Raízes
Históricas de uma Sociedade ( muito ) Desigual
A sociedade
Portuguesa continua a ser profundamente desigual. O fosso que separa o
rendimento dos 20% mais
ricos dos 20% mais pobres é o maior em toda a União Europeia (4,6 para 1) e um dos mais
elevados no mundo (2007). Esta situação
não é de hoje, mas tem séculos, tendo as suas raízes na própria
História de Portugal. O que todavia é mais chocante é a indiferença como o
assunto continua a ser tratado, como se fosse algo natural.
Perspectiva
Histórica. Durante séculos o
Estado português encarou a população como uma enorme reserva de
recursos humanos exportáveis
para as suas colónias. Entre o início do século XV e 1974, a única coisa que
se pedia à maioria da população é que procriasse em quantidade, fosse
"forte" e facilmente se adaptasse a todas as situações, incluindo as
mais extremas para a sobrevivência em qualquer parte do mundo.
Esta reserva
de gente pobre, facilmente exportável, era assumida como vital para a
manutenção de um vasto Império Colonial que requeria enormes recursos
humanos. A missão de qualquer português era servir o Império. Recorde-se que Portugal tinha colónias
que no seu conjunto tinham um território que era cerca de 150 vezes maior que a
metrópole.
O catolicismo foi
aproveitado para dar uma cobertura ideológica a esta exploração - a missão
dos portugueses no mundo era difundir a "fé" católica, pouco
importando os sacrifícios que fossem necessários. Esta ideário foi proclamado
até à exaustação ao longo de séculos, nomeadamente durante a ditadura
(1926-1974).
Esta politica
prosseguida durante séculos, acabou por ter um efeito devastador sobre a
cidadania. Os cidadãos portugueses nunca foram encarados como tal, mas sim como
simples recursos
para alimentarem um Império Colonial. É por esta razão que ainda hoje a
maioria dos portugueses continua a ter um enorme défice de cidadania e civismo.
O Estado - a organização política do país - é vista com desconfiança ou
mesmo indiferença. Durante séculos só serviu para explorar a
população.
A missão de pensar, decidir estava
confiada às elites dos país, devidamente protegidas pelo aparelho de Estado. A
população mais pobre era tratada como total indiferença. Esta situação acabou por gerar historicamente brutais clivagens sociais
e culturais na sociedade portuguesa. De um lado
uma minoria vivendo de forma faustosa, e do outro uma
larga maioria de pessoas sobrevivendo na mais completa indigência.
A ditadura consolidou este ideário, elevando a miséria e a ignorância à
categoria de virtudes cristãs.
Pesada
Herança. Trinta anos depois do fim do Império Colonial (1974), não foram
suficientes para apagar toda uma longa cultura criada para o sustentar. Os seus
vestígios estão patentes nos inúmeros contrastes que se podem observar na
sociedade portuguesa.
1. Pobreza. A
taxa de pobreza persistente em Portugal é a mais elevada da UE (a 15). Os
apoios públicos mostram-se ineficazes na alteração desta situação, em
grande parte devido ao seu mau funcionamento. As situações de pobreza
arrastam-se, apesar dos enormes recursos consumidos. Ninguém é
responsabilizado.
2. Educação.
As gerações mais
antigas apresentam baixíssimos níveis de escolaridade, apresentando gravíssimos de adaptação aos novos contextos sociais
e culturais. No ano de 1961, em plena ditadura, a taxa de analfabetismo era
de 33% e só cerca de 4% da população entre os 18 e os 24 anos frequentava o
ensino superior. A desvalorização da educação continua a persistir em largos
estratos da população. É com alguma indiferença que muitas famílias,
escolas, autarquias e os serviços do Estado encaram as elevadas taxas de
abandono escolar. A qualificação efectiva da população ainda não é uma
prioridade nacional. Não existe qualquer correspondência entre os discursos
oficiais e a prática política.
3.Habitação.
Em Portugal passa-se frequentemente do luxuoso palácio para a barraca mais
indigente. O luxo convive com a miséria extrema, lado a lado. Ao longo dos
séculos este brutal contraste sempre foi enorme, mas o que era ainda mais
impressionante era a naturalidade (resignação ?), como a situação era
encarada. Ainda hoje, poucos são os que se incomodam com o facto. O Estado
e as autarquias gastam rios de dinheiro em obras e eventos inúteis e
insustentáveis, mas mostram-se indiferentes perante as condições deploráveis
em que vivem milhares de pessoas. Estas continuam a ser vistas como
ambientes propícios à formação de indivíduos capazes de se adaptarem as
todas as situações. Virtude muito enaltecida em Portugal.
4. Cultura.
Embora a maioria da população viva em cidades, as suas raízes culturais
continuam ligadas ao campo, à reserva exportável. Trinta anos depois do fim do
Império Colonial mantém-se a brutal clivagem cultural entre a população
portuguesa. Uma minoria tem acesso a tudo o que a nível mundial melhor se
produz em termos culturais. Este acesso é frequentemente é sustentada pelo
próprio Estado, através de múltiplos processos de financiamento. A maioria da
população, como no passado, continua a ter um acesso limitadíssimo aos bens
culturais, nomeadamente àqueles que são públicos. O Estado continua de forma
ostensiva a mostrar-se indiferente perante estas clivagens, as quais estão
profundamente interiorizadas na cultura portuguesa.
5. Justiça.
"Quem é rico safa-se sempre". Esta expressão muito popular traduz a
forma como a esmagadora maioria dos portugueses avalia a justiça. Existe uma
espécie de resignação cultural perante as inúmeras situações em que
pessoas ricas e influentes se safam das malhas da justiça e os mais pobres são
severamente punidos por casos insignificantes. Trata-se de uma área onde nada
ou quase nada mudou desde a ditadura.
6. Saúde.
Apesar de Portugal ser um dos países do mundo onde os contribuintes mais pagam
para o sistema de saúde, a verdade é que tem um dos piores sistema de saúde
da União Europeia. A acção de diversas corporações (médicos, enfermeiros,
farmacêuticos, clínicas privadas, etc), contribuiu igualmente para aumentar as
abissais diferenças de cuidados de saúde entre uma minoria e a maioria. Dentro do próprio Estado, proliferavam até
2006, uma série de subsistema de saúde para grupos de privilegiados segundo
uma lógica que remonta ainda ao antigo regime.
Esta
pesada herança de uma cultura colonial, é bem visível no modo como a maior
parte dos portugueses olha como alguma indiferença e resignação para uma
administração pública povoada de parasitas, incompetentes e corruptos. Agem
como se o Estado do país não lhes dissesse respeito. É certo que a situação
está a mudar, mas muito lentamente...
Carlos Fontes
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