Roma: três capitais numa mesma cidade
1. Ao
visitar Roma em Março de 2016, não pude deixar se sentir a forte presença de
três cidades que concorrem entre si para se afirmar perante quem a percorre. A
convivência nem sempre foi, nem é pacífica.
Arco de Constantino
Roma dos Latinos
As marcas da
antiga Roma, pagã, militar e imperial estão por toda a parte. As suas pedras
evocam memórias que não se confundem com as recriadas pelos povos que depois a
ocuparam.
Roma no século VIII a.C. não passava de
uma pequena povoação no alto de uma das sete colinas, o Capitólio. Tornou-se
numa cidade-estado à semelhança de tantas outras, tendo seguido um regime
monárquico.
Por volta do ano 500 a.C é instaurado um
regime republicano, que inicia um processo de expansão por toda a península
Itália e depois pelo mundo antigo.
No século I a.C. , com Júlio César, a
República dá origem ao um regime Imperial, assente numa forte organização
militar, que permite custear a própria cidade.
No século II d.C. começa a sua decadência.
Marco Aurélio manda construir a cintura de muralhas, dentro da qual faremos um
passeio por Roma.
O Império lentamente vai-se desagregando.
Roma começa a ser abandonada pela população, os seus edifícios são ocupados por
povos invasores que lhes dão novas funções. Muito são desmantelados pra serem
usados em novas edificações. A reciclagem dos seus materiais foi permanente ao longo de
séculos.
Basílica de São João de Latrão
Roma dos Cristãos – Estados Pontifícios
O cristianismo torna-se na religião
oficial do Império Romano no século IV d.C. e aqui estabelece o seu centro. O
bispo de Roma – o pontífice – torna-se o “chefe” universal dos cristãos
e ocorre uma lenta conversão de espaços e referências culturais. As basílicas romanas,
enquanto espaços multifuncionais, como foruns, por exemplo, são convertidas em
basílicas cristãs. As colunas comemorativas de campanhas de guerra, torna-se em
pilares coroados por santos cristãos.
O poder do bispo de Roma aos longos dos
séculos, nesta zona de Itália, deixa de ser apenas espiritual e passa a ser
também político. O papa passa a ter um exercito próprio, que em luta contra
outros estados procura também dominar vastas regiões de Itália.
Roma torna-se num centro administrativo e
político da religião cristã. Os vários países cristãos tem aqui a suas
representações diplomáticas, mas também as várias ordens religiosas. A cidade
que já era procurada pelas suas relíquias, é também um centro onde as várias
potencias cristãs procuram legitimar ou consagrar junto dos papas o seu poder no
mundo.
A sede e
residência dos papas era até final do século XIV a Basílica e Palácio de São
de Latrão. A atual igreja do Vaticano (de colina Vaticanum) era nesta
altura uma pequena basílica. Quando esta começou a ruir, em 1452, o papa Nicolau
V encarregou Bernardo Rosselino de construir uma nova, mas pouco se adiantou,
mas as obras no local não pararam. Sisto IV mandou edificar no Palácio
Apostólico, a célebre Capela Sistina (1473), por Giovanni dei Dolci.
O projecto da Igreja foi retomado em 1503 com o papa Júlio II, rodeando de um
notável grupo número de artistas e arquitectos, como Donato Bramante, Miguel
Angelo ou Rafael de Urbino. A forma final só virá a ser dada por Carlo Maderno
(1556-1629) e Giovanni Bernini (1598-1680). A grandiosidade do conjunto acabou
por ditar a sua consagração como sede papal.
A luta contra os movimentos protestantes,
entre os séculos XVI e XVIII, desencadeia uma verdadeira revolução nos países
católicos e em Roma em particular: a Igreja
Católica procura afirmar a sua solidez e confiança no futuro através de
obras monumentais.
Enormes recursos financeiros
provenientes das igrejas de todo o mundo são
canalizados para Roma, onde são aplicados em obras cada vez mais sumptuárias. Grandes artistas
trabalham na edificação de uma nova cidade, numa exaltação propagandística da fé.
As populações
que viviam nos chamados estados papais (estados teocráticos), que abrangiam a Itália central,
são igualmente vítimas de uma brutal repressão e exploração. No século XIX, por exemplo,
quando Pio IX sucedeu a Gregório XVI, constata que as prisões estavam cheias de
presos políticos. Milhares de pessoas tinham-se exilado. Todas as inovações do
tempo, como o comboio, eram amaldiçoadas...
Altar a Pátria
Roma dos Italianos
A Itália, no
início do século XIX, continuava a ser um mosaico de pequenos estados, sem
qualquer unidade. A situação agravou-se com o Congresso de Viena (1815), onde as
grandes potências resolveram consagrar novas anexações. A Austria estendeu o seu
domínio aos estados do Norte da atual Itália: Veneza, Milão, Lombardia, Modena.
A Espanha controlou o Reino das duas Sicilias, no Sul. A Sardenha e o Piemonte
foram declarados independentes sob o governo da Casa de Saboia. O papa recebeu a
zona central, os chamados Estados Pontificios, contando com o apoio da França
que se opõe a qualquer tentativa de unificação política da Itália.
À semelhança
do que ocorre por toda a Europa, também em Itália surge um forte movimento
nacionalista, com duas orientações politicas distintas, uma monárquica e outra
republicana, unidas apenas por uma objectivo comum: a unificação da Itália. Os
republicanos, em torno a "Jovem Itália" de Giuseppe Mazzini (1805-1872) e
Giuseppe Garibaldi (1807-1882), tomam a dianteira nesta luta, mas percebem que
ainda era cedo para uma República e acabam por fazer uma aliança estratégica com
os monárquicos, liderados pela Casa de Saboia.
O Reino de Piemonte-Sardenha, liderado pela Casa de Saboia,
primeiro com Carlos Alberto e depois com Vitor Emanuel II, conquista após
conquista vai unificando a Itália sob o mesmo governo.
Vitor Emanuel
II acaba por proclamado rei de Itália em 1861.No ano seguinte, a sua filha – Maria
Pia -, torna-se rainha de Portugal ao casar-se com D. Luis.
O ponto alto
deste processo de unificação ocorreu quando Roma foi conquistada em 1870, e se
tornou na capital de Itália.
O Reino de
Itália que emerge depois de 1870 pretendeu desde logo ombrear com as memórias de grandeza do
Império Romano, mas também ofuscar a magnificência das grandes obras
da igreja em Roma.
A arquitectura
do regime monárquico foi buscar a sua inspiração à Roma antiga, mas trabalhada
em modelos renascentista e barrocos. Na política ,a exaltação nacionalista
acabou por abrir caminho a Mussolini (gov.1922-1945), que apoiado por Vitor
Emanuel III, imaginou-se o Júlio César do século XX. A comédia terminou numa
tragédia, como é sabido.
Mussolini fazendo a saudação fascista perante a
estátua de Júlio César. 1935
O Reino de Itália viveu um longo conflito
com a igreja católica, parcialmente resolvido em 1929 através de um Tratado
entre Mussolini e o papa, que transformou a Itália num país de religião oficial
católica, o que só terminou em 1979. O último rei de Itália – Umberto II,
exilou-se em Portugal em 1946 tendo vivido em Cascais.
A República
Italiana implantada no dia 25 de Abril de 1946, continua o seu enorme trabalho
de unificação de uma Itália muito diversa de povos e culturas.
Portugueses
em Roma
Carlos Fontes
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