F. Nietzsche .Origem da Tragédia - Tópicos para uma leitura (Em construção. Espere um pouco!) |
1. Trata-se da primeira obra de Nietzsche e que foi escrita quando tinha apenas 27 anos. Nela manifesta-se ainda um seguidor da filosofia de Schopenhauer e um admirador confesso de Wagner, a quem dedica este livro.
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2. Nietzsche coloca duas questões fundamentais às quais vai procurar responder
ao longo de toda a obra.
Qual a razão porque um povo que valoriza tanto a razão, a ordem e o controlo das paixões, teve necessidade de criar uma arte, como a tragédia, onde se expressa o irracional, o misterioso ? Como deve o homem encarar o sofrimento, a crueldade, a dor e o horror que caracteriza a história da humanidade ? É possível dar algum sentido a esta história ? O sofrimento e o horror são inerentes à própria condição humana?
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3. Para responder a estas questões Nietzsche estuda a origem da tragédia, pondo
em evidência a sua origem ligada ao culto do deus Dioniso. Recorde-se que
Dioniso ou Baco foi o último deus a entrar no Olimpo, Homero não o considerava
ainda imortal. É popularmente conhecido como o deus do vinho. Contava-se que era
originário de Tebas, filho de Zeus e da princesa Sémele. Tal como o deus
Osíris do Egipto, foi morto e ressuscitado. Aparece ligado aos cultos
primaveris. Os seus rituais ocorriam na montanhas e florestas, praticando-se a
embriaguez, comendo-se o corpo e bebia o sangue de seres humanos, os quais foram
substituídos por animais, como bodes. A palavra tragédia, significa
"canto do bode".
A este deus contrapôs Nietzsche um outro, Apolo, estabelecendo assim uma dualidade na cultura grega. Dioniso e Apolo foram erigidos em princípios de toda a criação artística. Dioniso simboliza a natureza, o excesso e o irracional. O culto a dioniso, na antiga Grécia, aparece ligado a orgias e festividades onde eram cometidos todo o tipo de excessos. As festas em honra de Dioniso são inseparáveis também da música e da dança onde os participantes de fundem com o todo envolvente ( o Uno Primordial, a energia vital ). Apolo é o contraponto de Dioniso. É o símbolo da ordem, medida, proporção, forma. Identifica-se com o sonho, as imagens e as formas individualizadas. As suas artes são a epopeia (Homero) e a escultura. Podemos dizer que o primeiro exprime as forças misteriosas e irracionais que emergem da natureza, o segundo a ordem e modelação que lhes é dada.
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4. A arte resultada desta tensão e desequilibrio entre dois espíritos, o de
Dioniso e o de Apolo. Nietzsche refere que artes prepondera mais um
espírito que outro, o que terá levado a certas classificação das artes em
função deste critério.
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5. A finalidade da arte é proporcionar um espécie de consolo
metafísico. Ela é, com veremos, a afirmação da vida perante a crueldade e o
horror, nisso consiste a sua grandeza, colocando-se desta forma para além do
bem e do mal.
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6. A história do teatro grego foi re-interpretada por Nietzsche à luz desta
dualidade (Dioniso e Apolo), procurando através da mesma responder às duas
grandes questões que no inicio referimos. O apogeu da tragédia, corresponde à sua primeira fase, onde se manifestou um perfeito equilibrio entre o espírito de dionisiaco e o apolineo. O coro dos sátiros e a música exprimiam então a violência do real, o caos original. As tragédias de Esquilo e Sófocles manifestam-se conformes a este mundo, onde Dioniso era o verdadeiro herói da cena, cujo sofrimento era cantado por o coro. Enquanto durou esta fase da tragédia grega, a questão de um sentido da existência humana não se colocava para os gregos. Estes pareciam aceitar a falta de sentido do mundo e da sua existência, fazendo a força para enfrentar esta realidade a principal virtude.
A decadência da tragédia, começa no tempo de Euripides, contemporâneo de Sócrates. Nietzsche assinala toda uma série de modificações que são então introduzidas nas suas representações: - As cenas de dioniso e da sua paixão heróica são retiradas - O coro trágico é transformado em poema ou coro histórico - As cenas narradas aproximam-se das vivenciadas pela própria assistência, retirando-lhe assim toda a sua carga mítica. - Multiplicam-se os actores e os efeitos cénicos, aumentando o efeito de diversão. Correspondendo a esta decadência da tragédia, surge a comédia. Aristófanes, o seu principal autor, nelas coloca tudo a rídiculo para glaudio da assistência. A questão do sentido da existência humana sofre então, segundo Nietzsche, uma mudança profunda. Antes todavia de respondermos a este ponto vejamos primeiro as causas da decadência da própria tragédia.
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7. A principal causa da decadência da tragédia tem um nome: Sócrates. Ele
encarnou o espírito de Apolo, e levou a sua preponderância na cultura
grega, contribuindo assim para a negação do espírito dionsiaco. Sócrates é
assumido como o modelo do homem contemplativo ( teórico), avesso às paixões e a tudo aquilo
que tenha a ver com o corpo. Foi ele que descobriu e apontou um sentido para
vida humana: a salvação da alma, o que implicava a renuncia dos prazeres
corporais, os instintos. Com Sócrates a vida terrena começa a ser preterida em favor de uma outra vida, no além. Todos aqueles que desistiram de lutar (viver), os fracos, refugiam-se nesta ilusão, encontrando nela um consolo. Perante esta transmutação de valores operada por Sócrates, a reacção dos atenienses foi violenta. Contudo, a sua morte acabou por lhe aumentar a fama e influência ao torná-lo num mito central da cultura ocidental.
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8. O modelo de homem que Sócrates irá legar às gerações futuras está assim mutilado. Trata-se de um Homem que privilegia o razão desprezando a vida, que
contrapõe o saber ao mistério. Este homem imagina um mundo ordenado mas onde reina
o caos, só encontra uma única escapatória para o seu sofrimento: a ilusão de
um outro mundo. O cristianismo irá prosseguir o caminho aberto por Sócrates.
. Continua ! | |
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Carlos Fontes |