Carlos Fontes

A globalização é como um oceano onde desaguam povos e culturas. Aquilo que estava longe fica perto, o que era distinto confunde-se. A mestiçagem de povos e culturas perspectiva-se no horizonte.

 

O problema é que neste imenso mar desaguou também todas as humilhações e memórias de matanças milenares. Quem apagará da memória dos africanos os séculos de tráfico de escravos? Dos indios da América o roubo e expulsão das suas terras sagradas? 

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Durante milénios habituamo-nos a monólogos: os que tinham o poder eram os únicos que se faziam ouvir sobre a razão das coisas. A globalização trouxe consigo, a voz dos povos dominados que pensam de modo diferente sobre o mundo em que vivemos.Heróis imaculados, tornaram-se de repente simples  carniceiros. Todos os discursos apologéticos que lhes são feitos não conseguem abafar o imenso coro das suas vítimas.

 

  Quem irá convencer os portugueses que o primeiro dos bandidos ocidentais de quem se fala da Costa Oriental da África à India, é o Vasco da Gama que Camões cantou?

Quem irá convencer os espanhóis que os seus conquistadores da América, mataram mais indios do que todos os mortos contabilizados na 2ª. Guerra Mundial? 

 

 
 

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O criminoso que a França trata como herói

Quem irá convencer os franceses que Napoleão Bonaparte, fora da França, não passa de um criminoso que destruiu meia Europa, os seus exercitos mataram milhões de pessoas impondo a lei do saque.

Quem irá convencer os franceses que o seu discurso sobre a pátria da "Liberdade", "Igualdade" e "Faternidade", dos massacres e roubos que ao longo dos últimos duzentos anos fizeram em  Portugal, Espanha, Itália, Rússia, Argélia, Marrocos, Túnisia, Indochina, etc, se tornou numa lengalenga própria para criancinhas?

 

 
  Quem irá convencer os ingleses que a virtuosa armada imperial que perseguia os navios que se dedicavam ao comércio de escravos foi também utilizada para obrigar a China a comprar-lhes ópio ? 

 

 
  Quem irá convencer os alemães que todos os outros povos não conseguem dissociar a pátria de Kant, Hegel, Goethe, da que viu nascer os mais hediondos criminosos do século XX?

  

 

Quem consegue convencer os norte-americanos que o desperdício dos recursos que fazem neste  planeta, não é apenas uma manifestação de prosperidade económica e bem estar, mas é também sentido como um insulto por parte dos milhões de  famintos deste mundo?

Quem os convence que o mundo não é um território para a predação de povos e recursos naturais, mas uma casa comum onde têm que aprender a conviver?

   
 

Continua

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