Agosto de 1969
Em outra ocasião, seguia eu em França, na estrada
nacional “10”, no percurso de Hendaya-Bordeux, rumo ao norte.
Àquela hora da noite apetecia parar para descançar
e dormir, até que viesse a manhã. Mas
levava a ideia de passar Bordeux ainda de
noite antes da hora matinal, para evitar o movimento da cidade.
Quem fazia
estas viagens sabia que era assim o hábito.
Só assim não se fazia quando de todo era
impossivel ou a experiencia destas andanças fosse pouca.
Seria talvez a
origem do que adiante vou relatar.
Pois já a escassos kms de Bordeux onde os
restaurantes já abundam, vêm-se os habituais automoveis e camiões com as
luzes de presença acesas, parádos nos parques dos mesmos ou em desvios na berma da estrada.
Seguiamos nós, eu e passageiros, ensonados, alguns
deles dormindo, quando chamei a atenção para um grande clarão de fogo que se
via ao longe e que nos despertou, pensando tratar-se de um incendio.
Era na verdade um incendio, que teve a sua origem
numa catástrofe que envolveu dez compatriotas nossos, da seguinte maneira.
Seguia rumo ao norte, Luxemburgo, segundo o que ouvi
dizer depois, uma carrinha com emigrantes portugueses, no total de 11 pessoas
entre elas uma criança de 3 ou4 anos de idade, a unica sobrevivente da catástrofe.
Chegados proximo do local do braseiro, verificamos
que tinha sido um acidente com um camião cisterna, que transportava liquido
inflamavel e foi abalroado na traseira, quando estava estacionado num desses
desvios na berma da estrada, pela furgoneta de passageiros portugueses que se
enfeixou na traseira, originando o incendio ao mesmo tempo que se espalhavam as
chamas em redor, envolvendo a
carrinha e a floresta proxima.
Dos ocupantes da furgoneta portuguesa, segundo o que
constou, apenas um motorista francês conseguiu tirar a criança por uma janela,
morrendo naquele inferno todos os outros ocupantes da carrinha, no total de 10.
Este numero foi o que se falou na altura do
acidente, pessoalmente não pude testemunhar se este numero era exacto, o que na
altura era impossivel até porque os bombeiros e policia francesa não deixavam
ninguem aproxima-se do local, como
é lógico. Por outro lado
nada havia a fazer, pois tudo estava carbonizado pelas chamas que ainda ardiam.
O que sube foi-me constatado no local, onde havia já
uma multidão enorme que se acumulou na estrada, pois esta foi cortada ao
transito, por muito tempo, obrigando os mais apressados a procurar um desvio de
muitos Kms, para seguir destino. Tudo isto a acontecer de noite… mas para nós o sono já passou.
O expectro da tragédia era uma constante na nossa
mente e especialmente para mim conductor, esta viagem tornou-se bastante penosa
ao ponto de nos sentir-mos doentes, pois ver diante dos nossos olhos, dez
compatriotas nossos morrerem naquelas circunstancias tão tragicas e nós
seguir-mos exactamente nas mesmas
condiões de viagem, rolar até poder, correndo riscos
a todo o instante, tanto pelo cansaço como pelo sono, chegar ao destino
foi um verdadeiro tormento.
O regresso que
eu teria que fazer sozinho, preocupava-me igualmente, mas depois de um
bom sono e descanço em casa de um dos clientes, a minha moral
rejuveneceu um pouco.
Dois dias e duas noites, rolando na estrada sem nada
dormir, tal o efeito deste acidente no meu moral.
E se alguem teve a infelecidade de
assistir a acontecimentos desta natureza, quando em viagem, de noite, sabera
avaliar o esforço necessario para
se completar a jornada nestas
circunstancias.
Tinha presenciado uma tragédia e quem sabe se o
mesmo não me aconteceria a mim tambem, pois as condições em que se faziam
estas viagens eram péssimas; comendo mal, (das merendas) dormir ainda pior,
(dentro do automóvel) a longa distancia a percorrer e a constante saturação
do transito com os veículos superlotados e carregados até ao maximo, depois o
retorno sozinhos, faziam destas
viagens um constante perigo.
Amaldiçoava tal
vida, tanto eu como a familia igualmente, mas não havia outra alternativa de
sobreviver nesta profissão, nas aldeias. Ou emigrar definitivamente ou emigrar
todas as semanas enfrentando o mesmo perigo.
Mas ao fim e ao cabo, tenho saudades desses tempos,
dessas viagens... recordações que ficaram para sempre na minha memória.
Mas por vezes dentro do azár, tambem se tem sorte e
tem o seu quê de interessante; e este caso seguinte é bem a expressão do que
afirmo.
Numa tarde de Setembro em que a chuva já começa a aparecer com frequência, rolava
eu em Espanha entre Valladolid e Burgos com destino a França.
Umas centenas de metros a minha frente, rolava um
Renault 10 com o mesmo destino; numa curva acentuada, antes de entrar numa
ponte, sob a aqual passa a linha de caminho de ferro, talvez devido à chuva ou
a falta de atenção do conductor e
eis que o Renault sai fora da estrada, por uma pequena rampa e fica virado sobre
o lado direito no fundo do valado que cerca estrada.
Como ocupantes, apenas o motorista e a esposa, um
casal ainda jovem; parei e verifiquei que eram compatriotas nossos.
Refeitos do susto, pois nenhum ficou ferido, nem tão pouco o automóvel
danificado, afora umas ranhadelas do lado direito, apanhamos as malas
que seguiam no porta bagagens, que ia meio aberto, espalhando-se,
colocamo-las novamente no sítio, mais um garrafão de azeite a que se lhe
soltou a rôlha, espalhou-se por todo o compartimento,
temperando um pequeno saco de feijões e outras coisas mais, tudo
coisas sem grande importancia, em relação ao que poderia ter
acontecido.
Decidimos pôr o automóvel a direito; uns puchões
e uns balanços e o Renault esta novamente em posição de andar. Pôs-se o
motor a trabalhar, verificam-se os travões, tudo parece funcionar normal e eis
novamente este jovem casal a caminho de França. Era visivel o contentamento de
ambos e sublinhavam que apesar do azár ainda tinham tido sorte, pois tivesse
isto acontecido alguns metros mais à frente, o automóvel e os seus ocupantes
ficariam despedaçados lá no fundo, na linha de caminho de ferro, o que seria
outra tragédia a acrecentar a tantas outras.
Depois de nos terem oferecido uma bebida num café
mais à frente, a nós e a dois espanhois que igualmente ajudaram a por o automóvel
na posição normal, eles aí seguem novamente, mas não sem dizer: <
Ná ! esta fica-me pra emenda,> com a estrada molhada é preciso cuidado...
(principalmente depois de um longo periodo sem chover
e depois vêm as primeiras chuvas... sublinhei-lhe eu).
Como se verifica tambem é preciso ter sorte, no azár e foi o que
tiveram estes nossos compatriotas.
Teria muitos e muitos episódios a descrever, mas o
meu proposito não é esse.
É sim dar uma ideia suficiente, da vida do
emigrante português em França.
Claro que acidentes acontecem a toda a gente; a mim
tambem me aconteceram alguns, felizmente sem gravidade, durante os dez inesquecíveis
anos em que percorri as estradas da Europa, mas ao emigrante europeu, estes
fazem-lhe parte da vida.
Vou descrever alguns desses episódios que me aconteceram a mim e me ficaram na memória, pelo perigo que poderiam ter
representado, mas que felizmente não tiveram consequencias graves.
Numa ocasião em que regressava de França, tinha
conduzido quase toda a noite e sobre a manhã ao chegar proximo do cruzamento de
Alsássua, havia uma curva muito acentuada e perigosa antecedida por uma recta e
descida e naqual estava marcado no pavimento da estrada, a velocidade maxima de
40 km por hora, pois qual não foi o meu espanto ,encontro-me mesmo em cima do
sinal a uma velocidade à
volta dos 100 km/hora.
Escuzado será dizer que paniquei e mêto travões a
fundo e o velho Mercedes 180, atravessa-se-me na estrada e vira-se em sentido
contrario.
Fiquei, como se costuma dizer, sem uma pinga de
sangue, pois valeu-me a circunstancia de àquela hora da manhã, não haver
muito transito, pois se me aparece-se um veiculo pela frente o desastre seria
inevitável e certamente de trágicas consequencias.
Levava a ideia de ir dormir um pouco (no carro) numa fonte que existia mesmo ao
passar dessa curva e depois lavar a cara com agua fresca e seguir viagem. Mas já
não foi preciso; o susto que apanhei tirou-me o sono.
Noutra ocasião, tambem na mesma àrea, já a passar
do dito cruzamento de Alsássua, depois de ter almoçado nesse restaurante que
estava mesmo em frente do cruzamento, mêto-me a caminho, depois deter comido e
bebido um bom almoço.
Escuzado será dizer que passados 15 ou 20 minutos,
encontro-me guiando na estrada, quase dormindo, sem que me tenha apercebido e já
so vejo na minha frente um camião espanhol fazendo sinais de luzes e buzinando
frenéticamente, pois eu sem me ter dado conta, ia guiando de frente
na linha contrária em direcção a ele… e só me apercêbo do facto, a
escassas dezenas de metros, antes de embater frontalmente com ele e
instintivamente, desvio-me para a minha mão. Parei imediatamente e fiquei estático
por alguns momentos, pois na minha ideia penssava que ia guiando atraz dele,
quando realmente ia guiando contra ele. Tudo isto acontece com o cansaço e o
sono que vem depois de uma boa refeição.
Esta tambem me ficou para emenda, felizmente a sorte
esteve a meu lado mais uma vez.
E por ultimo quero mencionar o meu azár no que
respeita à quebra de pára-brisas.
Este era um dos precálços que me acontecia
muitas vezes e vou mencionar apenas um, para não ser fastidioso.
Em Espanha, numa tarde de Verão, rolava eu a volta
dos 100 km/hora, eu raramente ultrapassava este limite,
e de repente estoira-me o vidro da frente e fico sem visibilidade
nenhuma, pois este
ao partir transforma-se como que seja vidro fosco,. o transito àquela
hora da tarde era intenso e só tive a reflexão de travar, baixar- me no acento
e esperar que o carro parásse, o que aconteceu, em cima de um
monte de areia na beira da estrada, a escassos centimetros de uma àrvore, pois
mais uma vêz instintivamente desviei o carro para a berma , para evitar o
possivel choque frontal com o transito que vinha em sentido contrario. Novamente
nada me aconteceu, alem do susto, tendo feito o resto da viagem sem para-brisas,
até chegar a casa .
Porem ao chegar a noite, tive que me embrulhar num
cobertor, que sempre me acompanhava, e pôr o boné (de chaufer de praça)
enterrado até às orelhas, pois a deslocação do ar tornava impossivel viajar
a uma velocidae capaz de chegar a casa ainda essa noite, o que consegui por
volta da uma hora da manhã.
Estes são episóodios que nunca esquecem, e como se
diz, quem anda à agua, molha-se.
Teria muitos mais para descrever, mas não quero
tornar-me fastidioso, quero apenas relatar o que era a vida dum motorista de praça,
nos tempos aureos da emigração portuguesa, das decadas de1960/70.
Ao escrecver estas linhas vejo na imprensa mais um
destes dramas , que como atraz digo, fazem parte da vida do emigrante português
na Europa.
Pelas consequencias deste acidente aqui o refiro,
para reforçar o argumento deste têma, <drama na estrada>.
A 43 km de Burgos, dois automoveis de emigrantes
portugueses, sofrem acidente e três crianças, de 6-8 e 10 anos de
idade, perdem a vida enquanto três outros familiares ficam feridos.
No mesmo acidente, outra familia no total de cinco
pessoas, ficam gravemente feridos. Ficará o numero de mortos só em três neste
acidente ? O tempo o dirá ! Ao olhar-mos para o trágico desfecho destas duas
familias, que depois de umas férias na Patria encontram a morte e a tragédia
no caminho.
O que nos chóca mais, alem de tudo, são estas três
crianças que bem cedo, no desabrochar da vida, sofreram as consequencias da
vida de seus pais… emigrantes. Não são necessrios mais comentários.
Todos os emigrantes, que o foram, ou o são,
comprendem o que significa a palavra, emigrar.
Referindo-me mais concretamente a França, que devido aos factores; situação
geográfica, a relativa média distancia a que se encontram em relação ao nosso pais, estes têm ao
seu dispor uma diversificação de meios de transporte que lhes permitem
utilizar, desde a simples moto ao autocarro, e desde o comboio ao avião.
Estes factores dão-lhe uma característica especial
em relação a outros, noutras partes do mundo.
Senão vejamos
alem da facilidade com que se deslocam ao nosso pais, as variedades de
comestíveis e outros bens de
consumo que levam e trazem nas sua deslocações, o que não é possivel a
outros, de outros países.
Menciono as bebidas, o azeite ,feijão, queijos etc,
e o respectivo porco, completo, mas cortado em pedáços
e disfarçado por toda a bagagem, como sendo coisas normais, da grande
maioria.
(Se o não são actualmente, eram-no num passado não
muito distante), menciono tambem outras que
embora não sendo tão normais, mas que aconteciam, tais como: levar a
propria cama, (divã) completa, com o respectivo colchão e… galinhas, vivas
claro, e trazê-las tambem quando vinham de férias.
Não se pense que estou a ezagerar, pois estes
factos foram passdos comigo, na minha vida de motorista de praça e portanto a
que eu assisti.
Não pretendo com isto criticar aqueles que o
fizeram, mas tão somente um termo de comparação entre o emigrante de um país
e o de outro.
Não se pretende dizer que todos os emigrantes em
França, pratiquem este modo de vida, pois milhares há que nem se identificam
facilmente como emigrantes, integrados como estão no ambiente de vida europeu.
Este pormenor cada vez mais se acentuará na medida
em que a permanência no país emigrado se prolonga e os costumes das
novas gerações se integram no modo de vida geral desse mesmo país onde
residem, mantendo os costumes Ibéricos, apenas os mais idosos e os iliterados,
que como é natural, encontram mais dificuldades em assimilar os costumes da
moderna sociedade europea. Quando
em férias, principalmente nos meses de verão, esta invasão francesa, (não a
de Napoleão Bonaparte) mas de compatriotas nossos que visitam a mãe patria,
imprimem uma nova vida a milhares de localidades do nosso Portugal.
A vida das pequenas povoações, movimenta-se
repentinamente, as atraentes
moradias fechadas ao longo do ano, reabrem e enchem-se de alegria e musica.
Já há nelas o sinal de vida, embora
infelizmentepor pouco tempo... como seria bom que o fosse definitivamente, mas não
é possivel.
A casa na aldeia em Portugal, só para as férias; e
a tal iluzão... de um dia voltar.???
As ruas apinham-se de automoveis e os cafés igualmente de pessoas. O
ambiente é outro.
Não monótono como até aqui; mas animado, vendo-se
em cada rosto, tanto dos que estão, como dos que vieram, a satisfação por
poderem rever a familia e os amigos e enfim a nossa terra.
Ao passar-mos pelas ruas, com todo este ambiente
francês… automoveis, musica, as crianças e jovens falando a lingua francesa,
da-nos a sensação de estar-mos em qualquer lugar do territorio francês.
Porem toda esta azáfama e ambiente colorido, é
temporario.
Vindo o final do mês de Agosto aproxima-se o fim
das férias e cada um regressa ao seu local de trabalho.
A vida das povoações cai novamente no quotidiano,
na monotonia, no silêncio. Nos rostos dos que ficaram, principalmente idosos,
ja não se vê a alegria das semanas
anteriores, mas sim a tristeza de terem ficado sós…da triste separação
novamente.
Toda a vida da propria aldeia perdeu o ritmo e a
alegria.
Os trajos das pessoas já são mais a característica
do nosso viver; cores escuras, tistes e negras, como que a expressão do que
lhes vai no coração... por terem visto partir os <seus>, os netos, os
filhos, os primos, os tios, os visinhos, os amigos. As disparidades dos trajos e
cores da vida moderna já se não veêm, mas sim os reflexos dos nossos hàbitos
ancestrais.
Estes romeiros do trabalho ao aproximar-se a ultima
semana de estadia na Patria, tratam de adquirir os productos que
tradicionalmente são do seu agrado e os comestíveis preferidos.
Assim os feijões, queijos, azeite, presunto e
algumas bebidas, são procurados por toda a parte. Como tal, movimentão-se as
feiras e mercados locais, nas vilas e cidades, locais de abastecimento de todas
as aldeias.
Para o regresso, mobilizam-se todos os transportes
disponíveis, para aqueles que não têm automovel. Enchem-se os comboios,
autocarros, automoveis de aluguer, tudo oque é possivel, participam nesta operação
de regresso, que todos os anos se repete, pelo Natal e no Verão.
Principalmente no principio e fim, dos meses de
Julho e Agosto, o movimento de emigrantes é
impressionante quase dificil de descrever; dir-se ia que é um êxodo de
refugiados, fugindo de qualquer cataclismo.
Confesso que tenho saudades desse tempo das partidas
e chegadas e de fazer estas viagens.
O involvimento nesta deslocação maciça de pessoas, torna-se um tempo
inesquecível, proximo das fronteiras e ao longo das estradas de Espanha,
tornando-se tempo de romaria
Coloridos grupos aqui e alem comendo as suas
merendas, o constante passar de viaturas com malas, o reemcontro de amigos e
conhecidos ao longo de todo o trajecto, principalmente Espanha, (pois ao
entrar-mos no territorio francês, já cada um segue diferente caminho), fazem
destas viagens momentos inesquecíveis da nossa vida.
Um amigo que se vê na fronteira portuguesa hoje
pela manha e segue uns minutos à nossa frente, poderá ver-se só na manhã seguinte à entrada do territorio francês.
Mas tambem pode acontecer passar-se por ele ,3, 4, ou 5 vezes
durante o percurso ou quando estão parados a comer da merenda e então
buzina-se e exclama-se dizendo: Adeus, ó Manuel; ele assána-nos com o copo na
mão,como que dizendo; não queres um copo?... mas não se pode parár, à que
seguir para a frente pois a viagem é longa.
Umas horas mais tarde é ele que nos descobre
a refrescar-nos numa fonte ou reconhesse o carro estacionado em frente de um
dos muitos bares ao longo das carreteras espanholas. Por vezes pára-se e
convive-se uns momentos, trocam-se
impressões sobre a viagem, pergunta-se o destino que cada um lêva , se é que
não se sabe e uma caravana por vezes de meia duzia de viaturas, de amigos e
conhecidos, segue...até que uns ou
outros, por este ou aquele motivo se atrasam e já não se voltam a ver mais.
E quantas vezes esse amigo, com quem convivemos na
viagem, já não chega ao destino ! A tragédia
e por vezes a morte
espreita-o na estrada e dias depois houvimos dizer que o Manuel ou o José,
a quem tantas vezes acenamos no caminho, teve um acidente e morreu antes de
chegar ao destino, ou um acidente no trabalho, poucos dias depois de ter ido de
férias e lhe roubou a vida.
De tudo isto eu sou testemunho.
É o drama do emigrante.
Todas estas recordações eu guardo na minha mente e
me trazem alegria e tristeza, como recordações da minha vida passada com os
emigrantes, da Europa e como emigrante.
Como atraz refiro, este regresso de férias é um
tempo de alegria, lágrimas e triteza. Ainda se
não viveram as alegrias da chegada e do reêncontro familiar,
já se sentem os momentos àrduos da despedida e da partida;
principalmente enquanto se não começa o contacto com a vida alem fronteiras...
sim porque a coisa vai esquecendo um pouco mais, passados o primeiro dia de
viagem, caso contrario seria impossivel para muitos emigrantes, permanecerem
ausentes da família, se o choque moral e psicologico da separação familiar não
se desvanecesse mais, com a partida e o hábito destas despedidas.
Porem só quem assiste diariamente à despedida de
muitos deles e os transporta aos pontos de partida ou locais de trabalho, sabe
avaliar o que estes momentos custam. Muitos choram lagrimas de sangue ao
deixarem a jovem esposa com um filho de tenra idade nos braços e que só voltarão
a ver, sabe Deus quando.
A caminho para a estação de caminho de ferro, ou fronteira, de lagrimas
nos olhos, amaldiçoavam a vida de emigrante e quem na inventou.
Outros hà, que chegam ao destino e voltam passados
um dia ou dois, por não terem a coragem de suportar a ausência.
Estou- me a lembrar de um amigo meu, (de infancia),
na altura com à volta dos seus vinte oito anos e que eu fui pôr ao
Departamento do Jura, situado na convergência das fronteiras Suissa e Italiana,
já com os Alpes à vista.
Já não era a primeira vez que este amigo meu
pizava solo estrangeiro, pois emigrou logo
que regressou das campanhas da guerra em Angola.
Porem desta vez deixava a esposa ainda jovem com um
filhinho de tenra idade. Na viagem, que durou dois dias e quase
duas noites, depois de alguns desvios por outras partes de França para
deixar outros companheiros, ele pediu-me para ser o ultimo a deixar, ao qual
acedi por via dos laços de amizade que nos prendiam e da boa camaradagem deste
bom amigo.
Ao chegar-mos à fria vila de Champagnole já pelo
fim da tarde, ele insistiu para que eu dormisse junto dele e partisse no dia
seguinte.
Não aceitei a ideia e iniciei a viagem de regresso
ainda essa tarde, visto já ter demorado muito tempo no trajecto.
Entretanto ele manifestava o seu descontentamento e
o seu pezar por ter deixado a esposa e o filho e dizia constantemente com as lágrimas
a aparecerem, que aquilo não era vida... que ficasse para o outro dia, pois
talvez ele voltasse novamente comigo para Portugal.
Eu deixando-me rir, disse-lhe <tu estas a brincar>; Ele dizia, não
estou não, Belarmino, parece-me que não sou capaz de ficar aqui metido dentro
destas quatro paredes (do quarto de dormir) isto não é vida para mim, que se
lixe o dinheiro. Eu até decidi
partir mais nessa mesma tarde para
que ele não se arrependesse e voltasse comigo, pois já tinha gasto todo aquele
dinheiro.
Mas isso pouco importou ao João; ele lá ficou esse dia mas por pouco
tempo, apenas uma noite, pois na manhã seguinte o João dirige-se novamente à
estação de caminho de ferro, para regressar à sua aldeia e reunir-se aos
<seus>. Dois dias depois, quando eu aguardava o comboio na estação de
caminho de ferro de Tortosendo, que serve a minha aldeia, qual não foi o meu
espanto ao ver o João, com as malas nas mãos dirigindo-se para mim.
<Eu não te dizia que ficasses para o outro dia,
que talvês viesse contigo?>.
Para quem sabe o que é emigrar não são
necessarios mais comentarios, só quem o fêz o sabe avaliar.
Mas… passado algum tempo, numa ansia de coragem, este João e muitos
outros Joões, emigrantes, decidem partir novamente, pois a vida na aldeia, é o
que se sabe. Outros há que regressam à Patria, na ideia de não mais voltar a
emigrar... mas a iluzão vai-se desfazendo, com o contacto diario com a
realidade e passados alguns meses, são forçados a partir novamente.
A tudo isto assisti, na dezena de
anos que fui motorista de praça, na minha pequena aldeia Beirã, até que
chegou a minha vez e fui forçado a emigrar tambem; não todas as semanas…mas
definitivamente! E por conseguinte ser protagonista do mesmo drama, de tantos a
que assisti e ao escrever estas linhas, recordando as lágrimas de tantos
outros, aparecem-me tambem as minhas, porque tambem sou emigrante a dez mil kms
de distancia da Patria, com todo o Continente Norte Americano e Oceano Atlantico
a separar-me dessa faixa de terra ao longo desse mesmo Atlantico, (mas no outro
lado) no ponto mais Ocidental do Continente Europeo, onde deixei meus pais, família,
amigos, tradições e tudo o mais que me era querido.
Felizmente que pude trazer comigo a minha familia,
esposa e filha, pois de outra maneira não emigraria.
Continuação
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