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Carlos Fontes

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Idade Moderna - I

Ensino Universitário

Teologia, Cânones, Leis, Medicina, Cirurgia e Farmácia

A universidade em Portugal não ficou imune aos progressos científicos, nem ao acesso a novas fontes de saber proporcionados pela difusão da imprensa. A primeira medida foi transferir, em 1537, a Universidade de Lisboa para Coimbra. O principal objectivo parece ter sido a criação de um ambiente mais propício ao estudo, possibilitando um maior controlo dos estudantes e professores.

A mudança poucos reflexos teve na qualidade do ensino nos quatro cursos superiores - Teologia, Cânones, Leis e Medicina. Os grandes avanços faziam-se fora da Universidade e não nela.

O cardeal D. António (1512-1580), Inquisidor-Geral (1539-1580) e Pior do Crato, em 1563, criou na cidade de Évora uma Universidade, com um único curso - Teologia. Foram sendo muito limitadas as contribuições para o conhecimento desta universidade até à sua extinção no século XVIII.

1. Cânones

Numa sociedade onde a Igreja tinha um enorme poder, o curso de direito canónico era naturalmente de longe o mais frequentado na Universidade de Coimbra(11).

2. Teologia

Formação essencial para os clérigos e inquisidores. A orientação do curso de Coimbra estava longe de ser consensual, razão pela qual as várias ordens religiosas procuram criar os seus próprios cursos de teologia fora da Universidade. 

2.1. Na Universidade de Évora, e em particular o seu curso de Teologia, estava desde a sua génese ligada à Inquisição em Portugal. Facto que seta não obsta que nela tenha ensinado, entre 1568 e 1583, o jesuíta Luis de Molina. 

Os franciscanos e os dominicanos possuíam cursos próprios de filosofia e teologia. Os cónegos regrantes de Santo Agostinho, com o apoio do Duque de Bragança - D. Teodósio -, procuraram criar em Vila Viçosa também um curso de teologia (12).

3. Leis

Na Universidade de Coimbra o curso de Leis teve sempre um número muito reduzido de alunos. Algumas das suas cadeiras eram comuns com o curso de cânones.

4. Medicina

O ensino de medicina deu os seus primeiros passos para ligar a teoria à pratica dos físicos. Até então havia uma clara distinção entre o professor de medicina e o que a exercia, o prático. A experiencia do ultimo não se reflectia no saber do primeiro.

A preponderância das ordens religiosas no ensino universitário não facilitava esta união. O ensino de medicina nascera ligado aos Cruzios e era reclamado por eles ainda no século XVI.

O estabelecimento por D. João III da Universidade em Coimbra,  corresponde também à intenção de atribuir á Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho o ensino de medicina, assim como os restantes níveis do ensino universitário. 

O ensino de medicina, em 1538, foi transferido para o Mosteiro de Santa Cruz, sob o pretexto aí já se ensinava Artes ( estudos preparatórios ) para os cursos de medicina, teologia e Leis. 

Os "cruzios" até 1543 sustentarem uma intensa polémica com os restantes docentes que defendiam uma maior autonomia da Universidade[1].  A situação só foi alterada, em 1544, quando ficou á frente da da Universidade e do Mosteiro as mesmas pessoas, Frei Diogo de Murça e Frei Brás de Barros, os quais resolveram mudar definitivamente a universidade do convento para os Reais Paços. 

Os Jesuitas a partir de 1544 passam a fazer concorrência aos Cruzios, propondo uma nova concepção de ensino preparatório para as universidades[2]. Este facto contribuiu para a criação de um clima de maior abertura na Universidade.

Em 1556 era criada a cadeira de anatomia[3], e no ano seguinte uma de cirurgia. Nos Estatutos da Universidade de 1591, o currículo do curso de medicina era constituído por 6 cadeiras, com a duração de cinco anos, sendo apenas uma ( Prima) de seis. 

Para além da cadeira de Anatomia e da de rudimentos de cirurgia, no essencial o ensino seguia os métodos escolásticos: o comentário de autores consagrados , como Galeno, Avicena, Hipócrates, e pouco mais. 

As sucessivas perseguições aos professores, e a influencia crescente do Jesuítas deitaram a perder este ensino. "A Sciencia da medicina está de todo perdida em Portugal, porque nem na Universidade há lentes nem pode haver bons discípulos"[4]. Muito poucas foram as alterações que o mesmo sofreu até 1772 , a não ser a sua acentuada decadência no século XVII. Inúmeros obstáculos se levantavam para o progresso da medicina universitária. Por exemplo, era proibido a dissecação dos cadáveres, e apenas no século XVII foi criado na Universidade um Teatro Anatómico. 

O exercício da profissão de médico era regulado pelo físico-mor.

No século XVI surge um duplo movimento na medicina, reflectindo-se em novas praticas formativas:

a) Regresso às ás fontes genuínas do saber médico da antiguidade clássica, às obras de Hipócrates e seus epigones helenos;

b) Progressão autónoma baseada nos conhecimentos adquiridos pela experiencia. Progresso que se manifestava na renovação da patologia , da anatomia e da matéria médica"[5].

Os médicos portugueses, ligados à prática, participaram neste ultimo movimento, ao trazerem para a ciência médica importantes contribuições para o aumento das possibilidades  da terapêutica, com as novas substancias provenientes do Oriente e do Brasil em especial[6] Neste contributo destacaram-se Garcia da Horta, Cristovão da Costa, o Boticário Tomé Pires e Amato Lusitano ( João Rodrigues de Castelo Branco), criadores do que se denominou "medicina exótica".

4.1. Judeus. Quando falamos da história da medicina e do seu ensino entre nós dos séculos XV a XVIII, não podemos deixar de fazer uma referência especial aos judeus. 

Desde o século XV que eles possuem uma enorme reputação em Portugal como médicos.

"As comunas hebraicas dispunham de médicos bastantes ( como Beja e Evora ) já que um discípulo de rabinos não podiam viver em terra sem médico "[7]

Ao longo do séculos XVI a XVIII é notável a quantidade de ilustres médicos de origem judaica que existiam em Portugal, ou foram forçados a abandonar o pais e adquiriram grande reputação pela Europa fora[8]

Os que cá ficaram , convertidos á força ao cristianismo, ainda no século XVII se destacavam face aos médicos de outra formação religiosa. Em 1606 era criado o Colégio dos Médicos Cristãos -Velhos" e em 1653 surgia o "Regimento dos Médicos e Boticários Cristãos -Velhos"[9].

Apesar das perseguições, nunca deixou de existir no país médicos de origem judaica. No século XVII, haviam cristãos- novos com a profissão de "idiotas" - barbeiros, sangradores, curandeiros, e, ainda no final deste século se contavam cerca de dois mil "idiotas" em todo o pais[10] O termo "idiota" utilizava-se por oposição ao de "médico latino".

4.2. Hospitais e Cirurgiões. O número de médicos formados na Universidade de Lisboa e depois na de Coimbra, era diminuto para as necessidades da rede hospitalar do reino. Calcula-se de no final do século XV existissem em Portugal cerca de 411 hospitais, o que dava uma média de 1 hospital para 3.650 a 4.866 habitantes. Lisboa contava na altura com 61, a que se acrescentavam 5 albergarias, 8 mercearias e 5 gafarias (3). Várias corporações de oficios, como os alfaiates, tinham os seus hospitais privativos.

Os verdadeiros médicos eram os práticos, como os cirurgiões formados nos hospitais. O exercício da profissão de cirurgião, só podia ser exercido depois de um exame feito pelo cirurgião-mor ou pelo seu delegado. A formação era feita em hospitais, tais como:

- Hospital de Todos-os-Santos de Lisboa, criado em 1492, mas só concluído em 1504, era o maior de Portugal. Funcionou até ao dia 1 de Novembro de 1755 como a principal escola de cirurgia do reino, onde eram ministradas aulas de anatomia e cirurgia. O curso tinha a duração de 2 anos, conforme consta no Alvará de 26/7/1559.  

- Hospitais das Misericórdias

- Hospital de D. Lopo no Porto (criado em 1605. Futuro Hospital de Santo António); 

- Hospitais Militares. O hospital de Chaves, criado durante as guerras da Restauração da Independência (1640-1668), no final do século XVII já possuía uma "Aula de Anatomia e Cirurgia", para a formação de cirurgiões. 

Os que não tinham acesso aos físicos ou cirurgiões recorriam aos boticários, barbeiros, sangradores e curandeiros.

A perseguição que a Inquisição fez a partir de 1536 aos médicos judeus, contribuiu para o profundo retrocesso na medicina em Portugal que se regista em finais do século XVI e princípios do XVII.

4.2.Muitos alunos frequentavam, como vimos, cursos de medicina no estrangeiro, recebendo para tal bolsas do Estado ou de ordens religiosas, o que contribuía para a melhoria das práticas médicas.

5. Farmácia

A historia dos Farmacêuticos, também conhecidos boticários é bem conhecida em Portugal.No século XV sob a influencia dos árabes os boticários adquiriram aqui um elevado estatuto social.

O Mestre Anamias, árabe originário de Ceuta, esteve na origem da célebre "Carta de Privilégio" que os boticários receberam , outorgada por D. Afonso V em 1449. São então equiparados aos "físicos", o que atesta o seus reconhecimento social.

Em 1497 os boticários em Lisboa numa postura municipal é-lhes exigida que em cada botica tivessem cinco livros: "Huua Pandeta, e huu Mesue, e huu Nicolaão, e huu servidor de Serapiam, e huua Quinto da Vicena". O saber dos farmacêuticos estava compendiado em livros de fácil acesso. 

Data contudo apenas de 1515 a primeira carta de exame conhecida de um boticário : Diogo Velho, morador em Coimbra, e que aprendera quatro nos a arte de botica e que trabalhara outros dois com o mestre Lopo, boticário da Rainha. Em 1521 surgem já as disposições sobre do exame dos boticários no regimento do físico-mor. Em 1572, nos Regimentos de Duarte Nunes de Leão os boticários contam-se como uma dos oficios mecânicos, regendo-se por regimentos similares.

A partir do século XVI a produção de obras escritas sobre a produção de "xaropes" e outras "mezinhas" aumenta consideravelmente, até atingir a sua máxima expressão no século XVIII.

A verdade é que o ensino de farmácia andava rodeado de segredos: nos mosteiros, entre os árabes e os judeus. A prática da ocultação era generalizada à maioria dos oficios. Este facto impedia a difusão deste conhecimentos. A intervenção régia tinha neste capitulo uma importância decisiva na imposição do ensino. 

Foi durante o Reinado D. Sebastião que se estabeleceu a primeira aula de botica na Universidade de Coimbra. Um notável regimento da Universidade datado de 1604, estabelecia 20 lugares, com a duração de seis anos. Nos dois primeiros aprendiam os alunos latim, essencial dado o facto das obras de farmacopeia estarem nesta lingua. Nos quatro seguintes, praticavam numa botica do Reino. Após a mesma, e uma vez considerados aptos, submetiam-se a uma exame cujo juri constituído pelo lente de Prima e de Véspera de Medicina e dois boticários cidade. Este exame dispensava, como em medicina, o do físico-mor.

Como acontecia com os médicos e cirurgiões, a passagem desta "carta de exame" podia ser feita pelo físico-mor, independentemente e qualquer formação na Universidade. Assim aconteceu nos casos dos farmacêuticos até 1836.

O século XVII a botica como a medicina atravessou um período de profunda decadência, devido á violenta repressão que foi feita contra os árabes e judeus, os grandes cultivadores deste oficio  entre nós.  

D. Sebastião e outros monarcas proibiram  aos boticários, por exemplo, que tomassem aprendizes, sem a Câmara verificar se eram cristãos novos. Também era proibido aos boticários confiarem as suas boticas a moços e negros ignorantes, que trocavam os remédios, como havia ensinado a experiencia ."[13] Os mosteiros tornaram-se então os  "únicos" depositários do antigo saber farmacêutico.

Em Construção ! 

Carlos Fontes

Navegando na Educação

Notas:

[1]. M. Brandão, in Documentos de D. João III , e História da Universidade de Coimbra, pag.171.

    [2]. Para cursarem medicina os estudantes tinham que ser bachareis em artes, cujo curso constava das cadeiras de filosofia natural, matemática e astronomia. A intervenção dos jesuitas no ensino veio reforçar o peso deste ensino preparatório, que devia agora conduzir as consciências ás normas da Fé revelada, orientado os graus superiores numa perspectiva teológica. Entre 1555 e 1708 a Companhia de Jesus possui o monopólio deste grau de instrução, tendo os alunos das restantes Ordens Religiosas de submeterem os seus alunos aos exames dos Colégios dos Jesuitas.

    [3]. 2Segundo todas as probabilidades, o Livro de texto que era usado, era o De Usu Partium de Galeno que, sendo uma das suas maiores glórias daquele homem, tinha sido em parte invalidado para a ciência pelos mestres anatómicos italianos. Galeno irá persistir até 1772 (...).As Dissecações anatómicas, cujo proveito ninguém pode discutir, nunca aqui tiveram desenvolvimento ", M. Lemos, op.cit., pag.187.Em 1619 o estado é tão caótico que é mandado fazer uma demanda, e constatando-se que no ano anterior se havia feito uma dissecção a um carneiro em substituição do corpo humano (T. Braga, ob.cit,T.II, pags. 533, 535, 539, 773 a 787).

    [4]  Carta de Francisco Thomás, primeiro médico do Hospital de Lisboa ao Bispo D. Jorge de Athaide, em 1592. Livro IV, do Antigo Cartório do mesmo bispo . Citado por D. António da Costa, Hist.da Inst.Pop. Portugal.1900.pag.86

    [5] Ricardo Jorge, Lusitania, 1924

    [6] Luiz de Pina, A Medicina Portuguesa de Além Mar no Século XVI. Coimbra.1935.

    [7]. Pinharanda Gomes, A Filosofia Hebraico-Portuguesa,Porto.pag.250.

    [8]. Ricardo Jorge, Canhedo dum Vagabundo.1924.pag.33

    [9]. Luis de Pina, HPB,VI, pag.513.

    [10].Henrique Jorge Henriques, Retrato del Perfecto Médico (1595), pag.110., citado por Pinharanda Gomes, op.cit.pag.251.

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