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A
Emigração na Literatura Portuguesa
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Desde
os século XV que o tema da emigração é uma constante na literatura
portuguesa. As suas grandes questões, percorrem de forma diversificada e profunda obras como a "Peregrinação" de Fernão Mendes Pinto,
"Emigrantes" ou "A Selva" de Ferreira de Castro, para já não falar de
romances recentes como "Gente
Feliz com Lágrimas" de João de Melo.
Associada
a esta temática, o exílio originou igualmente páginas incontornáveis da
literatura a portuguesa. Durante séculos, devido a perseguições religiosas ou
políticas, ou motivado por "exílios voluntários", este
abordado por escritores que o sentiram na pele, como Filinto Elísio, Almeida
Garrett, Alexandre Herculano, António Feijó, António Nobre, Manuel Teixeira
Gomes, Aquilino Ribeiro, Jaime Cortesão, José Rodrigues Miguéis, Jorge Sena
entre outros.
Ler
estes textos é não apenas acompanhar uma das dimensões mais impressionantes
da História de Portugal, mas sobretudo compreender melhor os dramas vividos por
milhões e milhões de pessoas em todo o mundo.
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Indía
O Estado da Indía, isto é, a vasta região
entre o Cabo da Boa Esperança (África do Sul) e o Japão foram nos séculos
XVI e XVII, a terra prometida para todos os aventureiros e emigrantes
portugueses.
Fernão Mendes Pinto (-1583) é um daquele
escritor incontornáveis da literatura sobre emigração. A "Peregrinação"
não é apenas o contraponto de "Os Lusíadas" de Camões, é também a
história de um português que ainda criança, para fugir à miséria, se vê
obrigado a deixar a terra onde nasceu (Montemor-o-Velho). O que a partir daí se
passa é o relato da vida de um emigrante, de terra em terra pelos mares do
Oriente em busca de um pecúlio que lhe permita viver com dignidade e que não
consegue amealhar no seu país. Todas as grandes temas da literatura sobre o
emigração estão já aqui presentes, como a saudade, o desconhecido, o
confronto entre culturas, a cobiça, o infortúnio, a escravatura, a
desagregação dos laços afectivos até à desumanização, mas onde ressurge
sempre a esperança num regresso sempre adiado e a solidariedade entre
compatriotas, marcado pelas suas continuas traições motivadas pela
cobiça ou a sobrevivência a qualquer custo.
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Diogo Couto, em "Soldado
Prático" denuncia pela primeira vez na História a exploração dos
emigrantes pelo respectivo Estado. Desde ao rei, passando pelos altos
funcionários e terminando no vendedor de promessas de longínquos Eldorados,
eram muitos os que ganhavam com aqueles que partiam para o Estado da Índia.
Após regressarem à pátria, os emigrante constatavam então que lhes era
negado aquilo a que tinham direito pelos trabalhos e perigos passados.
As promessas e compromissos assumidos aquando da partida, haviam sido
rapidamente esquecidos. Um forte sistema burocrático estatal suportava esta
"roubalheira" dos emigrantes, levando-os a desistirem dos seus
direitos. Nos nossos dias, um grande número de Estados continua a viver da
"roubalheira" dos seus emigrantes, nomeadamente das suas
remessas.
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Brasil
O
Brasil, em meados do século XVII, tornou-se na nova terra prometida para
milhões de
portugueses. Enormes vagas todos os anos travessam o Atlântico embrenham-se
depois pelos sertões em busca do "Ouro" que tanto lhe acenavam. Ninguém
ficou indiferente a esta corrida. Na gira popular, mas também na literatura emerge a figura do
"mineiro", numa alusão aos que se dirigiam para a Capitania de Minas
Gerais. O "mineiro" é todavia o português que foi e que retorna
a Portugal velho, rico, mas com a mesma estupidez e brutalidade como partiu.
Aqui julga que o dinheiro tudo compra e todos pode submeter. A nobreza, mas também a burguesia,
solidamente instalada, não o suportam. A ostentação do "mineiro" -
os novos ricos - é posta a ridículo.
António
José da Silva, o Judeu
1705-1739), aborda a questão da emigração em duas das suas peças. Numa que
lhe é atribuída - "Obras do Diabinho da Mão Furada"-, traça-nos a
figura de um soldado português que no tempo dos Filipes, regressa à pátria
tão pobre como partiu, mas agora "afligido e maltrado pela guerra".
Em "Guerras de Alecrim e Manjerona", uma das suas personagens - D. Lançarote -um
"mineiro velho" e rico , torna-se no objecto de escárnio.
Correia
Garção (1724-1772),
numa das suas odes, escarnece do "mineiro" que depois de sofridos
trabalhos no Brasil, vêm para Portugal exibir-se sem perceber todavia que
"com ouro não se compra um nome digno/da póstuma memória"
Filinto Elísio
(1734-1819), em versos mordazes, zurze no pobre de um "pedreiro de Samardã"
que volta rico do Brasil, mas tão lorpa como era.
. | | | Após
a Independência do Brasil (1822), o "mineiro" não tarda a ser
substituído pelo "brasileiro". Camilo Castelo Branco transforma o
"brasileiro" numa "industria" que alimenta muitos dos
seus romances. O "brasileiro" é dissecado em todos os seus
aspectos negativos: novo ríquismo, analfabetismo, estupidez, mau gosto,
brutalidade, imoralidade, cobiça, etc. Eça de Queiróz não deixa de
reconhecer quando os escritores ridicularizam o "brasileiro"
estão, no fundo, a troçar de si próprios.
Camilo Castelo Branco, que ao longo da
sua vida se cruzou com muitos brasileiros, e teve-os como seus grandes
admiradores (o Imperador D. Pedro II do Brasil, por exemplo), elege o
"brasileiro" de torna-viagem num dos seus alvos privilegiados. A
primeira obra em que troça desta personagem foi numa peça de teatro -
"Poesia ou Dinheiro" (1855) -, a partir daqui sucederam-se os
romances onde o "brasileiro", onde este é implacavelmente
caricaturado: O que fazem as mulheres (1858); Anos de Prosa (1863); Os Brilhantes do Brasileiro;
Novelas do Minho; Eusébio Macário; Corja; A Brasileira
de Prazins; Vingança (1858); Serões de S. Miguel de Seide (1885); Estrelas
Propícias; O Esqueleto, etc..
Camilo, tentou explorar literariamente ainda
outra personagem - o "africano" - , o degradado ou emigrante que,
por uma razão ou outra, fora para África. Os que voltavam, segundo Camilo,
trazem as mãos manchadas de sangue dos "pretos" que exploraram
até à morte. Foi diminuto o sucesso desta personagem.
Júlio Dinis (1839-1871), na seu célebre romance
"A Morgadinha dos Canaviais", não deixa de zurzir também num
"brasileiro" (Eusébio Seabra).
Luis de Magalhães (1859-1939), em "O
Brasileiro Soares", prefaciado por Eça de Queiróz, não perde pitada para desancar no
omnipresente "brasileiro".
Os exemplos multiplicam-se ao longo do
século XIX, no romance, teatro ou na poesia. A caricatura de Camilo é
quase sempre o modelo mais seguido.
Outros escritores, procuram ultrapassar esta
caricatura, e descrevem-nos o lado negro da emigração no Brasil. O "brasileiro"
torna-se parte de um drama vivido por milhões de portugueses que um dia
partiram à procura de melhorar as suas vidas em mundos distantes, e o que
encontraram foi a miséria, a exploração desenfreada e o racismo. .
Tomás Quintino Antunes, vivendo a
própria experiência da emigração, escreve "Ódio de Raça (1860)
Francisco Gomes de Amorim (1827-1891),
emigrante desde os 10 anos de idade nos sertões da amazónia, reflecte nas
suas peças teatrais o drama da própria emigração, onde denuncia a
exploração e o tráfico que são vítimas: "Aleijões Sociais"
(1870) e "O Cedro Vermelho". A sua escrita, desafia as
convenções do tempo, antecipando a própria modernidade.
Fialho de Almeida (1857-1911), na sua
escrita muito desigual, aborda por diversas vezes a questão da emigração
para o Brasil. Em "O
Filho", por exemplo, uma mãe suicida-se quando sabe que o filho morreu
no regresso. Tanto esforço para nada. Em "Lisboa Galante" (1890),
descreve a ganância das famílias dos emigrantes para se apossarem do que
estes amealharam no estrangeiro.
No final do século XIX, o "brasileiro
" já tinha sido substituído pelo "emigrante", uma
personagem que vive um drama comum a muitos milhões de pessoas em todo o
mundo.
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| | Emigrantes
no Mundo
No século XX, os escritores
portugueses tomam verdadeiramente consciência que Portugal tem emigrantes
espalhados por todo o mundo. O Brasil continua ser a terra de eleição, mas
também os há em grande quantidade nos Estados
Unidos e em muitos outros países. O tema da diáspora, ensaiado por Fernão
Mendes Pinto, volta agora a ser retomado. Estamos agora perante uma literatura que soube captar
um fenómeno universal, vivido por todos aqueles que um dia tiveram que
deixar as suas terras em
busca de melhores condições de vida. Alguns destes romances sobre emigração, como os de Ferreira de Castro, obtém uma larga difusão
internacional. Trindade Coelho
(1861-1908), em "Ultima Dádiva" narra a brutal separação entre
os que ficam e os que partem. O Brasil é ainda o cenário de fundo.
Ferreira de Castro .
Vivendo desde criança o drama da emigração no Brasil, soube numa escrita
realista traduzi-la em duas magnificas obras: Emigrantes (1928) e A Selva (1930).
Joaquim
Paço d`Arcos (1908-1979), centrando no também no Brasil, escreve a sua
melhor obra: "Diário dum Emigrante" (1936)
Baltazar Lopes, dá-nos um olhar da
emigração a partir de Cabo Verde (África)
Aquilo Ribeiro. Vivendo a
experiência do exílio, em "Mina de Diamantes (in, O Malhadinhas,
1958), retoma estafada figura do "brasileiro".
José
Rodrigues Miguéis, em "Gente da Terceira Classe" (1962), faz
um dos mais notáveis retratos da "condição do emigrante", a
partir da história de emigrantes portugueses, nomeadamente nos
Estados Unidos da América, onde se exilou. No romance "Uma Aventura
Intrigante" (1958), constrói uma trama policial a partir do relato de
um emigrante português na Bélgica.
Miguel Torga. Outro
emigrante no Brasil, deixou-nos duas obras onde abras onde abora a questão
da emigração: Criação do Mundo e O Senhor Aventura
Florêncio Terra
(1859-1941), em "Contos e Narrativas", introduz o olhar
açoriano sobre o fenómeno da emigração.
Nunes Rosa - Gente das
Ilhas Manuel Greaves -
Aventuras de Baleeiro Herberto Helder (1929-), num belo
texto - Os Passos Em Volta (1963)- entrelaça as vidas de um poeta-emigrante
na Holanda e Bélgica. João de Melo - Gente
Feliz com Lágrimas Alguns
escritores portugueses, uma das coisas mais fascinantes nos legaram sobre o
fenómeno da emigração foi a sua própria vivência nessa condição, como
é o caso de Camilo Pessanha (Macau) ou Wenceslau de Moraes
(Japão). A vida destes emigrantes mostra a dificuldade de escolha que a
partir de certa altura passa a existir, entre a cultura materna e a da terra
de acolhimento. Ambos, embora profundamente ligados a Portugal, decidem
todavia morrer na terra que os recebeu. Francisco
Assis Pacheco (1937-1995), no romance "Trabalhos e Paixões de
Benito Prada. Galego da Província de Ourense que veio a Portugal ganhar a
Vida (1993), analisa a dupla faceta do emigrante/imigrante a partir uma
família de galegos que anda entre um lado e outro da fronteira. É longa a
listagem de escritores portugueses que abordam a emigração, em prosa ou em
verso. Nas suas obras espelha-se a complexidade deste fenómeno atingiu ao
milhões de pessoas em Portugal. Esta literatura constitui hoje, não apenas
um património
nacional, mas também universal pela profundidade e qualidade estética que
atingiu. Carlos
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