Idade Moderna - I

Livro Técnico

O Renascimento , provocou o aparecimento de uma nova associação, até ai impensável:  a união entre o "artifice e o estudioso". 

Uma das primeiras obras  representativas deste novo espírito, deve como é conhecido a um artista, Leon Bapttista Alberti ( 1404-1472 ), e foi publicada em 1434. "Trattato della Pittura ; Alberti apresenta não apenas uma nova concepção da perspectiva , mas uma nova maneira de olhar o saber dos artifices: ".... aprendia com toda a gente, fazendo perguntas a ferreiros, a construtores civis e navais, e até a sapateiros, não fossem alguns  deles possuir conhecimentos e segredos recônditos  da sua arte ." 

O livro, o saber fixado num texto, torna-se a base do próprio processo de transmissão do saber técnico, desvaloriza-se a tradição oral. Assim aconteceu na pintura com as obras de Brunelleschi, Ghiberti, Piero della Francesca, Leonardo de Vinci, Paolo Lomazzo; Nas máquinas de guerra com as obras de Konrad Keyser ( 1366-1405), ou o livro das máquinas militares de Vaturio da Rimini ( 1472); Em em outros domínios técnicos com os tratados de Fontana (1420) e Mariano ( 1438). A transmissão de novos conhecimentos segue cada vez mais a tratadística, e menos a informação oral.

No século XVI ocorre a verdadeira revolução no campo da produção da literatura técnica. A imprensa começou a veicular as grandes transformações cientificas e técnicas ,numa dimensão sem paralelo anterior. Pelo livro impresso passam agora, para quem soubesse ler, uma nova descrição do mundo e da natureza , particularmente  das  regiões recém-descobertas, e também pela primeira vez, dos processos das artes e dos oficios. Até ai as tecnicas dos artifices tinham sido transmitidas oralmente , por via da  tradição, sem nunca terem sido fixadas pela escrita. Os livros impressos tornaram este conhecimento acessível não apenas escrita, mas também por copiosas ilustrações que davam a conhecer as técnicas e processos inerentes aos diversos oficios.. A imagem impôs-se rapidamente com a imprensa, rivalizando com o texto.       

Entre as inúmeras obras editadas nos séculos dedicadas a oficios ou á descrição de processos técnicos, , destacam-se pela sua qualidade impar os dois Tratados de Durer sobre Geometria Descritiva e as Fortificações ( 1525 e 1527), a obra de balistica de Nicoló Tartaglia ( 1537), a "Pirotechnia" de Beringucicio ( 1480‑1539 ), que descreve as industrias metalurgicas, quimicas e vidreiras. Os dois tratados "De Re Metallica" de Georg Bauer ou Agricola ( 1546 e 1556), provavelmente o mais belo tratado técnico deste periodo, descreve minuciosamente não só os minérios e os metais, mas também as praticas e a economia da mineração. O "Teatro di Macchine" de Besson (1569), Os "Mechanicorum Libri" de Guidobaldo del Mont (1577); as "Diverse et Artificiose Machine" de Agostino Ramelli ( 1588), os Tres Livros de Mecanica de Simon Stevin ( 1586), a obra de Fortificações de Lorini (1597), os Tratados de Navegação de William Balowe ( 1597), Thomas Harriot ( 1597), e Robert Hues (1599).

Todos estes tratados, mais do que um registo de saberes essenciais que se procuram preservar, apontam as principais inovações técnicas, o novo saber, mas também procuram novos destinatários nos oficios mecânicos. Curiosamente algumas das traduções de autores clássicos são acompanhadas de notas dos tradutores em que referem esta circunstancia: Jean Martin que traduziu para o francês Vitruvio, em 1547, afirma que o fez para "os operários e outras pessoas que não entendem o latim". Walter Rivius, apresentando o mesmo tratado em alemão, em 1548, dirige-o "aos artesãos, aos artifices, aos cantoneiros, aos arquitectos, aos tecelões".

Na Alemanha protestante, editou-se nesta época um dos mais belos livros sobre as profissões, trata-se de "Eygentliche Bescheiibung Aller Stande Auff Erden" , editado em 1568 por Sigmund Feyer e ilustrado por 112 gravuras de Jost Amman, com versos de Hans Sachs de acordo com os ensinamentos de Martinho Lutero, e que ainda hoje é largamente utilizado na representação de diversos oficios.

Em Portugal, apesar do inicio da imprensa se ter iniciado a partir de 1487, o seu desenvolvimento até ao século XVIII nunca foi notável. O numero de impressoras durante o século XVI  , nunca terá ultrapassado as 50." O total das edições realizadas não vai além de mil e trezentos , o que dá uma média anual de 13 edições , exígua para um pais onde existia uma das maiores e mais movimentadas cidades da Europa e, a partir de 1559 , duas universidades. O numero de impressoras de Lisboa é notavelmente inferior ao de Barcelona , Sevilha, Salamanca ou Valência"[1]. A circulação da obras continuava a ser através de cópias manuscritas.

Dir-se-ia que o pais permanece á margem do movimento editorial que anima toda a Europa , apesar de um bom numero de edições de autores portugueses da época serem realizadas no estrangeiro[2]. 

Contudo, segundo Vitorino Magalhães Godinho as razões para a penúria de edições nos séculos XVI e XVII são outras: " As nossas grandes obras permanecem manuscritas ; o que se editou nos séculos XVI e XVII é uma pequena parte da produção nacional. A nossa cultura permanece essencialmente manuscrita, basta lembrar aqui tantos e tantos roteiros ou o Esmeraldo de Duarte Pacheco , para nos apercebermos do alcance que essa insuficiência da arte de impressão teve entre nós"[3].

Naturalmente no século XVI , as obras impressas de caracter profissional incidiram na grande aventura que era o mar e a guerra que ele imponha, destacando-se as seguintes: "Arte de guerra do mar", Fernão d'Oliveira, coimbra,1555; Livro de Milicia, Antonio Mendes Caldeira. Lisboa.1590;Trado da Milicia, Bartolomeu Filipe ( Desaparecido );Das Instruções Militares, Isidoro de Almeida, 1573; Dialogo e Discurso Militar, João da Fonseca .1573 ( des. ); Arte Militar, João de Carrião ( Des.); Tratado de Milicia,Manuel Soares ( des. ); Tratado de Milicia, Simão Miranda de Távora ( des.); ou especificas de arquitectura, como: Medidas del Romano, Diogo de Segredo, 1541 e 1542;

O século XVII não deixou de prosseguir  o trabalho de fixação e divulgação dos novos conhecimentos técnicos, num ritmo cada vez mais alucinante.  Alguns projectos inovadores vem contudo da parte de filosofos como Descartes e Leibniz, quando pretende associar á educação diversos suportes didácticos, extraídos do mundo dos oficios mecanicos:

Descartes advogou a construção no Colégio Real, assim como em todos os outros lugares que se destinassem ao publico , de diversas e amplas salas para os artifices , e juntar em cada sala um gabinete dotado de todos os instrumentos mecanicos necessários ou úteis ás artes que ali  fossem ensinadas.

Leibniz , idealizara uma exposição universal onde haveriam divertimentos, para atrair as multidões mas onde ao mesmo tempo se aprenderia a conhecer os instrumentos da ciencia, as invenções, máquinas e as descobertas mais recentes. Na sua sua obra, Ensaio sobre o Entendimento Humano, escrevia sobre o papel das artes mecanicas:" É da mecanica, por muito idiota e desprezada que seja (pois este nome caiu em desgraça no mundo ), é da mecanica, digo, exercida por gente iletrada, que nos vem as artes tão uteis á vida e que todos os dias se aperfeiçoam".

  No século XVII, não abundaram infelizmente entre nós a edição de manuais técnicos, o que não será de estranhar a dominação espanhola até 1640, com a protecção natural ás edições deste país, e depois a penúria de recursos resultantes da longa guerra pela restauração da independência. Muito pouco se editou, o que não significa que não circulassem obras técnicas entre nós. No entanto, registamos aqui algumas que nos parecem representativas das preocupações do tempo. Cobrem temas como a seda, a fortificação e a cavalaria, embora fossem os temas da guerra que monopolizaram todos interesses.

Sericultura: "Introdução Sobre a Cultura das Amoreiras, e criação de Bichos de Seda", P.D. Rafael Bluteau , 1679.;

Caça:" Arte da Caça", Fernandes Ferreira, 1616;

Cavalaria: " Cavallaria de Gineta", Pinto Pacheco, 1670; " Cavallaria de Brida", Pereira Rego, 1693.; " Alveitaria", Pereira Rego, 1693;

Architectura militar : " tratado de la fortificacion moderna", Manuel Fernandez de Villa Real, Paris.1649; " Methodo Lusitano de desenhar as fortificações ", Luis Serrão Pimentel, Oficina de Craesbeckiana. Lisboa.1680. "Arte Poética e de Pintura e Symetria, etc., P.Phillippe Nunes,Lisboaa.1615.

Farmácia: Apologia Farmaceutica pela Verdadeira Trituração da Japala..., etc.,de José Homem de Andrade. Lisboa.1691; Segunda Parte Apologética Pela Trituração da Japala, e de todos os Mais Medicamentos, segundo a Ordem dos Canones Universais de Mesue, etc., José H. de Andrade.Lisboa.1692;

Enfermagem: Luz da Medicina, Pratica Racional e Methodica, Guia de Infermeiros, etc., Francisco Morato Roma. Lisboa.1664;      Apenas no século XVIII Portugal sairá da situação de atraso em que encontrava-se, quando começaram a implantar-se com mais exito as manufacturas, e a renovarem-se os processos tecnicos seguidos no vasto mundo das pequenas oficinas.

Em Construção ! 

Carlos Fontes

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