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A maioria das câmaras municipais
hoje são sinónimo de incompetência e corrupção. Nem sempre foi assim.
1. Municipalismo.
Durante séculos os concelhos foram em Portugal sinónimo de liberdade e
desenvolvimento das diferentes regiões. Por todos os concelhos ainda hoje fazem
parte das suas memórias colectivas, históricas sobre figuras locais, cuja acção em prole dos seus conterrâneos permitiu
resolver muitos problemas com que estes se debatiam, sem solução. No
século XIX, muitos dos concelhos de tal forma se destacaram no impulso que
deram aos desenvolvimento local que acabaram por gerar a ilusão que o
municipalismo era o remédio para todos os males.
Alexandre Herculano, por exemplo,
defendia a criação de uma organização social baseada nos municípios, tais
eram as virtualidades que neles encontrava. Contra esta visão optimista dos
municípios, escritores como Júlio Dinis, descreviam as autarquias como o reino
dos caciques.
O debate fazia-se quase sempre
entre centralistas e descentralistas. Durante os períodos descentralistas (1836
-Passos Manuel, 1878 -Rodrigues Sampaio, 1886 - José Luciano de Castro),
verificou-se um aumento da corrupção, endividamento descontrolado dos
municípios e o predomínio do caciquismos. Nos períodos centralistas (1842-
Costa Cabral, 1895/96 -João Franco), diminuiu o sinais de corrupção, mas
também aumentou o descontentamento local pelo pouco poder que as câmaras
possuíam.
2. Caciquismo
A ditadura, entre 1926-1974, transformou os municípios em correias de
transmissão do Estado, acabando por promover e reforçar o poder dos caciques locais. As Câmaras Municipais e
as Juntas de Freguesia, com recursos económicos limitadíssimos, tornaram-se sinónimos de extensões do sistema
repressivo, orgãos de propaganda e pouco mais. Pontualmente eram
realizadas algumas grandes obras, que depois durante décadas serviam de
exemplos propagandísticos para a afirmação dos caciques locais.
3. Poder Local
Após o 25 de Abril de 1974, as câmaras municipais voltaram a adquirir
uma imagem muito positiva das populações. O Estado entrou em ruptura completa devido às mudanças políticas. Graças à acção
de muitos dos novos autarcas, as câmaras mobilizaram as populações, reuniram meios e resolveram
problemas que se arrastavam à décadas. A sua força foi crescendo à medida que
no Estado foi aumentando a ineficácia e ineficiência dos serviços.
A solução para muitos dos
problemas do país passou então pela transferência para os municípios de muitas das competências do Estado central.
A solução revelou-se positiva.
Foram criados muitos instrumentos
de apoio a esta verdadeira revolução na gestão do território: A Lei das
Autarquias (L.79/77), Lei das Finanças Locais (L.1/79), Regime de delimitação
e coordenação das áreas de actuação da Administração Central e Local
(L.77/84), Modelo de Administração (D.C. 116/84), Planos Directores Municipais
(d.L.208/82), etc. Durante largos anos, as autarquias, tinham uma imagem muito
positiva, apesar de se lhes reconhecer uma enorme escassez de quadros com
competência política, técnica e cultural capazes de criarem um
desenvolvimento sustentável.
4. Desgoverno Generalizado
O crescente poder das autarquias, sobretudo a partir de meados dos anos 80, tornou
as câmaras municipais locais apetecíveis para todo o tipo de corruptos. Muitos
autarcas, foram-se instalando no poder, criando à sua volta vastas clientelas
de dependentes. As autarquias entraram num desnorte total.
Os partidos políticos,
mostram-se incapazes de renovarem os dirigentes autarcas. Em muitas situações
limitam-se a darem apoio a autarcas corruptos e incompetentes, sempre que estes
lhes ofereciam garantias de ganharem as eleições locais. O descrédito é
total.
As câmaras municipais, cada vez
mais nas mãos de promotores imobiliários, através de licenciamentos sem
qualquer planeamento, promoveram a mais completa desordem urbanística do país
de que há memória. A paisagem foi degradada. O património destruído.
Criaram-se estruturas e fizeram-se investimentos insustentáveis, hipotecando
desta forma as gerações futuras.
Tornou-se uma pratica corrente
nas autarquias, consumirem-se rios de dinheiro
em acções de propaganda, descurando as áreas fundamentais para a qualidade
de vida das populações, como a educação, segurança, saúde, higiene,
acessibilidades, etc.
As autarquias não tardaram em
transformarem-se em
escolas de demagogos. Em regiões com grandes extensões de floresta, a
esmagadora maioria as autarquias alheou-se da necessidade de se criarem anéis
de segurança em volta das povoações ou habitações para evitarem a
propagação do incêndios. Autorizaram inclusive a construção de fábricas, barracões e
casas no meio da floresta. Após os incêndios devastarem a floresta,
incendiarem as fábricas e casas, estes mesmos autarcas vem para comunicação
social exigirem apoios financeiros especiais para pagar os prejuízos provocados
pela sua incúria !
Inacreditável
! 20
de Junho de 2006. O presidente da Câmara Municipal de Viseu e da
Associação Nacional de Municípios, Fernando Ruas, propôs aos
presidentes de junta de freguesia do concelho que corressem “à
pedrada” os inspectores do Ministério do Ambiente que fiscalizam e
multam as obras ilegais realizadas pelas juntas de freguesia.
Estas declarações
públicas do representantes dos municípios portugueses, espelham a
forma como funcionam as autarquias em Portugal. Em muitos casos, os
autarcas mais parecem bandos marginais do que representantes das
populações. |
Não admira que a IIIª. República, se veja agora
confrontada com concelhos que são verdadeiras chagas sociais como os da Amadora, Loures, Almada, Sintra,
Odivelas, Seixal, Barreiro, Vila Franca de Xira, Marco de Canavezes ou
Armação de Pêra, etc. O caos urbanístico está provocar a emergência
de focos de criminalidade, pobreza, analfabetismo, corrupção, droga,
etc.
Os enormes recursos financeiros das
autarquias, têm também sido desviados para financiarem clubes de futebol,
partidos políticos, negócios privados, etc.
Face a este enorme descalabro, as
gestão autárquica foi-se tornando sinónimo de corrupção, incompetência
política e técnica,
mas também de ignorância. Muitos dos presidentes e vereadores das câmaras
municipais são verdadeiros grunhos, que nem sequer tem conhecimentos para
avaliarem as consequências sociais e culturais dos seus actos. Apesar da Justiça funcionar de forma pouco eficaz,
um número crescente de autarcas têm sido constituídos arguidos. As
condenações efectivas continuam a ser todavia muito raras, dada os expedientes
usados nestes processos judiciais.
Galeria de
Memoráveis Autarcas As eleições
autárquicas de Outubro de 2005, serão disputadas por conjunto de
autarcas que estão constituídos arguidos nos tribunais portugueses. Ao
longo de anos a imprensa denunciou as suas negociatas, mas a verdade é
que as populações locais continuaram a elegê-los mandato após
mandato. Os seus respectivos partidos políticos, revelando uma total
falta de princípios de ética política, deram-lhes apoio político.
Ferreira
Torres (CDS/PP).
Presidente da Câmara Municipal de Marco de Canavezes. É acusado de
inúmeros negócios ilícitos, nomeadamente de apropriação do
património do município. Este concelho do norte tem dos piores
indicadores do país em termos educativos, de saneamento básico, água
canalizada, etc. Apesar disto, a população local, continuou a votar em
massa neste autarca. Após ter sugado Marco de Canavezes,
candidata-se agora ao município de Amarante.
Isaltino
de Morais (PSD). Antigo
presidente da Câmara Municipal de Oeiras. Após 16 anos à frente da CMO,
entre as muitas coisas que não consegue esclarecer, está uma fortuna que
acumulou na Suíça, em nome de um familiar que trabalha como taxista
neste país. Oeiras foi sempre um dos concelhos mais ricos de Portugal.
Facto que o torna num alvo privilegiado para os vigaristas. Por decoro, o
PSD, retirou-lhe o apoio partidário.
Fátima
Felgueiras (PS).
Presidente da Câmara de Felgueiras. Acusada de desvio de fundos através
de uma empresa municipal, não conseguindo arranjar uma escapatória,
acabou por fugiu para o Brasil afim de não ser presa. Um grupo de
apoiantes locais, apesar destas acções continuou a promover a sua
candidatura. Este concelho do norte tem dos piores indicadores do país em
termos educativos, de saneamento básico, água canalizada, etc. Por
decoro, o PS, retirou-lhe o apoio partidário.
Valentim
Loureiro (PSD).
Presidente da Câmara de Gondomar. Acusado de negócios ilícitos
envolvendo a câmara e o sub-mundo do futebol. Chegou a ser
preso. Por decoro, o PSD, retirou-lhe o apoio partidário
. |
5.
Neo-caciquismo Na
posse de importantes recursos públicos, os autarcas tornaram-se depois de 1974
em verdadeiros caciques locais. Ao contrário dos antigos caciques durante a
ditadura, o seu poder não advém dos conhecimentos possuem junto do Estado
central, mas dos orçamentos camarários que gerem. Os caciques actuais, com
dinheiros públicos, tornaram-se em muitos concelhos nos principais
empregadores, distribuindo cargos, subsídios pelos correligionários,
amigos, apoiantes, etc. Um
das formas mais expedidas que encontraram para subirem os seus ordenados, darem
empregos aos membros dos respectivos partidos que não foram eleitos, mas
também para financiaram os próprios partidos, foi a de criarem empresas
municipais. Em 2010 calculava-se que existissem em Portugal mais de 2.000
empresas municipais, a maioria das quais totalmente endividadas. Estamos perante
verdadeiros antros corrupção que os autarcas não largam
mão. Os
novos caciques controlam a imprensa local (jornais e rádios) não através da censura, mas através
de subsídios ou da publicidade. Se enaltecerem a obra da câmara recebem,
caso contrário serão penalizados. Chegaram ao ponto de estabelecer protocolos
de colaboração com os jornais locais, assentes num compromisso mútuo: dizerem
bem da actuação dos autarcas, a troco de publicidade camarária (CM Porto, CM
de Gaia, etc. - Público, 30/6/2006). No
Alentejo, as câmaras municipais ligadas ao Partido Comunista Português,
financiam um jornal diário (Diário do Alentejo), que se tem destacado na
propaganda destas autarquias. O
melhor exemplo do desvario que reina nas autarquias portuguesas pode ser
observado nos investimentos feitos na propaganda feita pelos partidos nas
eleições autárquicas. O peso político dos caciques locais fez disparar os
custos das suas campanhas eleitorais, ultrapassando a partir de 1997, o
realizado nas eleições legislativas. Em 2009 foi seis vezes superior
(Expresso, 29/8/2009). Para
puderem suportar estas campanhas cada vez mais caras, um crescente número de
autarcas, no exercício dos seus cargos, passou a dedicar uma boa parte do
seu tempo e dos recursos públicos a criar e alimentar vastas redes clientelares
através de esquemas mafiosos (subsídios públicos, corrupção, tráfico de
influências, etc.). Ninguém dúvida da
importância das autarquias, assim como das suas virtualidades, mas agora estamos
confrontados perante a necessidade de uma verdadeira revolução no seu
funcionamento. O que existe não pode continuar, é a própria democracia que
está em causa. 6.
A Reforma Adiada O
mapa das autarquias (308 câmaras e 4.260 juntas de freguesia) data do século XIX, e
está completamente desfasado das necessidades administrativas do país. Vários
estudos são conclusivos num ponto: Existem concelhos e freguesias a mais em
Portugal, implicando custos elevadíssimas e um enorme desperdício de recursos.
Acontece que os autarcas temendo perderem lugares, opõem-se a qualquer reforma
administrativa. 6.1.
Lisboa, paradigma do descalabro nacional Lisboa
é um exemplo paradigmático desta completa irracionalidade. Um único concelho,
com 53 freguesias, algumas das quais tem apenas algumas centenas de fregueses,
enquanto outras possuem largas dezenas de milhares. A população de Lisboa
diminuiu 41% entre 1981 e 2008, mas os custos da Câmara e das Juntas de
Freguesia nunca pararam de aumentar. A Câmara está falida, mas
nenhum partido pretende mudar a situação. O enorme desgoverno e desperdício
provocado por esta situação interessa aos bandos de mafiosos que estão
instalados autarquia, daí que a questão da reforma da administração da cidade de
Lisboa sejam um assunto que ninguém quer falar. 6.2.
Juntas de Freguesia, exemplos de desperdício de recursos e de ladroagem Portugal,
em toda a Europa, é o país com maior número de Juntas de Freguesia. A sua
criação no século XIX, correspondeu ao poder junto dos governos do caciques
locais. O
concelho de Lisboa possui 53 Freguesias e o do Porto 15. Apesar de no primeiro
caso ser um claro exagero, um completo desperdício de recursos, a verdade é
que no contexto nacional a situação nem sequer é a mais grave: Barcelos
possui 89 (oitenta e nove) freguesias, Guimarães - 68; Braga - 62; Vila Verde -
58; Guarda - 55; Ponte de Lima -51; Chaves -50; etc, etc. Esta proliferação de
juntas de Freguesia servem apenas para aumentar as despesas do Estado e alimentarem as clientelas locais. A
aberração é completa quando se comparam as populações servidas pelas
respectivas juntas. A freguesia de Bigorne (Lamego) têm apenas 39 habitantes e
a de Montreira (Vinhais) - 44 (dados de 2008). A freguesia de Algueirão-Men
Martins possui 62.557 habitantes e a de Agualva Cacém - 81.845 habitantes. Nada
justifica semelhantes disparidades, a não ser a manutenção das clientelas
locais. O
mesmo exercício podia ser feito comparando as áreas das diferentes freguesias,
com a população abrangida. O resultado é sempre o mesmo: estamos perante um
sistema totalmente irracional, sem qualquer ganho para o país e as populações
locais. Não
é apenas o mapa das autarquias que constitui uma completa aberração, o que
está sobretudo em causa é o descalabro que reina na sua gestão. Estamos
perante verdadeiras escolas de ladroagem dos recursos públicos, onde se usam
todos os expedientes para roubar o erário e o património público. O
dinheiro atribuído às juntas serve para tudo, menos para o cumprimento das
funções que lhes estão atribuídas. Atribuem prémios e subsídios para tudo
o que se possa imaginar, realizam espectáculos, contratam cortes de assessores,
pagam cursos, financiam e promovem viagens pelo país e estrangeiro, publicam
luxuosos boletins, financiam clubes desportivos, etc, etc. Muitas possuem
verdadeiras frotas de automóveis e autocarros. Estamos perante um sub-mundo da
administração pública portuguesa onde tudo é possível. Não
raro, por causa de negócios obscuros, envolvendo nomeadamente baldios,
presidentes e ex-presidentes de juntas de freguesia agridem-se ou
matam-se. Os tribunais estão repletos de casos escabrosos destas negociatas. A
Junta de Freguesia de Agualva (Sintra), por exemplo, especializou-se em pagar
licenciaturas e pós-graduações aos seus funcionários, presidentes, vogais,
etc (Público, 20/1/2011). Face
ao este panorama é lógico que os autarcas em Portugal, os grandes
beneficiários desta administração local caótica, perdulária, ineficiente e
permeável à corrupção, estão empenhados em que nada mude. A mudança só
será possível através de um forte movimento cívico que se opunha a esta
parasitagem que está empobrecer Portugal.
Municípios
Os
municípios ou concelhos portugueses tem origem na organização política
criada pelos romanos, tendo-se mantido ao longo dos séculos como as
estruturas básicas de organização local das populações.
Na
grande reforma dos concelhos, em 1835, foram criados 856 municípios. No
ano seguinte foram reduzidos para 383. Em 1898 eram cerca de 300.
Actualmente são 308.
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Juntas de
Freguesia Ao longo do
século XIX, o seu número foi sempre diminuindo, uma tendência que não se
verificou no século XX. Em 1950 existiam cerca de 3.853 freguesias. Em 1974
o seu número subiu para 4.029. Actualmente são 4.260. Funcionários 132.000
funcionários, sem contar com os largos milhares trabalhadores que trabalham
para as autarquias a recibo verde, ou que o fazem em empresas municipais,
etc. Autarcas
57.445 eleitos (Dados
de 2011), sem contar com as hordas de assessores, comissários políticos,
etc. Financiamento Em
2011 mais de 2,8 mil milhões de euros foram transferidos pelo Estado para
as autarquias. Para
além destes montantes arrecadam as taxas e impostos que cobram, recebem
rendas de imóveis, baldios, concessões, fundos comunitários, etc. Recorrem
com frequência à venda de património (prédios, terrenos, obras de arte,
etc), bens acumulados durante gerações para manterem o despesismo em que
vivem. Não
param também de se endividar directamente ou através das múltiplas
empresas municipais. As dividas acumuladas à banca são uma afronta ao
país. Os
bandos de parasitas instalados nas autarquias lançam mão de todos os
expedientes para manterem a actual situação de total descontrolo. |
Carlos
Fontes |