Visitar uma pessoa em prisão
preventiva, isto é, apenas indiciado mas não acusado de qualquer crime, é para
muitos jornalistas portugueses um perigoso indicio de cumplicidade. Na sua mente
Sócrates devia ser banido, condenado ao ostracismo.

Morte de Sócrates, em 399 a.C.
O filósofo está na prisão rodeado de amigos que o foram visitar e ouvirem as
suas palavras antes de beber um veneno (cicuta, Conium
maculatum). Pintura de Jacques-Louis David (1787)
O ostracismo era uma punição
estabelecida em Atenas, para os cidadãos que colocassem em causa democracia. Se
fossem votados ao ostracismo seriam banidos ou exilados por um período de dez
anos.
Sócrates, o ateniense, no ano de
399 a.C. foi condenado ao ostracismo. Preferiu morrer a abandonar a sua cidade.
Aristóteles escreveu a este respeito que o homem é um animal político (da
cidade) fora dela privado de participar na vida da sua comunidade (política),
está condenado à ignorância.
1. Ostracismo
"Romarias" foi como os
meios de comunicação propriedade de Francisco Balsemão (antigo lide do PSD),
rotularam as visitas que Sócrates começou a ter quando foi transferido para a
prisão de Évora. Percebeu-se o medo como as mesmas foram encaradas pelo jornal
Expresso ou a SIC.
Os jornais esperavam que Sócrates
fosse ostracizado pelos seus amigos, como prova que o consideravam culpado. Uma
suposta atitude que legitimaria a sua condenação pública em que se envolveu a
generalidade da comunicação social.
2. Cumplicidade
A maioria dos jornalistas
interpreta os visitantes que Sócrates recebe como manifestações de cumplicidade
no crimes que atribuem a Sócrates.
A primeira pessoa
a visitá-lo foi a sua ex-mulher - Sófia Fava - a qual foi logo rotulada de
sua cúmplice. O jornal Correio da Manhã passou a dedicar-lhe páginas e páginas
mostrando que a mesma estava envolvida na rede de corrupção de que Sócrates era
o mentor.
Paulo Morais,
no Correio da Manhã procurou mostrar que os que visitavam Sócrates faziam parte
da vasta rede de corruptos de que o rodeava (A Teia de Sócrates, 24/01/2015).
As visitas permitem-nos reconhecer os seus vassalos (Beija-mão às Grades,
27/12/2014). O autor, membro do PSD, especialista em temas de corrupção,
como comentarista do CM limita-se a repetir as acusações que o jornal faz a
Sócrates. Outra coisa não lhe é pedido, para isso o pagam.
2.1. Descredibilização
O jornal Sol e Correio da Manhã
tem desenvolvido uma vasta campanha que procura
descredibilizar os visitantes envolvendo-os num grotesco circo mediático
à porta
do estabelecimento prisional de Évora. A mensagem que procuram veicular na
opinião pública é que todos os que o visitam não passam de uns palhaços, nada do
que ali fazem deve ser levado a sério.
Estes jornais estimularam (ou
pagaram?) a presença junto à porta de prisão de bandos de imbecis. Alguns fazem
declarações hilariantes perante as câmaras de televisão, justificando a sua
presença no local como uma tentativa para visitarem o "preso nº. 44".
O Correio da Manhã (13/01/2015),
numa típica encenação burlesca, anunciou que Avelino Ferreira Torres, antigo
militante do CDS-PP, presidente da Câmara Municipal de Marco de Canaveses
e que foi julgado em Tribunal por corrupção, peculato e tráfico de influência
foi visitar José Sócrates. Á saída da prisão, o antigo militante do CDS-PP
afirmou que afinal fora visitar um polícia preso, mas conseguira ver Sócrates a
fazer desporto e reparou que "estava bem tratado". O objectivo era parodiar um
adversário político.
2.2. Significado da Visita de António
Costa
A associação dos visitantes à
cumplicidade com os alegados crimes de corrupção, levou o jornal Expresso
a gerar na opinião pública a expectativa se António Costa (actual lider do PS)
visitaria ou não Sócrates na prisão. Se o fizesse estaria a manifestar a sua
cumplicidade com o mesmo, se o não fizesse estaria a distanciar-se do mesmo e da
presunção da sua inocência.
O jornal I em manchete, afirmou
que António Costa tinha passado a noite de Natal a 30 km da prisão e não o tinha
ido visitar. A notícia era obviamente falsa, mas servia para alimentar a ideia
que António Costa não acreditava na inocência de Sócrates.
Aquilo que era dado como um sinal
de distanciamento, passou a ser interpretado como um sinal de fraqueza e
cobardia. Um amigo não nega ao seu amigo a solidariedade, sobretudo nos momentos
mais dificeis. A visita acabou por acontecer no último dia do ano.
3. Conflito de Interpretações
As três visitas de Mário Soares
foram sem dúvida as que maior desencontro de opiniões provocaram, levando vários
jornalistas a indignarem-se com a sua presença acusando-o primeiro de
cumplicidade, depois de senilidade, provocação, impunidade, etc.
Luis Osório, director
adjunto do jornal I, num artigo "Porque Razão Mário Soares apoia
Sócrates"(31/1/2015) manifesta publicamente a sua dificuldade é compreender
porque é que Mário Soares visita Sócrates. Ninguém o devia visitar tendo em
conta os crimes que os jornais lhe atribuem.
Luis Osório não acredita que o
antigo presidente da república acredite na inocência de Sócrates, mas também não
o considera seu cúmplice. Recusa também que o faça por amizade. A causa destas
visitas só pode ter uma explicação psicanalítica: Soares revive através delas
a sua própria infância !. Freud é desta forma evocado para explicar um
facto, aparentemente sem explicação para um director do jornal I. Um texto que
reflecte a indigência jornalística destes jornais.
4. Filósofo visita Filósofo
A visita de Eduardo Lourenço,
em janeiro, provocou um mal estar entre os habituais comentadores. O leque dos
visitantes ultrapassava os membros do Partido Socialista, a gente do Futebol (em
geral associados à corrupção), para se alargar a um dos principais pensadores
portugueses.
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