, refletindo ainda o modelo de Francesco Barromini (1599-1667), como está bem patente no arco contra-curvado na entrada.

Planta da Basílica da Estrela, com dois dos claustros do Convento.

Após o falecimento de Mateus Vicente, as obras na basílica que decorreram entre 1785 e 1789, foram confiadas a Reinaldo Manuel dos Santos (1731-1791), outro arquitecto formado na escola de Mafra. Este arquitecto proximou a forma da basilica da Estrela da Mafra, introduzindo no projecto novos elementos, como um frontão triangular, acrescentou-lhe colunas e estátuas, alteou o zimbório e acrescentou-lhe um lanternim, introduziu duas torres, dando ao complexo uma enorme monumentalidade. A Cúpula foi inspirada na Igreja da Memória em Belém.

O grupo escultórico central na fachada com a adoração do "Sagrado Coração de Jesus" é uma obra de Joaquim Machado de Castro e colaboradores (c.1783), que orientou também a estatuária da basilica.

As estátuas alegóricas à "Fé", "Devoção", "Gratidão" e "Liberalidade" ( da esquerda para a direita), Alexandre Gomes, José Patrício e José Joaquim Leitão, revelam já um gosto neoclássico, pois não representam santos, mas virtudes.

Temos também dentro de edículas, da esquerda para direita e de cima para baixo, as estátuas de Santo Elias, São João da Cruz, Santa Teresa de Ávila e Santa Madalena de Pazzi, também da autoria de discipulos e colaboradores de Machado de Castro.

Na Galilé são de destacar as estátuas da Virgem e de S. José, pais de Jesus, de Machado de Castro ou dos seus discipulos.

A entrada da igreja, destaca-se um arco contracurvado característico de Barromini. No corpo da igreja as pinturas, com excepção de uma, são todas de Pompeo Girolamo Batoni (1708-1787), que fixou a iconografia do culto do "Sagrado Coração de Jesus", aprovada em Roma, pelo papa Pio VI, que viu as telas antes das mesmas virem para Lisboa.

São da sua autorias as seguintes telas: Retábulo da capela-mor; Última Ceia (1783); Incredulidade de S. Tomé (1783); Santa Teresa a Receber as Ofertas da Rainha de Portugal na Presença das Freiras Carmelitas (1784); Sonho de José; São João Evangelista a escrever o Apocalipse (1784), Santo António (1784); S. Francisco (1784).

A excepção é a "Devoção ao Coração de Maria" (1789), onde figuram os três anjos custódios - Rafael, Miguel e Gabriel, da autoria da Princesa Dona Maria Francisca Benedita e da Infanta Dona Maria Ana Francisca Josefa. Capela de Nossa Srª. da Conceição, junto ao transepto.

Coro-Baixo. Capela Nosso Senhor dos Passos. Pintura no teto de Pedro Alexandrino: "Descida do Espírito do Santo sobre os Apóstolos" e "Virtudes.

Para a capela-mor abrem-se duas sacristias: Na Sacristia do lado da Epistola, pode admirar-se o túmulo do arcebispo de Tessalónica - Frei Inácio de Caetano, confessor da rainha. Na Sacristia do lado do Evangelho, para além do Presépio de Machado de Castro, no teto temos uma bela pintura de Pedro Alexandrino ou de Volkmar: Alegoria à Igreja.

Presépio de Machado de Castro, feito em argila, papel e cortiça, possui mais de 500 figuras de grandes dimensões. Foi executado entre Janeiro de 1781 e Maio/Junho de 1785, para uma sala própria nesta basílica, a Sala do Conselho, onde estão represantadas várias cenas em azulejos ligadas à vida de Nossa Senhora (Fuga para o Egipto, Anunciação, Visitação, Nascimento, Adoração, Apresentação e Circuncisão). O presépio encontra-se atualmente na capela do Senhor dos Passos.

O túmulo de D. Maria I é da autoria de Faustino José Rodrigues (1760-1829), discipulo de Machado de Castro. Embora a rainha tivesse falecido no Brasil, em 1816 foi traslada pela a Basílica da Estrela, onde era seu desejo ser sepultada. O túmulo estava inicialmente na capela-mor, sendo depois colocado no transepto, o que lhe retirou muito do seu impacto.

 

Obras de entalhamento de José Abreu do Ó (1740-1828), tais como arcazes, candeeiros e confessionários.

Dos três orgãos, do organeiro António Machado e Cerveira (irmão de Machado de Castro), um desapareceu. Resta-nos o orgão grande (1789) e o orgão do coro (1791).

Convento

O convento concebido para 16 professas e 8 noviças das carmelitas descalças, terá sido das primeiras obras a terem inicio. Entre as suas dependências são de referir as seguintes:

- Portaria, com a Roda;

- Claustros. Possui dois magnificos claustros, com a forma quadrangular, com dois pisos, tendo no centro uma fonte. Um dos claustros, o que está virado a sul, está atualmente num adiantado estado de degradação, revelador da incúria como este monumento nacional tem sido tratado.

- Casa do Capítulo.

- Locutório.

- Tribuna das Freiras.

- Coroalto. Acede-se por uma escada em caracol. Fica sobre a Galilé. Possui o maior dos orgãos.

- Antecoro. Capela de Nossa Senhora do Carmo. Pintura no teto de Pedro Alexandrino: Transverberação de Santa Teresa e Insignias de Santa Teresa (1780/9)

- Oratório.

- Celas.

- Noviciado.

- Refeitório. D. Maria I, no dia do 21º. aniversário do seu casamento (6/6/1781), serviu um jantar às 16 carmelitas.

- Cozinha.

- Cerca. A enorme cerca do convento começou a ser retalhada no século XIX a para a construção de edificios destinados a serviços do Hospital Militar da Estrela. No anos 50 o espaço foi partido ao meio para a construção da Avenida Infante Santo.

O convento começou a ser ocupado na segunda metade do século XIX com diversos serviços do Estado, tais como o serviço de Geodésio e Topográfico. A partir de 1898 foi vez da sua partilha também com o Hospital Militar.

 

Palácio

Situado na parte sul do convento, com acesso individualizado. O palácio estava organizado em tornoi de um pátio, e comnunicava com a basilica através do transepto. A decoração revela um crescente gosto pelo neoclassico.

Na Capela Privativa da Rainha, destaca-se a pintura "Adoração do Santissimo Sacramento" de Pedro de Alexandrino de Carvalho (1729-1810, e o relicário.

Também no Quarto da Rainha, pode admirar-se nas paredes alegorias à vida de Santa Teresa de Ávila. No teto, surge a "Rainha doando os Planos da Basílica a Santa Teresa de Jesus", uma obra atribuível também a Pedro de Alexandrino de Carvalho.

Tribuna Régia. A rainha através de uma varanda podia o claustro das clarissas, mas também assistir à missa a partir de uma abertura no transepto.

Jardim. O palácio da rainha tinha um jardim que na voragem do tempo foi destruído.

O convento foi extinto em 1885, quando faleceu a última religiosa., seguindo-se até hoje um período de completo desvario e saque deste mosteiro e palácio. O mobiliário das clarissas foi leiloado em 1884. Em 1927, no palacete foi instalada a Escola do Serviço de Saúde Militar que aqui funcionou até 1979, quando foram instalados diversos serviços clínicos e de apoio a militares.

Considerações finais

Numa visita ao complexo da Estrela deve-se ter em conta o seguinte:

a) Trata-se de uma obra própria de um regime absolutista, que permitiu a uma rainha dispor a seu belo prazer de vastos recursos públicos para criar uma obra marcante do seu reinado: um convento, um palácio e uma basílica, onde quiz ser sepultada. Uma obra caracterizada pelo fausto e a opulência.

b) O estilo barroco-rococó tardio, afirma-se na continuidade ideológica da contra-reforma, mas também constitui uma clara oposição ao estilo neoclássico que se começou a afirmar em Lisboa durante o período que o Marquês de Pombal foi secretário do reino (1750-1777). Representa um confronto entre a abertura a novos valores representado pelo ministro de D. José I, e o conservadorismo tradicionalista que caracteriza o reinado de D. Maria I (r.1777-1799).

c) A construção do complexo da Estrela não pode também ser desligada do Convento-Palácio e Basilica de Mafra (obras iniciadas em 1717). Não apenas porque tem aí o seu principal modelo, mas também porque foi na escola e construção de Mafra que se formaram os arquitectos, escultores e decoradores que trabalharam na Estrela.

Carlos Fontes

 
 

Notas:

(1) Saldanha, Sandra Costa - A Basílica da Estrela - Real Fábrica do Santissimo Coração de Jesus. Lisboa. 2008.

 
 

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