Pitagorismo
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Pitágoras (572-497 a.C.), se é uma das figuras mais fascinantes do pensamento ocidental , é também umas das mais enigmáticas. De acordo com certas tradições Pitágoras era filho de Mnesarco (talhador de pedras preciosas). Conheceu em Mileto Tales e Anaximandro, viajou pelo Egipto, Mesopotâmia (onde se encontrou com Zaroastro) e India. Com maior probabilidade terá deixado, Samos, sua terra natal, por volta de 552, quando ascendeu ao poder o tirano Policrates, vindo então a fixar-se no Sul da Itália, em Crotona. A comunidade que aqui fundou, vivia mergulhada no maior secretismo, teve uma história acidentada até ser dissolvida na primeira metade do séc.V a.C. Os seus segredos terão sido revelados por Filolau de Crotona, que os terá vendido a Dionísio de Siracusa, ou Dione. Platão, na sua primeira viagem à Sicilia terá lido três livros que continham a sua doutrina. A
compreensão desta filosofia apresenta inúmeras dificuldades, não
apenas devido às diferenças entre os pitagóricos, mas também por
causa do carácter esotérico dos seus ensinamentos. Eís alguns
tópicos para a sua compreensão. |
"Pitágoras advogando o vegetarianismo", pintura de Pierre Paul Rubens Alma. A escola Pitagórica defendia a origem divina da alma e a existência de um pecado original. Outrora a alma vivia junto dos deuses, mas agora expiava o seu pecado num cárcere corpóreo. Após a morte do corpo, a alma separa-se dele e vai purificar-se no Hades, antes de regressar de novo à Terra para encarnar num corpo. No decurso das transmigrações, as almas vão expiando as faltas cometidas na existência anterior até serem consideradas dignas de serem libertadas do ciclo de existências e poderem finalmente conhecerem uma vida divina imortal. Pitágoras terá defendido que esta purificação se faria através do saber. Na sua posse o homem “desprendia-se” da realidade material contemplando outra que lhe era superior. Os seguidores desta doutrina deviam seguir um enorme número de regras para purificar a alma e instaurar a harmonia entre o homem e o cosmos. Diariamente deviam, por exemplo, perguntar-se: "Que faltas cometi?, Que bem pratiquei? Que Dever Esqueci?".
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Números.
Esta realidade superior foi identificada com os
números, aos quais os pitagóricos não tardaram em atribuir características de
perfeição, eternidade e divinas.
"e a causa disso reside no facto de que não os extraíram das coisas sensíveis; estes entes matemáticos são sem movimento, excepto no que concerne à Astronomia”, Aristóteles, Metafísica, I,8,990 |
Tetraktys.
Partindo desta ideia da perfeição divina dos números, começaram a estudar as relações
que os mesmos tinham entre si. Os números resultam do desdobramento da
unidade. O Um divide-se em Dois e assim sucessivamente.
Pode-se dizer que o verdadeiro significado do número Pitagórico está expresso numa figura sagrada, a Tetraktys, sobre a qual faziam os seus juramentos. A Tetraktys representa o número 10, tendo a forma de um triângulo cujos lados têm 4 números.Muitas das explicações que deram da realidade tinham por base diversas disposições desta figura geométrica. |
Matemática. O estudo das relações entre números e figuras geométricas, levaram-nos a interessantes descobertas no domínio da matemática, como o célebre teorema de Pitágoras.
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Os
Números são os Princípios das Coisas. Embora reconhecendo o carácter não sensível dos números, estabeleceram
também relações entre os números e as coisas:
“Os chamados pitagóricos foram os primeiros a dedicarem-se às matemáticas, fazendo-as progredir. Penetrados desta disciplina, pensaram que os princípios das matemáticas se identificavam com os princípios de todas as coisas. Os números, são, pela sua natureza, os que ocupam o primeiro lugar entre esses princípios, e os pitagóricos pensavam discernir neles, mais do que no Fogo, na Terra ou na Água, um grande número de semelhanças com as coisas que existem e são geradas”, Aristóteles, Metafísica, 5,585 b.
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Os
Dez Princípios Fundamentais. Todas as coisas
são determinadas por números, e estes formam dez pares de contrários
correspondentes a outros tantos princípios:
“dizem que são dez os princípios das coisas, dispostos em série (de pares de contrários): Finito - Infinito,- Impar-Par, Unidade-Multiplicidade, Direita-Esquerda, Macho-Femea, Repouso-Movimento, Recta-Curva, Luz-Trevas, Bem-Mal, Quadrado-Oblongo", Aristóteles, Metafísica,I,5,986 |
Acústica. Entre as descobertas que lhes são atribuídas conta-se a dos intervalos fixos na escala musical. Determinaram que existia uma relação entre o comprimentos das cordas e sete notas musicais, segundo uma proporção que podia ser expressa em termos numéricos. A escala tonal corresponde, como refere Paolo Gasini, à proporção harmónica 12:8:6, onde 12:6 é a oitava, 12:8 a quinta, 8:6 a quarta. Esta descoberta parece ter servido como prova que toda a realidade era composta por números e se podia expressar através de números.
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Física.
Estas relações entre os números e as coisas conduziram-nos à concepção matemática da realidade.
Os números constituíam o verdadeiro elemento de que era
feito o mundo. Chamavam Um ao ponto, Dois à linha, Três à superfície e Quatro
ao sólido, de acordo com o número mínimo de pontos necessários para
definir cada uma dessas dimensões. Os pontos, para eles, tinham tamanho; as
linhas altura; e as superfícies, profundidade. Os pontos se somavam para
formar as linhas; as linhas, por sua vez juntavam-se para formar superfícies; e estas,
para formar volumes. A partir de Um, dois, três, quatro, podiam construir um
mundo. Não é de estranhar, pois que o dez, a soma destes números tenha um
poder sagrado e omnipotente. Destas relações entre números e as formas
geométricas acabaram por identificar a física com a matemática, e esta
com aquela.
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Modelo
do Cosmos.A concepção do cosmos pitagórica estava subordinada às
propriedades de perfeição atribuídas ao número dez. Dado que os corpos
celestes eram apenas 9 (Terra, Lua, Sol, os cinco planetas e a esfera das
estrelas fixas), acabaram por lhes acrescentar mais um, a "Anti-Terra".
No centro do cosmo colocaram o fogo à volta do qual tudo girava.
"No centro do Universo, eles dizem que há fogo, e à volta do centro move-se a nossa Terra; e a seguir a Anti-Terra esta nossa Terra, que também se move à volta do centro; e a seguir à Terra a lua; pois o regista Aristóteles na sua obra Sobre os Pitagóricos. Sendo a Terra um dos astros e movendo-se à volta do centro, produz o dia e a noite de acordo com a sua posição em relação ao Sol. A Anti-Terra, ao mover-se à volta do centro, na esteira da Terra, é invisível para nós porque o volume da Terra está interposto. Pois devido ao seu pressuposto que a década é o número perfeito, quiseram também que fosse até dez o número de corpos com movimento circular. E assim, diz Aristóteles, considerando como uma a esfera dos astros fixos, como sete os planetas e depois esta nossa Terra, completaram a década com Anti-Terra". Frag.331
"Pitágoras Celebra o Nascer do Sol", pintura de Fyodor Bronnikov (1827-1902)
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Geometria das Coisas. A concepção
pitagórica da natureza numérica do Universo, acabou por introduzir uma ruptura com o modo de o
estudar como haviam feito os Jónios. Os pitagóricos, como afirmam alguns
autores, descobriram um relação possível, até aí desprezada, entre os
problemas da cosmologia e as relações de geometria. Figuras geométricas
diferentes tinham diferenças qualitativas, apesar de, sendo todas semelhantes, na medida em que todas eram formas espaciais. Construindo a sua teoria nesta nova base,
sugeriram que as diferenças qualitativas na natureza eram fundamentadas em
diferenças de estrutura geométrica. A partir daqui deixava de ser relevante a
questão de saber qual era a matéria primordial que tinha dado origem a
todas as coisas, dado que o que estabelecia a distinção não era a
matéria, mas a forma geométrica.
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Matemática
é a Chave para Descoberta da Realidade
Dado que toda a realidade é constituída por números, o seu conhecimento prévio tornam-se a condição imprescindível para o conhecimento da realidade. Neste sentido os Pitagóricos acabaram por afirmar que a matemática era a ciência que nos permitia compreender as coisas, ideia que irá inspirar muito mais tarde a Ciência Moderna. “Todas as coisas conhecidas tem um numero, porque sem ele não seria possível que algo fosse compreendido ou conhecido”. Filolau, Frag. 4 |
Carlos Fontes