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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Moderna - I

Aulas Régias

Com  a aceleração do progresso tecnológico que seguiu ao Renascimento, acompanhado de uma lenta, mas irreversível difusão das novas técnicas , as formas tradicionais de aprendizagem cedo se revelaram desfasadas das novas exigências do tempo.  No século XVI, sob a iniciativa dos monarcas, começam-se a instituir "aulas" sobre matérias que depressa se tornaram obrigatórios na formação nos novos mestres para alguns oficios. O ensino teórico ou baseado em Tratados de carácter técnico começava a adquirir um lugar próprio na formação profissional. Deste modo o Estado pretende não apenas garantir uma dada qualificação técnica de base, como a difusão de certos saberes no pais. Várias áreas de actividade foram sendo consideradas cruciais para o desenvolvimento da sociedade portuguesa, e são naturalmente contempladas com este sistema de aulas:  comércio, pilotagem, engenharia militar, arquitectura civil, desenho de navios, gravura, escultura, diplomática,  desenho ,etc.

1.Contabilidade. O comércio com o Oriente no século XVI impôs a necessidade de uma melhor preparação dos que se dedicavam ao comercio marítimo. É neste contexto que Pedro de Santarém publicará uma importante obra sobre "seguros", a avaliar pela quantidade de edições que conheceu na segunda metade deste século[1]. O facto talvez mais significativo terá ocorrido por volta de 1521, quando D. Manuel I ordenou que aos nobres, ligados á Fazenda Real fossem ministrados conhecimentos de contabilidade para que "supiesse la nobleça de libro de caxa j de cuenta j raçon atributos de la mercancia (...)", afim de que estes se mostrassem "Buenos mercadores" e "supiessem mejor encaminhar sus cozas particulares y reales"[2]. Estaremos perante a primeira escola de comercio portuguesa ? O assunto ainda está pouco estudado, mas revela já a importância que a formação nesta área começou a adquirir. Refira-se que nos séculos XVI e XVII, um numero considerável de obras sobre aritmética são publicadas com esta finalidade[3].

2. Cosmografia e Cartografia. No século XVI para as profissões do mar ( pilotos e mestres de cartas de marear), foram  criadas aulas de matemática. Na sequência de uma longa tradição pitagórica, os matemáticos do tempo, exploravam desde há muito as suas aplicações á geometria, astronomia, musica ( as artes do quadrivium),e assim como as suas relações com a pintura, náutica e arquitectura.

Não é pois de estranhar que Pedro Nunes, matemático,  que havia sido o primeiro cosmógrafo -mor do reino, cargo para que fora nomeado em 1547, tenha talvez leccionado matemática aos pilotos ou aos homens do mar que pretendessem exercer essa profissão. Certo é que em 1572, ele o fazia  para os jovens cortesãos que frequentavam a Escola de Moços Fidalgos do Paço da Ribeira. Romulo de Carvalho, admite ainda que os cosmografos-mor que se lhe seguiram, e que foram Tomás da Horta e João Baptista Lavanha tivessem continuado este ensino para pilotos. Seja como fôr, em certo altura tornou-se obrigatório a aprovação num exame de pilotos e mestres de marear, do qual se conhecem várias cartas de aprovação datadas dos finais do século XVI. "Um regimento de de 1592, considera que as navegações e viagens do reino exigem conhecimentos das pessoas que nelas intervém, pelo que determina que o cosmógrafo-mor dê aulas diárias,de matemática, em cujo programa constem o estudo da esfera, movimentos celestes, luas e marés, com uso pratico das cartas e dos instrumentos nauticos"[4].  

Estas Aulas da Esfera cedo despertaram o interesse da Companhia de Jesus, em parte devido ás suas missões em Africa e no longínquo Oriente. No seu Colégio de Santo Antão, desde 1590, pelo menos, que mestres jesuitas, na sua maioria estrangeiros, ministram uma aula da esfera. Durante o século XVII, estas aulas adquiriram mesmo uma grande reputação, antes de caírem num formalismo desligado de qualquer  relação com a prática.

O ensino de matemática pelos jesuitas, não se revelou apenas importante nas aulas de nautica, mas também ao nível das fortificações, onde eles tiveram um papel destacado no século XVII.

Após a restauração da Independência, em 1640, D. João IV volta a re-criar no âmbito da Corte o ensino de cosmografia essencial para a formação de pilotos. Assim em 1641 surge a célebre "aula de matemática e cosmografia ou arte de marear", sob a direcção de Luis Serrão Pimentel, que tem igualmente a seu cargo as aulas de fortificação.

 3. Arquitectura . As descobertas maritimas e o consequente processo de conquista ou de colonização, requereu entre nós o desenvolvimento da arquitectura de raiz militar. Até ao século XVII, como escreve Rafael Moreira[5], o arquitecto militar ou o civil em nada distinguem. Será a evolução das técnicas militares de fortificação que começarão a impor algumas distinções, mas esta relação umbilical persistiu entre nós até meados do século XIX. No século XVI, escreve este autor:

"O predomínio das ideias italianas veio acentuar a vertente teórica, "cientifica", da arquitectura, baseada no estudo e leitura dos tratados".

No reinado de D. Sebastião, graças a uma conjuntura militar favorável ao reforço dos sistemas de defesa militar centrados nas fortificações, surge entre nós o ensino da arquitectura militar. Após o inicio das aulas de matemática de Pedro Nunes em 1572, logo lhe seguiu igualmente na Escola de Moços Fidalgos do Paço da Ribeira, o ensino da arquitectura militar, dado por o "mestre-mor das fortificações", António Rodrigues,.Rafael Moreira que estudou este ensino, ministrado por António Rodrigues, com base nas suas "sebentas", de 1576 e 1579, descreve-as do seguinte modo:

 "Dependência absoluta da tratadística italiana; uso de Sérlio e Vitrúvio como livros de texto a explicar aos alunos; boa educação clássica, aliada a uma impressionante cultura cientifica que vai da teoria musical renascentista -- base da doutrina das proporções em arquitectura  -- à  cosmografia, astronomia ( de que já conhece Copérnico) , até certo pendor pelas matemáticas esotéricas muito comum no tempo".

Em 1594 Filipe II confirma a existência destas aulas, e estabelece sob a regência de Filipe Terzi, arquitecto-mor, as primeiras aulas de arquitectura civil entre nòs[6].O numero de aprendizes destas aulas não ultrapassava os três alunos. Depois de Terzi, seguiu-se á fente das mesmas, o mestre de arquitectura Nicolau de Frias ( 1597 a 1610), que tinha também em sua casa uma "escola-oficina". A frente das aulas contaram-se mais três outros Frias, o que faz pensar que o privilégio deste ensino persistiu ligado a uma familia. Depois foram os Tinocos, e por fim os Torrianos. Esta pratica foi seguida depois em relação á família de Luis Serrão Pimentel[7], que teve a seu cargo o ensino de fortificação .

O ensino de arquitectura era nesta época, uma continuação natural da prática que os alunos já em parte haviam adquirido nos estaleiros de obras. Uma experiencia prévia talvez fosse mesmo exigida, como condição para frequentar este ensino . Não é pois de estranhar que em 1602, Henrique de França, por exemplo, seja nomeado aprendiz por "Haver muito tempo" que estuda arquitectura, e já "servir nela". Em 1611, Eugénio de Frias é admitido, pela sua "habilidade" e por "haver muito tempo que estudava arquitectura". 

Estes arquitectos militares, ou talvez mais correctamente "engenheiros", em nada se distinguem dos civis, pois das suas mãos saiem não apenas projectos de fortalezas, mas também de igrejas, conventos, palácios, jardins, decorações festivas, etc.

Anos depois, Filipe II de Espanha extinguiu esta escola, transferindo-a para Madrid, sob a designação de "Academia de Matemáticas y Arquitectura", pondo fim a um ensino em que Portugal foi pioneiro na Europa.

4.  Engenharia Militar. Após a restauração da independência de Portugal em 1640, D. João IV  apressa-se a re-criar o antigo ensino de arquitectura militar, necessário o programa de fortificações que a guerra com a Espanha veio a exigir. Em 1641, pelo decreto de 13 de Maio, este monarca ordena ao cosmografo-mor e engenheiro-mor, Luis Serrão Pimentel ( 1613 -1678), que ensine "Artelharia e Esquadria". Pouco depois, a 13 de Julho de 1647, institui-se uma "Aula de Fortificação e Arquitectura",  que passou a ser ministrada na Ribeira das Naus sob a direcção Luis Pimentel. Esta Aula destinava-se a formar engenheiros portugueses, pois numa situação de guerra"serviriam El-Rei com mais amor", e "seriam muito maias seguros para estes reinos", sendo ainda por cima "menos custosos" e se "contem com menos"[8].

Anos depois, esta aula passa a denominar-se" Academia de Fortificação ", ou simplesmente "Academia Militar". Em 16 de Janeiro de 1689, já D. Pedro II, procura consolidar este ensino, instituindo o "Regimento dos Mestres Architectos dos Paços Reais", documento que passou a orientar a partir daí o ensino de arquitectura entre nós. O numero de aprendizes de cada arquitecto civis era fixado em quatro, sendo estes "obrigados a todos os dias irem tomar lição com o mestre".

Outra medida muito importante para o reforço deste ensino deu-se em 1695, quando D. Pedro II criou I Corpo de Engenheiros Militares, que permitiu constituir um corpo permanente de engenheiros ao serviço das obras do Estado. Este monarca procurou, sem grande êxito, criar várias aulas de fortificação pelo país, apenas o conseguindo fazer no Brasil. Seja como for, a Academia Militar conheceu entre 1694 e 1750 uma fase brilhante de actividade, sendo apenas extinta em 1779. Entre os aprendizes que se destacaram neste periodo sobressai João Antunes, o qual a 29 de Junho de 1699 foi promovido da praça de aprendiz de arquitectura civil a praça de arquitectos, por morte de Francisco da Silva Tinoco.

Um aspecto tem sido realçado no ensino de arquitectura no século XVII, o facto de os aprendizes exercitarem-se simultaneamente na ciência arquitectónica, e na execução das "traças que houverem de fazer". Teoria e prática estavam interligadas[9].

Tal como acorreu na Nautica, também no domínio das fortificações os Jesuitas desempenharam um papel muito importante.

"É digno de registo, escreve Fortunato de Almeida, que entre os mais distintos engenheiros de fortificações naquela época figuram alguns padres jesuitas".

O primeiro foi o jesuita holandes Padre João Cosmander, que no ataque dos espanhóis á praça de Elvas, em 1644, dirigia a defesa da praça sob as ordens do Conde de Alegrete, e mais tarde dirigiu as obras de fortificação desta praça. Outro, foi João Torriano que delineou as novas obras de fortificação á entrada da barra de Lisboa, no sítio da Cabeça Sêca, ou do Bugio.

No Colégio de Santo Antão onde tinha a Aula da Esfera,  os Jesuitas,  por serem lidos na geometria e na ciência das fortificações, eram chamados a dar parecer sobre as obras de defesa do reino. Ainda no final do século, no tempo de D, Pedro II, eram os jesuitas que apoiavam o monarca nesta matéria.

Ensino Simultâneo

O sistema das aulas cedo revelou a sua eficácia, o que ficou demonstrado pela preocupação como os monarcas as estabeleciam. Contudo, no século XVII, havia começado a divulgar-se pela Europa um novo sistema de formação profissional. O ensino dito "simultaneo", isto é, um grupo de crianças ou jovens, aprendem um ou mais oficios num espaço adequado fora das oficinas de laboração corrente.

Desde a Idade Média que existia, em paises como a França, pequenas escolas de paroquiais ou de "caridade", onde conjuntamente com o catecismo, se  ministravam os rudimentos dos oficios da escrita, como o de escriturários. No século XVII ,a mais célebre instituição neste domínio foi a  Congregação Religiosa fundada por  João Baptista de La Salle , em Reims (1680), destinada á educação cristã da juventude em escolas, colégios e obras anexas. Este instituto era composto somente por leigos, e introduziu novos métodos em pedagogia, não apenas pela utilização da língua materna , mas sobretudo pela forma como realizou  a formação profissional das classes populares. Neste século, em virtude do desenvolvimento da economia a formação nestas oficios sofreu um impulso: esboça-se um formação profissional colectiva, dita "simultanea". Charles Démid, director das Escolas de Lyon, foi o pioneiro deste processo: ele "empregava " os seus alunos nas lojas da cidade graças aos rudimentos  de escrita e calculo que tinham aprendido na sua escola. Em Portugal devido ao peso dos regimentos corporativos, e ao carácter tradicional das ordens religiosas que entre nós preponderam, este movimento só se fará sentir no final do século XVIII. 

Em Construção ! 

Carlos Fontes

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Notas:

]     [1]Francisco santana, A Aula de Comercio de Lisboa (1759-1844). Sep.dos ns.15,16, 18 a 23 de Lisboa. Revista Municipal.

[2]Maria Emilia Santos, Comunicação "Afonso de Albuquerque e os Feitores", em II Seminário de História Indo-Portuguesa.

[3] Ver, Ciencia e Desenvolvimento...., 1985, comunicação...

[4]. Romulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal. FCG.Lisboa.

[5]. Rafael Moreira, A Arquitectura Militar,História da Arte em Portugal, volume 7.1986.

[6]. O Alvará de 14 de Dezembro de 1594, estabelecia o ensino de arquitectura e geometria, nestes termos:"Eu, El-Rei ... hei por bem de fazer merce a Diogo Marques de um dos tres lugares, que ora ordenei, de pessoas naturais deste reino, para haverem de aprender arquitectura com Filipe Tercio, mestre das minhas obras... e que aprenderá Geometria com João Batista Lavanha, Cosmografo-mor destes Reinos". O Documento foi publicado por Sousa Viterbo

[7] O Cargo de engenheiro-mor, estava ligado ao de cosmografo-mor. Em 1641 o cargo de cosmografo -mor foi ocupado  interinamente por Luis Serrão Pimentel, devido ao impedimento de Antonio Mariz Carneiro, seu anterior titular. Em 1678 quando este faleceu, Luis Pimentel ocupou então definitivamente o cargo, sucedendo-lhe no cargo o seu Manuel Serrão Pimentel, e na regencia da Aula de Fortificação, também um filho seu de nome Francisco Serrão Pimentel. O cargo de cosmografo mor esteve sempre ligado a esta familia até que foi extinto em 1779.

[8]citado por Luis da Costa de Sousa de Macedos, Achegas Para a História da Engenharia Militar, 2. Congreso Nacional de Engenhararia.

[9]Bernardo José Ferrão, Projecto e Transformação Urbana do Porto na Época dos Almadas (1758 -1813).Porto.1985