. Arte
A aula prometia ser interessante. Rita ía
expor à turma aquilo que considerava ser uma nova maneira de tratar a questão da arte como transfiguração
da realidade. Convidou mesmo a assistir algumas
amigas. O professor concordou. Afirmou
antecipadamente que não iria repetir o que lera nos
livros que consultara, isto é, que a arte era uma
interpretação mais ou menos fidedigna da realidade.
Tese que levava muitos historiadores e críticos de
arte a reduzi-la a um mero reflexo da sociedade. O
problema central estava ao nível do próprio artista,
o que o levava a criar.
A sala ficou literalmente às escuras. Eís
que de repente surge na tela a imagem de Tarzan.
A risota foi geral. Rita com um ar grave pediu aos
colegas para imaginarem como seria o criador deste
herói da BD, e sobretudo que tentassem descrever o
ambiente em que as histórias tinham sido escritas.
As descrições foram todas muito imaginativas, o que
não impediu que a surpresa tenha sido geral quando
disse que o autor era Edgar Rice Burroughs, e as histórias
haviam sido escritas quando devido a uma grave doença
se encontrava retido na cama. Era flagrante o contraste entre as obras e a vida do seu autor.
Através das suas obras ele estaria a realizar aquilo
que na vida real estava impossibilitado de fazer:
percorrer a selva, viver aventuras triunfais, dessas
que o leitor perde o fôlego só de as ler. A arte
era no seu entender, uma forma de o homem superar as
suas limitações, frustrações e tensões, evadindo-se
para um mundo imaginário. A ideia não era nova. O
professor franziu a testa e perguntou-lhe se podíamos
concluir das suas palavras que os criadores eram uns
frustrados e infelizes que encontravam na arte uma compensação
para os seus problemas e tensões existenciais. Rita
pensou e disse: " - Não!. O que afirmo é que a
arte é acima de tudo, a transfiguração dos
sentimentos profundos dos artistas, a sua expressão
material. Criando o artista liberta o que tem dentro
dele. Se não tiver nada para comunicar, mesmo que
sejam angústias, as obras são tudo menos arte."
João, com um ar de desdém afirmou: "Estás a
reduzir à arte à biografia dos artistas." Luís,
há muito que estava impaciente para poder dizer que
o problema não era assim tão simples: as ideias não
surgem do nada, estão impregnadas pelos valores e
problemas que circulam na sociedade que os artistas
vivem. Não podemos separar portanto a arte da
sociedade, reduzindo-a ao mundo interior dos artistas.
Rita nem sequer respondeu.
Projectou em seguida a fotografia de uma
"performance" de Gina Pane. "Que
horror!", exclamou Francisco. "Isto não
é arte!", apressou-se a dizer Rodrigo. Um grupo
de alunos ficou particularmente curioso com o facto
de alguém usar, daquela forma, o seu próprio corpo
como um meio de expressão. Havia ali uma nova
maneira de comunicar, e se não entendessemos os seus
códigos dificilmente compreenderíamos a mensagem. O
debate prometia ser animado sobre as novas linguagens
da arte moderna. E foi.
Carlos Fontes
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