Qual a responsabilidade que tem as
antigas potências coloniais, como Portugal, para com as suas ex-colónias?
Esta questão que hoje está no centro dos debates sobre África e os
emigrantes africanos na Europa, não é de fácil resposta à luz dos modelos
éticos ocidentais pautados por princípios de universalidade e de
responsabilidade individual. Deste facto resulta enormes mal entendidos.
Os africanos acusam actualmente os
europeus e os norte-americanos de não quererem assumir as suas
responsabilidades perante África:
- O atraso e debilidade económico
que este continente atravessa são o resultado de séculos de uma
colonização que conduziu à rapina dos recursos naturais e à destruição
das estruturas económicas e sociais indígenas.
- O tráfico de escravos que gerou
as enormes riquezas que hoje ostentam os países mais desenvolvidos, teve como contrapartida o
extermínio de populações inteiras, a interiorização das marcas de
discriminação e complexos de inferioridade entre os africanos, e continua a
alimentar ódios tribais.
Face ao conceitos morais da
cultura ocidental, esta questão não tem qualquer sentido. Vejamos porquê.
Em termos éticos ser responsável
implica assumir as consequências dos próprios actos. Este conceito de
responsabilidade, no pensamento ocidental, tem sobretudo uma dimensão
individual e só excepcionalmente é entendido numa dimensão colectiva. Trata-se de uma
contribuição importante da filosofia, que destruiu desta maneira os
conceitos tribais anteriores.
Em termos políticos, a
responsabilidade colectiva dos povos foi substituída pela responsabilidades dos
seus dirigentes. As atrocidades cometidas
pela Alemanha, durante a Segunda Guerra não são da responsabilidade do povo
alemão, mas tão somente dos seus dirigentes na altura. Foram eles que o conduziram a
sua pratica. Por outro lado, não é seguro que todos os alemães concordassem com estes actos. Trata-se,
como dissemos, de uma maneira de colocar os problemas morais que superou a
visão tradicional agarrada ao conceito de responsabilidade colectiva, que
ainda está muito viva em África.
É por isso que todos os europeu ou
norte-americano que hoje condenam com veemência os métodos e as práticas dos seus antecessores
em relação aos povos africanos, não se sentem particularmente culpados pelo
que lhes fizeram os seus antepassados. A responsabilidade dos actos praticados
não lhes pertencem, foram realizados por outros. O caso nada
tem de extraordinário. A Inglaterra negreira do século XVIII, tornou-se na
virtuosa combatente do tráfico do século XIX.
Um dos pressupostos essenciais da
ética ocidental é, como dissemos, a procura da universalização dos
próprios princípios. Esta é uma questão da máxima relevância para a
questão em análise, na medida que tende a colocar todos os homens em pé de
igualdade. Segundo este princípio, a solidariedade deve ser prestada a todos os
Homens e não a nenhum em particular. Neste sentido, por exemplo, a ajuda
deve ser prestada a quem necessita, colocando todos em pé de igualdade, isto
é, sem atender a nenhum favorecimento particular (pertencer ou não a uma
ex-colónia). Neste quatro teórico que está
subjacente à maneira de pensar dos ocidentais, o sentimento de uma responsabilidade
dos ex-colonizadores para com os ex-colonizados, tem que ser procurado noutra
dimensão que não a razão. Em primeiro lugar na ligações históricas entre
os povos, nos seus encontros e desencontros. Só a sua história em comum é
capaz de gerar cumplicidades e solidariedades que não encontram espaço à
luz da ética/ moral ocidental. Estamos no terreno da afectividade, um domínio que a ética
racional europeia tende a secundarizar, sobretudo agora que a globalização
tende a homogeneizar os povos.
Carlos
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