Grã-Bretanha: Um membro
incómodo?
Desde a sua adesão, em 1973, à
CEE- Comunidade Económica Europeia que tem mantido uma singular coerência na sua política. A actual União Europeia,
como a anterior CEE é para a Grã-Bretanha uma organização de estados soberanos,
cujo único objectivo aceitável é a facilitação das trocas comerciais entre si.
Tudo o mais é dispensável.
Foi convidada, em 1957, para
aderir à CEE, mas recusou. Como alternativa à CEE, esteve na base da criação
da EFTA, mas perante os bons resultados económicos da CEE acabou por pedir a sua
adesão em 1962. A França vetou a sua adesão, pois o presidente francês - o
general De Gaulle -, defendia que a Grã-Bretanha seria um instrumento dos EUA na
CEE.
Foi por esta razão que só pode
aderir à CEE, em 1973, após a morte do general e da realização de uma
referendo, em França, sobre a adesão da Grã-Bretanha, Irlanda e da Dinamarca.
Desta forma a CEE passou de 6 para 9 membros.
Recusou-se a contribuir para a
CEE, com mais do que da mesma recebia. A adesão da Grã-Bretanha foi
ratificada por uma votação na Câmara dos Comuns, mas a vitória do Partido
Trabalhista de Harold Wilson, em 1974, exigiu uma renegociação das
condições de adesão financeiras da adesão, de forma a diminuir a contribuição da
Grã-Bretanha para a CEE. O governo trabalhista através de um referendo, a
5/6/1975, confirma a adesão à CEE, obtendo 67,2% dos votos. Prosseguiu todavia em aberto o problema da
contribuição.
O governo conservador de Margaret Thatcher, a partir de 1979,
continuou alimentar o eurocepticismo exigindo a redução da contribuição
financeira.
O mecanismo corrector, adoptado a
26/6/1984, no Conselho Europeu de Fontainebleau, que pôs fim ao conflito sobre o
orçamento comunitário entre a Grã-Bretanha e os seus parceiros na CEE.
Recusou aderir a aderir, em
1985, ao Espaço Schengen, uma posição que mantém em 2013.
Foi compelida a aderir
ao Acto Único, em 1986, mas recusou adoptar as suas principais medidas.
Subscreveu o Tratado de
Maastricht, em 1992, mas recusou-se a adoptar as suas principais medidas,
nomeadamente a moeda única - o euro (1999), e consequentemente os critérios de
convergência nominal. Não subscreveu também a Carta Europeia dos Direitos
Sociais Fundamentais do Trabalhadores.
Brexit
O processo de federalização da
União Europeia, consagrado no Tratado de Lisboa (2007), e posto em
prática na sequência da crise financeira iniciada em 2008, provocaram um
enorme sobressalto na Grã-Bretanha. A sua "independência" estava
finalmente em jogo. A
burocracia da UE, controlada pela Alemanha, deixa-lhe cada vez menos espaço de
manobra.
A situação que agravou-se depois
de 2008 quando a Alemanha passou a ser considerada a potência hegemónica da UE
ditando as regras para todos os estados membros. Entre os estados membros a
Grã-Bretanha é o país que tem mais dificuldades em aceitar uma posição
secundária numa UE dominada pela Alemanha.
A desconfiança na Grã-Bretanha
face à UE tornou-se também explosiva com a entrada de novos estados membros na
EU: 2004:
Eslovénia, Eslováquia, República Checa, Chipre, Estónia, Letónia,
Malta, Polónia, Lituânia, Hungria;
2007:
Bulgária, Roménia;
2014:
Croácia. As negociações prosseguem para a entrada de novos países, entre os
quais se encontra a Turquia.
A Grã-Bretanha foi "invadida" por uma massa crescente de migrantes
comunitários que reclamaram igualdade de direitos neste território. Nenhuma
medida do governo inglês foi capaz de conter a entrada de novos migrantes
comunitários. Á semelhança de outros países comunitários a
islamização da Grã-Bretanha
é uma evidência incontornável.
David Cameron
quando foi eleito primeiro-ministro da Grã-Bretanha, em 2005, tomou a UE
como alvo dos seus ataques afirmando repetidamente que a UE era a causa de todos
os males que o país padecia. Em 2007, aquando da assinatura do Tratado
de Lisboa fez questão de chegar atrasado para não aparecer na foto oficial.
Os "eurocepticos"
ingleses (advogavam a saída da UE) ganharam um novo alento, exigindo um novo
referendo sobre a permanência da Grã-Bretanha na UE.
Face a esta
situação, David Cameron, apresentou-se de novo às urnas em Maio de 2015,
com a promessa que se fosse eleito convocaria o referendo. Sem grandes surpresas ganhou as eleições com maioria
absoluta e tratou de marcar o referendo para 2016 (23 de Junho).
A UE entrou em
pânico face à possível vitória dos "eurocepticos", e tratou de negociar
condições especiais para a Grã-Bretanha permanecer na UE (26/02/2016), o que
significa uma clara violação dos princípios básicos da própria União Europeia. A
desconfiança estava instalada.
Saída
da Grã-Bretanha da UE
O referendo de 23 de Junho de
2016 acabou ditar a saída da Grã-Bretanha da UE. As razões que justificaram esta
vitória do "Brexit" são sinteticamente as seguintes:
1. Recusa de uma soberania
partilhada. O processo de integração europeia, nomeadamente a sua crescente
federalização, diminuíram drasticamente a capacidade de decisão dos governos e
parlamentos dos países membros. Os vários estados estão hoje submetidos a
decisões tomadas em Bruxelas, muitas vezes por burocratas que ninguém conhece. A
falta de democraticidade da UE, dominada por esta casta de burocratas foi dos
argumentos mais fortes apresentados por todos os que defendiam a saída da UE.
2. A questão da identidade
nacional. A UE implica uma clara secundarização das identidade
nacional dos povos, aos quais lhes são impostos símbolos, referências e
discursos comunitários. A Inglaterra, orgulhosa do seu passado imperial, sentiu
o processo de federalização da UE como uma ameaça à sua história e existência.
3. Domínio da Alemanha.
Desde a difusão do euro (2002) que a toda a UE passou a ser governada
pelos países da moeda única (Eurogrupo), e acima de todos pela
Alemanha. O poder alemão, ancorado na UE, secundarizou a Grã-Bretanha na
Europa e no Mundo. Ninguém quer saber o que pensa o governo da Grã-Bretanha, mas
o que a chanceler alemã tem a dizer. O orgulho inglês está ferido. Ironicamente
o poder alemão na UE que será reforçado com a saída da Grã-Bretanha.
4. Livre circulação de pessoas.
A livre circulação de bens e de pessoas são dois dos princípios fundamentais da
UE. Se quanto a mercadorias a Grã-Bretanha nada tem a opor, o mesmo não acontece
em relação à circulação de pessoas. David Cameron argumentou que a Grã-Bretanha
havia sido invadida por italianos, espanhóis, polacos, portugueses, romenos,
etc. , que exigem os mesmos direitos à segurança social que qualquer outro
cidadão britânico.
Estes são em síntese os
argumentos dos eurocépticos saíram vencedores do referendo, abrindo uma nova
etapa na história da UE, por enquanto marcada por uma enorme incerteza quanto ao
seu futuro. Qual será o próximo país a seguir o caminho dos ingleses? |