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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Moderna - II (Séc. XVIII )

Ensino Comercial e Náutico

Se não encontramos um plano concertado para o estabelecimento das manufacturas, durante o período Pombalino, muito menos o vemos no estabelecimento das diversas modalidades de ensino. As aulas vão surgindo para darem uma resposta a necessidades concretas, que se creem essenciais para o progresso do pais.

    A Junta de Comércio destes Reinos e Seus Domínios, criada em 1756, em substituição da antiga "Mesa dos Homens de Negócios", e depois a Real Mesa Censória que tinha a seu cargo a instrução primária, certos aspectos do ensino médio  e a censura das publicações, procedeu-se a um esforço de coordenação nesta matéria. Mas na realidade se iniciativas houve, coordenação não parece ter existido.

     Se o ensino militar não parou de crescer e de se aperfeiçoar, isso se deve á importância atribuída á defesa do pais e das suas colonias; O ensino artístico estava naturalmente dependente das campanhas de obras. quanto a outros ramos, como o comercio, a náutica, ou a diplomática eram mais contingentes: a náutica e o comércio acabaram  por sobreviver, mas apenas no Porto, onde uma burguesia interessada neste ensino o estimulou e manteve. Tudo o mais foi sempre precário.   

 1. Aula do Comércio

A Aula do Comércio criada em 19 de Maio de 1759, em Lisboa, constituiu uma das mais importantes iniciativas de Marques de Pombal. No preambulo dos seus Estatutos traça-se um quadro do comercio português ao tempo, que justificava só por si a criação desta aula:

"A Junta do Comercio destes Reinos e seus Domínios, havendo considerado que a falta de formalidade na distribuição e ordem dos livros do mesmo Comércio é uma das primeiras causas, e o mais evidente principio, da decadência e ruina de muitos negociantes; como também que a ignorância da redução dos dinheiros , dos pesos , das medidas, e da inteligência dos câmbios , e de outras matérias mercantis , não podem deixar de ser de grande prejuízo e impedimento a todo a qualquer negócio com as Nações Estrangeiras; (...) propôs a sua Majestade (...), se ensinasse os principios necessários a qualquer negociante perfeito, e pela comunicação do método italiano, aceito em toda a Europa, ninguém deixasse de guardar os livros do seu Comércio com a formalidade devida." (1)
 

Para atingir tão amplo objectivo, concebeu-se um curso de comercio com a duração de 3 anos, composto por as seguintes disciplinas : Aritmética ,"fundamento e principio de todo e qualquer comércio"; noções sobre pesos e medidas das diferentes praças de Portugal; noções sobre câmbios; seguros e apólices;, fretamentos e pratica de comissões e escrituração comercial, cujos processos eram ignorados então entre nós. Neste plano curricular, escreve Laurindo Costa, destaca-se uma lacuna importante, a ausência da geografia, mas que será pouco depois remediada sob a iniciativa de Jacome Ratton.

As aulas iniciaram-se no dia 1 de Setembro de 1759, ultrapassando logo os 50 alunos previstos. Em 1761 realizou-se o primeiro Exame, tendo-se destacado 61 alunos. No terceiro curso matricularam-se 258 alunos, o que terá motivado um edital datado de 1756 ( ?) a determinar que 200 será o máximo de inscrições admitidas . O Sucesso obtido por estes cursos foi enorme, sendo prova disso as ascensão dos seus alunos a altos cargos no pais, e a presença do rei D. José I ou do seu ministro, Marques do Pombal nos exames finais. Os primeiros cursos funcionaram no solar de Soares Noronha, situado no actual edificio da Imprensa Nacional. Em 1769 passou para a Praça do Comércio , onde se instalou também o Conselho da Fazenda e Junta do Comércio e suas dependências. Após o incendio em 1821 deste edificio, passou para o Convento da Boa-Hora, onde se manteve até Agosto de 1824.

Diversas medidas procuraram criaram alguns privilégios para os diplomados destas alunas : Aos caixeiros das lojas de cinco classes de Mercadores, era-lhes concedido o privilégio de após terem frequentado as aulas em três anos, pudessem abrir lojas por sua conta, apenas com cinco anos de exercício profissional em lugar dos seis habituais. Estes tinham ainda a preferência no provimento de lugares na Junta de Comercio, assim como nas Companhias de Comércio e Feitorias. Uma carta de lei de 30 de Agosto de 1770 determinava que nem mesmo os filhos de comerciantes, que não tivessem este curso, podiam ser admitidos como guarda livros , caixeiro ou praticante de casas comerciais portuguesas. As embarcações nacionais que aproassem a portos do Oriente deviam ter dois destes diplomados, como caixas, sobrecaixas ou escriturários.

     Com estas aulas de Comércio, pretendia a Junta reformar todo o comércio em Portugal (2) . Tarefa ciclópica, mas que constituiu um marco importante do arranque do ensino técnico. Entre os alunos que se destacaram destas aulas avultam as figuras de um Alexandre Herculano, Cipriano Ribeiro Freire e Inocêncio Francisco da Silva.

     Em 1844 a Aula de Comércio foi integrada no Liceu Central de Lisboa, constituindo a primeira Escola Comercial que funcionou em anexo ao mesmo.

2. Real Escola Náutica

Na próspera cidade do Porto a 18 de Outubro de 1761, os mercadores da cidade do Porto, por sugestão do regedor João de Almada, solicitam a D. José I, autorização para construir duas fragatas para defender da pirataria o comercio maritimo desta cidade, e instruir os oficiais e tripulação dos navios. Esta petição foi deferida por Alvará de 24 de Novembro de 1761, e confirmada em 1762 (3) .Surgia assim um corpo de 12 tenentes e 18 guardas marinha. A direcção da Aula foi confiada ao ao capitão- tenente António Rodrigues dos Santos, sendo a construção dos navios confiada á Junta Administrativa da Companhia dos vinhos do Alto Douro. Esta aula passou depois a denominar-se "Real Escola Nautica".

    Esta aula reflecte bem o sólido crescimento económico, manufactureiro e comercial que esta cidade revelara neste século, e que se traduziu noutros iniciativas congéneres. De uma pequena urbe , que ainda em 1732 não ultrapassava os 14581 habilitantes, em 1787, já contava com 63.505. Esta explosão demográfica era o produto, de um "importante comércio auxiliado com multiplas e grossas embarcações, que a foz do rio Douro envia ás quatro partes do mundo com tanta frequência, como nunca viram os passados portugueses,; pois este aumento cresceu desde que se transportou para esta cidade todo o comércio das vilas de Viana, situada na foz do Lima, Vila do Conde , Aveiro e outros portos" (4). Os estaleiros da cidade revelavam uma enorme actividade na construção e reparação naval, apoiando um volume muito significativo de exportações, oriundas da região norte ou apenas reexportadas nesta cidade como acontecia com o açucar e o algodão da América do Sul.

Esta aula decorria desta expansão económica do Porto, mas não tardou a revelar-se insuficiente. Em 1785, a Junta de administração da Companhia das vinhas do Porto, com uma apreciável actividade maritima e comercial, ligada ao Vinho do Porto, viesse defender o alargamento da formação neste domínio nesta cidade: Na sequencia deste processo em 1803, será criada a Academia Real da Marinha e Comércio da cidade do Porto.

    Este ensino para pilotos, transferido em 1803 para a Real Academia de Marinha e Comércio, e em 1837, para a Academia Politécnica do Porto manteve uma notável continuidade, pois só desapareceu em 1885. 

3. Academia Real da Marinha e Comercio da Cidade do Porto

 

Desde 1785 que a Junta de Administração da Companhia Geral de Agricultura e Vinhas do Alto Douro, solicitava a criação no Porto de aulas de "matemática" e "comercio", não apenas para a construção naval, mas para atender ás exigências o florescente comercio maritimo. Outros pedidos foram igualmente formulados, com maior ou menor amplitude (5).

 

Apenas em 1803 , por Alvará com força de Lei de 9 de Fevereiro de 1803, o Visconde de Balsemão , então ministro do reino, autoriza a abertura nesta cidade de aulas de matemática, comércio, língua inglesa e francesa, ficando as mesmas sob a administração da Junta. Sendo as aulas ministradas no Colégio dos Meninos Orfãos, onde já decorriam as aulas de náutica e as de debuxo. Neste mesmo ano se iniciam as obras do novo edificio , que só será concluído no final do século. Em Julho deste ano (6 ), assinado também pelo visconde de Balsemão, ás cadeiras já existentes eram adicionadas as de navegação e desenho, e um curso de filosofia racional, e outra de agricultura para funcionar quando as circunstancias o permitissem (7). Este Ultimo decreto já fala de Academia Real da Marinha e Comercio da Cidade do Porto, sendo acompanhado pelos respectivos estatutos.

 

Este estabelecimento dispunha de três lentes para o ensino da matemática, um para filosofia racional e moral, dois para a de desenho, havendo outros lentes substitutos nas cadeiras de matemática. As aulas de náutica e de desenho ficavam assim integradas nesta Academia, que ficava sob a inspecção da Companhia das Vinhas do Alto Douro, sua principal impulsionadora. Em 1817 (8) foi criado o lugar de Director Literário da Academia , na pessoa de um seu funcionário a quem competia a sua inspecção.

 

     As aulas tiveram inicio a 4 de Novembro de 1803, registando a partir daí uma notável frequência (9) , apenas afectada por alturas das invasões napoleónicas: 603 alunos ( 1803); 403 (1804); 223 (1807); 139 (1808); 196 (1809); 204 (1810); 140 (1811); 473 (1816); 514 (1817); 413 (1818); 488 (1819); , 497 (1820).

 

     O curso de comercio nesta academia revelaram-se muito mais completo dos que os que  existiam em Lisboa, tinha materias inovadoras como Geografia, História do Direito Comercial e Comparado, Cambios, Filosofia Racional, Agricultura, etc. A frequência das aulas apenas foi elevada no seu inicio, decaindo pouco depois (10) . Em 1837 foi transferido para a Academia Politecnica do Porto, sendo extinto em 1897.

    Em 1818 iniciaram-se os primeiros cursos de agricultura (11), sob a direcção do Dr. Joaquim Navarro de Andrade, lente de Prima e decano da faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Este curso registou no primeiro ano uma inscrição de 32 alunos, e no seguinte de 13 alunos. Em 1837 é também transferido para a Academia Politécnica do Porto, sendo extinto em 1885.

    A partir de 1825, os professores da Academia são equiparados aos lentes da Universidade  de Coimbra, o que atesta da sua importância. Em 1837  Passos Manuel transformou-a na Academia Politécnica do Porto (12).

Em Construção ! 

Carlos Fontes

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Notas:

1) Coleccção das leis, T. I.,1750-1760.

2) José Luis Cardoso, Uma "Nota" Esquecida: O Ensino de Economia na Aula do Comércio, in Estudos de Economia, Vol.V, n.1 ( Outubro-Dezembro de 1984), pag.87 -112.

 Francisco Santana, A Aula de Comércio, Uma Escola Burguesa em Lisboa., in Ler História, n.4 (1985), pag.19-30

 Francisco Santana, A Aula de Comercio de Lisboa: I . Antecedentes; II -Relance Sobre a Vida de uma Escola; III- Dos Programas aos Exames, in, Lisboa Rev. Municipal, n.15,16 e 18 ( 1,2, e 4. Trim. 1986)

       Claudio de Moura Castro, Modernização e Ensino Tecnico: A Aula de Comercio na Era Pombalina, Texto Introdutório a Marcos Carneiro de Mendonça.

 

3) Decreto Real de 30 de Julho de 1762
4) Agostinho Rebelo da Costa, Descrição Topografica e histórica da cidade do porto. porto.1788,,pag.46.
5) Américo Pires de Lima, Origem da Academia Real da Marinha e Comércio da Cidade do Porto. Factos e Documentos Novos., in, Sep. do Boletim do Douro-Litoral , n.4. 2. Série. Porto.1946
 6) Alvará com Força de Lei de 29 de Julho de 1803
7) O que veio a acontecer apenas em 1818
8) Carta Régia de 27 de Agosto de 1817
9) Ávila de Azevedo, tradição Educativa E REnovação Pedagógica. Subsidios Para a História da Pedagogia em Portugal Século XIX. Porto.1972.
10) 1803: 91 alunos; 1807:11 alunos; 1808: 12 alunos; 1809:9 alunos;1810: 6 alunos; 1811:6 alunos; 1812:6 alunos; 1813: 4 alunos;1817: 23 alunos; 1920: 22 alunos.
11) Resolução Régia de 9 de Julho de 1818
12) Decreto de 11 de Janeiro de 1837