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História da Formação Profissional e Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Período Medieval 

Confrarias de Mesteres

As formas de entre ajuda nos mesteres apenas assumem uma forma organizada no século XII,  quando se constituíram as primeiras Confrarias com uma finalidade assistencial. A sua importância para a organização dos mesteres em Portugal, tem sido injustamente desvalorizada.

Os Regimentos dos Mesteres só surgem entre nós, em finais do século XV , o que constitui um facto anómalo no contexto europeu[1]. Podemos afirmar também, que estes regimentos constituíam no essencial numa sistematização de regulamentos oficiais anteriores, e não foram gerados nem por movimentos corporativos dos mestres, nem se traduziram em novas formas de organização destes, antes se apoiaram nas antigas Confrarias, e até reforçaram as suas funções, com novas atribuições.

A longa sobrevivência das confrarias ou irmandades como organizações de base dos diferentes mesteres, está ainda por analisar com rigor, e sem preconceitos. As suas atribuições e actividades não pararam de aumentar com o aumento da complexidade dos diferentes mesteres.

As primeiras confrarias surgiram entre nós no século XII, tendo a dupla vertente de ajuda mútua e beneficência, sob a protecção de um santo patrono. Entre as primeiras confrarias de mesteres, conta-se a dos sapateiros e alfaiates em Guimarães em 1269.

Através de um estudo recente  sobre a confraria de Santo Ildefonso de Santarém[2], no século XIV e XV, podemos acompanhar  a evolução de uma destas organizações: na Judiaria desta cidade, Juizes, Vereadores, procurador e homens bons da vila, haviam criado no Século XIV, uma capela e um hospital de Santo Ildefonso, mas em 1370 doam-nas  aos carpinteiros.  Estes não tardaram a constituírem  uma Confraria sob protecção deste Santo, com a finalidade de não apenas prestarem o seu culto, mas de protegerem os seus imãos doentes ou necessitados, estabelecendo para o efeito um Compromisso onde constavam todas as regras que a mesma obedecia e a assistência que praticaria. No século XV a Confraria alargou-se aos pedreiros, mas manteve-se fiel aos seus compromissos.

O Compromisso da Confraria fixava as obrigações recíprocas dos "irmãos", nomeadamente quanto ás Obras de Misericórdia que eram muito vastas: desde a assistência durante a doença, velórios, missas pela alma do defunto, custos do funeral no caso do confrade ser pobre, apoio aos irmãos presos, apoio no casos de ruína ou incêndio na própria casa, etc. Ninguém se podia furtar destes Compromissos, sob pena de multas pecuniárias.

No decorrer dos séculos XVI, XVIII e XVIII, os vários regimentos vão oficializando o papel das confrarias no itinerário profissional de qualquer individuo: quando inicia a sua aprendizagem, o seu nome passava a constar no livro dos aprendizes existentes na Confraria; quando a conclui, o mestre tem que dar conta á Confraria, fazendo a partir daí o novo oficial parte da mesma como irmão; quando requer exame, quem o examina são os juízes eleitos na confraria, etc. A eleição dos representantes dos mesteres para os diversos cargos corporativos ou municipais, em que os mestres participam, em todos os casos a eleição é feita no interior da confraria: "vedores", representantes á casa dos Vinte e Quatro, Juizes Examinadores, todos tem que fazer parte da confraria.

A "carta" de autonomia de um oficio passava, invariavelmente pela constituição de uma Confraria.

Ainda no século XVII, vemos um grupo de pintores de óleo associarem-se numa empresa para adquirirem uma capela dentro da Igreja da Anunciada, e para a criação de uma Irmandade que defenda os seus interesses, a de S. Lucas[3] 

As confrarias possuíam em geral um património próprio, muitas vezes riquíssimo. É impressionante o vasto conjunto de capelas em igrejas e os hospitais criados pelas diferentes Confrarias. Muitas constituíram-se mesmo para fundarem um hospital, sendo um pratica comum os mesteres se reunirem numa dependência destes ou á porta das Igrejas[4].

Em 1492 há noticia da existência em Lisboa de Hospitais próprios dos seguintes mestres: Alfaiates, Armeiros, Caldeiros e Barbeiros; Carniceiros Carpinteiros e Pedreiros; Ourives; Peleteiros; Tanoeiros; Tecelões, assim como do grande Hospital de S. Vicente, que existia junto á Casa da Camara, e que pertencia aos Burzeguieiros, Sapateiros, Chapineiros, Segueiros, Curadores e Curtidores. Neste ano, constituiu-se o Hospital Real de Todos os Santos, no Rossio. Numa das suas dependências, reuniam-se segundo uma antiga tradição, os representantes dos mesteres, e neste caso os vinte e quatro representantes nos orgãos municipais[5]. Ainda hoje é possível encontrar em Lisboa, muitos dos vestígios da vasta rede de capelas e igrejas ligadas ás Confrarias dos mesteres que se espalhavam por todo o país. Entre elas avultam as seguintes, pela sua singularidade : A Igreja de São José dos Carpinteiros, na rua de S. José; a Capela de São Crispim e São Crispiniano, em São Mamede, ao Caldas, próximo da Patriarcal, que pertencia aos sapateiros;  Igreja Paroquial de Santa Catarina, dos Livreiros; Igreja de Santa Justa, da evocação dos Oleiros e outros trabalhadores do barro; Ermida do Espírito Santo, em Alfama, padroeira dos Navegantes e pescadores; Ermida de Nossa Senhora da Oliveira, na Rua de S. Julião, da evocação dos confeiteiros; Igreja do Mosteiro da Esperança, dos Pescadores, e por último a Capela de S. Roque, na Ribeira, dos carpinteiros e calafates.[6] Os vestígios dos hospitais mantidos pelas Confrarias são muito raros, dado que as Misericórdias foram absorvendo esta função assistencial, e em menor escala o próprio Estado.

A grande manifestação publica destas confrarias de mesteres fazia-se todos os anos na procissão do "Corpus Christi"ou Corpo de Deus, e da qual Alexandre Herculano nos pintou um admirável fresco em O BOBO.

Podemos assim concluir que o exercício da maioria dos oficios desde o século XVI até meados do século XVIII, passava por duas condições a partir do século XVI: primeiro obedecer ás prescrições legais dos Regimentos e em segundo lugar, pertencer a uma Confraria. Ainda em 1776, por exemplo, para abrirem loja os douradores, armeiros, latoeiros, batifolhas, goadamisileiros e freeiros, para além de serem examinados, deveriam ser irmãos da Irmandade de S. Jorge. O vinculo religioso era tão importante, como o corporativo.

Mesmo depois das corporações terem sido extintas, muitas Confrarias mantém-se em actividade no pais, defendendo os interesses dos seus membros: Após a extinção das corporações ,os calafates mantiveram-se associados na sua Irmandade sob a protecção de S. Roque  no Arsenal da Marinha até 1928 quando esta foi incorporada na caixa das pensões...

Uma das questões que está por resolver é a relação que Judeus e Árabes tinham com estas Confrarias. A obrigatoriedade de os diferentes mestres fazerem parte de uma, exigia naturalmente que estes nelas participassem. Na realidade temos conhecimento que o fizeram na Irmandade de S. Lucas[7], como de perseguições que foram movidas contra os judeus no interior das confrarias[8]

Carlos Fontes

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Notas:

1] O (1(1) Livro dos Oficios

(2 ) Manuela Santos Silva, A Assistencia Social na Idade Média. Estudo Comparativo de algumas instituições de beneficencia de santarém.in, Revista "Estudos Medievais",n.8.1987.

 (3 ) Vitor Serrão, ob. cit., pag.160

( 4 ) Paulo Varela Gomes, referenciou no Portal do Mosteiro dos Jerónimos a marca de um mister

(5) O termo "Casa dos Vinte e Quatro", terá segundo afirma Marcelo Caetano, derivado desta casa  onde se reuniam, e só depois passou a identificar o conjunto destes representantes. cf. Marcelo Caetano, História do Direito Portugues, pag. 502.

(6) Luis Chaves, Lisboa nas Auras do Povo e da História, Vol. IV. 1969.

( 7) F.A. Garcez Teixeira, A Irmandade de S. Lucas, 1931

( 8 ) A . Lucio de Azevedo (?),Hist. da Inquisição (?)