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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Contemporânea - (Séc.XIX)

Formação Profissional nas Fábricas e Oficinas

  A liberdade de trabalho introduzida pelo liberalismo, aparentemente redundou numa maior exploração dos aprendizes. Qualquer mestre podia tomar os aprendizes que quisesse, e estabelecendo as suas próprias regras. Era a liberdade de trabalho. Para isso também concorreu numa primeira fase os novos processos industriais: as novas máquinas pareciam dispensar os operários especializados, encurtando o período de aprendizagem de um operário para alguns meses. Este facto, associado á liberdade de  contratação dos trabalhadores,  estimulou que se começa-se a empregar nas fábricas um numero sempre crescente de crianças e mulheres . Em Portugal em duas industrias o processo foi particularmente notório: Tabacos e a Algodoeira. Mas a situação era geral.

1.. As empresas de  tabacos eram nesta época das mais rentáveis e maiores do Pais, isso mesmo o atesta Raul Esteves dos Santos , na sua obra "Os Tabacos - Sua Influencia na Vida da Nação", contudo, o regime de formação nestas empresas  começa a assentar no trabalho das crianças e das  mulheres:

           - Os aprendizes, com idades desde os  sete anos, era pratica corrente exigir-lhes a mesma produção que um operário adulto. Os castigos corporais parecem nesta industria, terem sido particularmente severos e humilhantes, "sendo as mais leves faltas punidas com palmadas, correadas" (in, os Tabacos, II vol. pag.307 ). O recrutamento de crianças das escolas, parece ter-se verificado, nomeadamente pela fábrica de Xabregas que em 1863, fornecia sopas aos alunos da Escola Casal Ribeiro , situada no Beato. Em 1880, constatava-se a existência de 347 aprendizes nas três mais importantes  fábricas de Lisboa: Xabregas, Lisbonense e Regalia. Na fábrica de Xabregas os menores eram cause todos  do sexo feminino, entre os 10 e os 14 anos. Os menores do sexo masculino, dos 11 aos 13 anos , eram empregados em conduzir tabuleiros ás empreiteiras, fazer cigarros , escolher tabaco e varrer. A admissão de menores na fábrica Lisbonense  realizava-se nas mesmas condições. Na de Santa Justa realizava-se a  partir dos 10 anos.

          - A primeira vez que as mulheres trabalharam fora do lar, numa industria, deu-se por volta de 1838, na Fabrica do Calvário, quando perante os protestos dos operários a quem lhes haviam diminuido os salários, O proprietário da empresa mandou vir de Espanha mestras de charutos para ensinarem mulheres neste oficio. A partir daqui, o numero de mulheres nas fabricas de tabaco  irá crescer consideravelmente, até superar largamente o numero de homens. As suas condições de trabalho, como os seus salários foram sempre degradantes. Em grande parte elas tornam-se numa força de pressão do patronato face aos operários, como vinha aliás acontecendo com os aprendizes. Dai as criticas constantes que são vitimas por parte dos operários.               

        2. A Industria Algodoeira, força motora da Revolução Industrial é em Portugal, como aconteceu noutros países, onde a aplicação de crianças e mulheres começou a ser prática corrente muito cedo. Esta situação atingiu tais proporções que em 1881, a subcomissão do Porto ao Inquérito Industrial deste ano, traçava um panorama deprimente:

      "Não há , decerto , em toda a industria nacional espécie em que o operário seja mais miserável... Já a propósito dos tabacos tocámos neste ponto, mais evidente e mais grave ainda na espécie de que nos ocupamos agora. O trabalho é simples, não exige grande arte nem força; crianças, mulheres, todos servem. A aprendizagem é breve: em seis meses faz-se um tecelão. Nas fiações, em menos  tempo ainda: o operário é ai apenas um servo da máquina activa". 

A situação que se podia aina observar nos anos 90 do século XX 1].

Esta exploração da mão de obra feminina e das crianças, tornou-se um dos pontos mais deprimentes do trabalho no século XIX. Os testemunhos são inúmeros, mas um dos mais vivos é sem duvida o do jornalista Silva Pinto (1848‑1911), na sua obra  "Noites de Vigilia",n.2, publicada em 1896, em Lisboa, onde recorda a situação de crianças numa fábrica por volta de 1860‑1865:

         "Foi na minha saída da infância para a mocidade que eu assisti , como filho do patrão --- uma espécie de Poder Moderador, - á entrada daqueles infelizes no Sofrimento . Iam as mães apresentá-los de seis a sete anos, alguns dos rapazitos tão enfezados que diríeis pequeninos esqueletos movidos por mola oculta debaixo dos farrapos. Recusava admiti-los o patrão , mas as mães, ou simples empresárias de enjeitados, alegavam em caramunha - que o pequeno comia por um homem, e que, apesar daquele feitio, era robusto  e desembaraçado , e não havia remédio senão ganhar o pão. Precedentes considerações assim humanas, eram admitidos os neófitos da Desgraça." Segue-se o tradicional rosário de uma aprendizagem feita de "sol a sol", horas de descanso para "irem fazer recados aos oficiais", recompensados fartamente com "pontapés aplicados com a prodigalidade da  besta-fera á imagem e semelhança de Deus".

Anos mais tarde, Romeu Correia, em "Os Tanoeiros", descreverá cenas idênticas, ao retratar a  entrada destas crianças no mundo do trabalho.

Contudo, a formação profissional nas grandes empresas, como o Arsenal ou os Caminhos de Ferro, pela necessidade de impor novos métodos de trabalho ou qualificação do pessoal em certas tarefas. Um dos problemas que frequentemente surgia era a falta de instrução dos próprios operários, levando as empresas a ministrarem cursos de alfabetização. impôs-se também por uma necessidade de desenvolver

Em 1893 , a empresa exploradora das linhas de caminhos de ferro do sul e sueste, pedia autorização para abrir uma escola de desenho , ao então director de obras publicas, Bernardim Machado. destinada aos operários destes caminhos de ferro, deste modo surgia uma honrosa antepassada das conhecidas "escolas do Barreiro" já deste século.

O pedido formulado , exprime bem o modo como as empresas organizavam então a formação, ao sabor das suas necessidades momentâneas : 

       " Existe actualmente, ao serviço das oficinas nestes caminhos de ferro um desenhador, por nome Francisco Pindaro da Silva  Diniz, que de si tem dado incontestáveis provas de assídua e inteligente aplicação, não só nas coisas próprias do seu mister, como  procurando mesmo com ardente empenho estudar o funcionamento dos variados mecanismos e o modo de obter os seus produtos. Este empregado , conscio da grande vantagem que resultaria para o desenvolvimento técnico do operariado das referidas oficinas da iniciação de uma escola de desenho, propõe-se a dirigi-la, para o que não lhe faltam conhecimentos especiais, nem boa vontade". E como inúmeras vezes acontecia, lá se citava outra experiencia anterior: "devo dizer a Vossa Excelência que ao tempo existiu nestes caminhos de ferro uma aula de desenho , fundada pelo actual engenheiro chefe de tracção, L.A. d'Orey, que deu excelentes resultados, tendo habilitado devidamente alguns operários, e concorrido com eficácia para o desenvolvimento e progresso dos processos mecânicos"[2].  

Em construção !

  Carlos Fontes

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Notas:

1]. Carlos Fontes, Emprego e Formação.

[2] in, O Ensino Tecnico, Bernardim Machado, 1900, da 2. edição 1885. pag.73-74