Neste inicio do IIIº. Milênio, os portugueses redescobrem
aquilo a que há muito se habituaram: Portugal possui uma administração
pública ineficaz e ineficiente que constitui um dos maiores obstáculos
ao seu desenvolvimento. Lendo o que tem sido ultimamente escrito e dito na
comunicação social registam-se os seguintes pontos consensuais:
1. A
administração pública portuguesa absorve grande parte dos recursos
do país, sem que daqui advenham qualquer melhoria da qualidade nos serviços
prestados aos cidadãos. A ideia que continua a persistir é que
fazer mais e melhor, implica necessariamente mais funcionários, serviços,
recursos financeiros, etc. Inovação, Simplificação,
Desburocratização e Qualidade são conceitos que ainda carecem de
sentido.
2. A maioria
dos dirigentes (presidentes de Institutos públicos, directores-gerais,
chefes de serviço, chefes de divisão,etc) revelam-se totalmente
incompetentes para os cargos que desempenham, sendo incapazes de
promoverem a melhoria da qualidade dos respectivos serviços. A única
preocupação que parecem ter é a de manterem as coisas como estão o máximo
de tempo possível, e simultaneamente conseguirem o máximo de mordomias
possíveis (carros, gasolina, telefones gratuitos, gratificações extras, empréstimos
sem juros, chorudas reformas antecipadas, etc, etc.).
3. A maioria
dos funcionários públicos, continua a encarar o Estado como um emprego
estável que um dia lhes garantirá uma reforma segura. Limitam-se a
trabalhar o estritamente indispensável para justificar o ordenado
que recebe ao fim do mês. Ora como consideram que são mal pagos, o que
produzem é o mínimo imprescindível para assegurar o funcionamento dos
serviços. À semelhança dos dirigentes públicos procuram também
retirar o máximo partido da situação em que se encontram (os
assuntos particulares são tratados durante a hora de serviço, um grande
número possui outros empregos, os telefones públicos são
utilizados indescriminadamente para uso particular, etc).
4.Um número
muito significativo destes funcionários, pura e simplesmente deixou há
muito de trabalhar. Acha que pelo facto de existirem e pertencerem ao
quadro de efectivos do Estado, os contribuintes tem que os remunerar. Para
isso contam para a colaboração de médicos corruptos que lhes passam
atestados médicos, tantos quantos os necessários, mas também com a
conivência de dirigentes laxistas que acomodaram a situação para não
provocarem conflitos laborais, e por último com a defesa corporativa de
comissões arbitrais, comissões de trabalhadores, sindicatos. Com todo o
tempo do mundo, muitos tornaram-se frequentadores assíduos de acções de
formação, colóquios, conferências, mestrados, etc. Apesar de tudo
isto, são classificados invariavelmente como excelentes no seu desempenho
profissional, ascendendo aos mais elevados cargos da administração.
Continuam a
ser raros aqueles que nesta lógica de funcionamento da administração
pública se vêem como profissionais, ao serviços de uma nobre missão: a
colectividade de que fazem parte enquanto cidadãos.
O retrato é
conhecido, e a sua fidelidade à realidade regista uma largo consenso na
opinião pública. Também são conhecidas e documentadas as consequências
desta lógica de funcionamento. Ora neste tipo de análises omite-se
sistematicamente a questão da preparação e formação destes dirigentes
e funcionários. Dir-se-ía pelos resultados que nada tem sido feito, o
que não é de todo verdade.
O investimento na formação do funcionários públicos tem sido enorme.
Em muitos ministérios financia-se quase tudo: acções de formação
internas e externas, cursos superiores, pós-graduações, mestrados,
doutoramentos, etc.
Existe
todo um vasto conjunto de instituições públicas exclusivamente
destinadas à formação dos funcionários públicos a todos os níveis
(Instituto Nacional de Administração-INA, Instituto de Formação Autárquica,
etc). Para além destes é preciso recordar que em todos os ministérios
e na maioria das câmaras municipais do país existem serviços próprios
de formação para o respectivo pessoal.
Existem
diversas organizações públicas destinadas ao estudo e desenvolvimento
de programas de modernização administrativa, como o Secretariado de
Estado Para a Modernização Administrativa que realizam um
impressionante número de acções de estudo, sensibilização e formação
neste domínio.
A componente
da formação e respectivo enquadramento organizativo está aparentemente
assegurada.
Apesar de tudo
isto, os resultados medidos em termos da melhoria do funcionamento dos
serviços são reconhecidamente maus. Algo está a falhar estrondosamente.
Os investimentos realizados em estudos e na formação não se repercutem
em melhorias sensíveis no funcionamento do Estado. Ninguém aliás parece
se preocupar com o assunto, dado que nenhuma avaliação rigorosa é
feita, nem se tomam medidas para corrigir o que está mal. Estamos no
reino do faz de conta. A manter-se esta lógica de funcionamento, temos
que concluir que a reformar a administração pública portuguesa é uma
tarefa impossível.
Lisboa, Julho
de 2000
Carlos Fontes
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