. História da Formação Profissional e da Educação em Portugal Carlos Fontes |
Idade Contemporânea - 1ª. República (1910-1926)
Formação
nas Empresas A formação realizada nas empresas era muito diversificada em condições e métodos. As grandes empresas possuíam verdadeiros centros de formação profissional e às vezes escolares.
"O estabelecimento de uma aula de instrução primária no
Arsenal da Marinha , na qual recebem ensino
os numerosos aprendizes que trabalham neste estabelecimento , era uma
necessidade. Os operários não podem bem desempenhar os melhoramentos
introduzidos em todos os artefactos aplicáveis ao serviço da marinha, sem
que tenham os indispensáveis princípios elementares. Neste propósito
acha-se já funcionando umas aulas de instrução primária, dirigida por um
hábil professor indicado como próprio para esse mister pelo comissário dos
estudos nesta capital. A dita aula tem sido frequentada
por perto de 160 alunos, os quais, na sua maioria, pertencem ao
Arsenal da Marinha, e alguns deles, não poucos têm dado suficientes
provas de aproveitamento" ( Relat. do Ministro da Marinha e Ultramar
apresentado ás cortes na sessão legislativa de 1858 e 1859). O
êxito desta iniciativa, rapidamente se traduziu em novas
iniciativas, e em 1862, esta escola leccionava já um leque de cursos muito
amplo: "instrução primária, aritmética, mecânica e noções de máquinas
de vapor, desenho e princípios de perspectiva , adicionou-se uma cadeira de
francês" ( relatório de 12 de Janeiro de 1863). A
frequência da escola ascendia já a 188 alunos, tendo 62 realizado
exames, 42 ficaram aprovados e 3 foram mesmo distinguidos. Em 1868, pelo decreto de 30 de Dezembro, artigo 46 e 47. , a Escola
passava para a dependência da Escola Naval, reorganizava-se, fixando novas
condições de admissão. O desenvolvimento desta escola irá prosseguir,
sendo durante anos e anos um marco no domínio da formação profissional nas
empresas. Durante a I Republica, o Arsenal da Marinha revelou desde logo
possuir uma sistema bastante consistente em termos de formação do seu
pessoal. A nota mais saliente é já a sua articulação com o ensino
industrial ministrado pelo Estado:
"A admissão do pessoal operário era feita quase exclusivamente
pela via do aprendizado e, em todo o caso, eram exigidas determinadas
"habilitações literárias" , no mínimo a instrução primária.
"Tirando o caso dos serventes , escreve João Freire,
que desempenhavam apenas trabalhos
auxiliares de limpezas , transportes , etc., os aprendizes que
ingressavam no arsenal faziam-no para uma determinada especialidade
profissional, á qual ficavam vinculados para o resto da vida: era-se
carpinteiro de branco ou de machado, ou serralheiro civil, ou torneiro mecânico, ou caldeireiro --- por profissão. E cada profissão correspondia
fundamentalmente a uma grande secção do Arsenal, a que se dava o nome de
"oficina".
" Entrava-se como aprendiz e tinham de se galgar as quatro
classes que compunham o aprendizado . O mínimo tempo de estada em cada uma
era de 6 meses, mas raramente se baixava do ano. Por outro lado, não se
tratava de promoção por antiguidade, mas sim de avaliação da capacidade
profissional adquirida. Assim, para além da informação - decisiva - dos
oficiais com quem trabalhavam, aos aprendizes eram exigidos exames de
passagem e a frequência da escolaridade do curso industrial, ou equivalente,
de modo que o jovem só poderia passar a oficial com as "necessárias
habitações literárias e cientificas", ou seja , com o curso
industrial completo da sua especialidade." Este facto irá levar ao
abandono do Arsenal de inúmeros operários ao fim de alguns anos.
Problema
da Aprendizagem nas Fábricas O conceito de aprendizagem, como o de aprendiz, nunca foram claramente definidos. O regime de aprendizagem só começou a adquirir contornos nos Regimentos no final do século XV, mas não se pense que assumiria um carácter preciso. Em geral não passava da fixação de um tempo que obrigava um mestre a assumir um aprendiz. O conteúdo da aprendizagem ficava ao critério do mestre. Durante a
primeira Republica a situação
dos aprendizes, e da própria aprendizagem começou a isolar-se como um
problema social que havia que dar uma resposta. Em Janeiro de 1912 escrevia-se na
revista Lumen, que entre nós o
conceito de aprendizagem era algo muito distinto, na Lei ou na Realidade: "Aprendizagem - Na letra do Código Civil é o contrato que se celebra entre maiores, ou entre maiores e menores devidamente autorizados , pelo qual uma das partes se obriga a ensinar á outra uma industria ou um oficio. Na prática é uma forma de exploração da infância. Actualmente , a troco d'um mísero salário, por vezes mesmo sem salário algum, o aprendiz é, em todos os ofícios, empregado nos misteres mais diversos: faz recados, varre a casa, vai buscar água, leva bofetões, pontapés, puxões d'orelhas , vergastadas, é tratado desroavelmente de insultos , entre obscenidades ". Entregue a si próprio o aprendiz , não tem defesa
possível contra
as arbitrariedades, nem em caso de qualquer acidente. Apenas em 1890 , surge
em Portugal a primeira legislação de protecção aos aprendizes, o decreto
de 10 de Fevereiro de 1890; seguindo-se depois a lei de 7 de Agosto de 1890
e o decreto de 14 de Abril de 1891; Estes diplomas inspiravam-se
directamente na célebre Conferencia Internacional de Berlim de 1890, a qual
havia enunciado os princípios básicos que deveria obedecer a legislação
sobre esta matéria, mas onde o conteúdo da aprendizagem nem sequer é
considerado. A preocupação dos legisladores centravam-se apenas ao nível
das condições do trabalho dos menores, tais como: equiparação do
trabalho com a força do menor; o período de trabalho e o descanso diário
semanal; a obrigação de frequência escolar; a proibição do trabalho
nocturno, subterrâneo, perigoso ou insolubre; a vigilância a exercer sobre
os menores quanto á segurança , á saúde física e moral e aproveitamento
escolar, cujo controle seria exercido por um serviço de inspecção
adequado. Anos depois, em 16 de Março de 1893 e em 1895, voltava-se a legislar
sobre assunto: Em 1893, quando Bernardino Machado estava á frente das
Obras Publicas , procurou sobretudo instituir um sistema de recolha estatística sobre o trabalho nas oficinas. Em relação aos menores de dez a
doze anos, a lei limitava-se a impedir a sua admissão em estabelecimentos
industriais desde que frequentassem escolas publicas ou particulares. A
partir desta idade, e no caso de o fazerem estariam sujeitos á vigilância
de um inspector que controlaria o seu aproveitamento escolar... Em 1895 proibia-se a aplicação de castigos corporais , bem como
esforços fisicos de carga ou ás costas, superiores a 10 ou 15 kg, ou esforços
violentos, ainda que momentâneos. Na prática estas medidas não passavam do papel, a prática corrente
entre nós foi sempre a exploração do trabalho dos menores. Apenas em 1919, por exemplo, com o Decreto n. 5637, de 10 Maio de
1919, foi contemplada a grave questão das deficiências adquiridas durante a
aprendizagem, responsabilizando-se a entidade patronal pelo sucedido com os
menores ao seu serviço. As relações dos aprendizes com os mestres nunca foi pacifica : as
queixas de maus tratos são um longo rosário sempre bem actualizado. A fuga
dos aprendizes era uma constante. A
aprendizagem estava profundamente inserida no mundo do trabalho, obedecia as
mesmas leis de exploração . Para o patronato a formação dos aprendizes
funcionava, muitas vezes como uma forma de pressionar os mestres a aceitarem
condições que lhes impunham, pois se não as aceitassem poderiam ser mais
facilmente substituídos. Para os mestres e ajudantes a formação dos
aprendizes era uma ameaça para o seu próprio futuro.
Em 1913, o assunto foi particularmente discutido no I Congresso
Nacional Corporativo da Industria de Calçado , a 3. Tese então apresentada
fazia o ponto da situação:
" A aprendizagem é um dos factores que concorrem para a grande
crise que está latente , pois que
o oficial que tem a seu cargo um aprendiz , não lhe ensina o oficio, mas
sim o põe apto a palmilhar e pontear , com prejuízo de todos os outros. E
fácil é de ver que uma grande parte dos oficiais
que tem como seus
auxiliares aprendizes e os chamados ajudantes , o que dá em resultado
produzir mais do que compete, ( por exemplo) o oficial por si produz um par
por dia, mas juntando a si o aprendiz, que em lugar de aprender trabalha
como um explorado, aumenta essa produção que dá lugar á falta de
trabalho para outros". O
que estava em jogo não era apenas a utilização do aprendiz
como força de trabalho barata, era igualmente a qualidade da própria
aprendizagem, dado que a mesma se submetia a todo um sistema que começava
na casa e terminava na fábrica:
"O aprendiz actualmente não vai por tendência aprender qualquer
oficio. A maioria das vezes são os pais que escolhem o oficio que os filhos
hão-de aprender, tendo sempre em mira aquela que mais depressa lhe possa
auferir lucros; o mesmo caso se dá com o oficial-mestre que tome conta do
aprendiz para o ensinar, o que menos faz, pois que a condição da maioria
dos oficiais-mestres , não tem o intuito de ensinar , mas sim de explorar,
o que dá em resultado que profissionalmente é também prejudicial.
" Em regra ao oficial -mestre não convém ensinar mais que o
necessário para lhe tirar maiores lucros, o que dá lugar a que quando o
aprendiz se quer emancipar do mestre, ou seja do primeiro explorador, não
estar habilitado a fazer o par com perfeição , e assim oferecer o seu
trabalho por mais baixo preço, dando lugar ao industrial mercadejar com
operários, como escravos." Em construção ! Carlos Fontes |
Notas: |